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Bolívia - O que se pode esperar do governo socialista de Evo Morales?

Por Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

(Atualizado em 27/08/2013, às 11h15)

Por que as eleições na Bolívia têm tido tanto destaque nos meios de comunicação do Brasil? O que a eleição de Evo Morales à presidência daquele país, em 18 de dezembro de 2005, significa - para a própria Bolívia, para o Brasil e para a América Latina?

Essas são algumas das perguntas que você pode estar se fazendo diante do destaque que a imprensa tem efetivamente dado à política boliviana nos últimos quinze dias. Vamos tentar respondê-las de maneira ampla, mas, de antemão, devemos esclarecer que algumas têm respostas mais simples, outras mais complexas, na medida em que dependem de acontecimentos futuros.

Afinal, está mais do que comprovado que, em qualquer lugar do mundo, uma coisa é o que diz o candidato quando está em campanha, outra muito diferente costuma ser o que ele faz quando assume o poder.

História e simbolismo

Vamos, então, começar pelas questões mais simples. Em primeiro lugar a eleição em 1º. turno de Evo Morales tem um inquestionável caráter histórico e simbólico, ele é o primeiro indígena a ser eleito presidente da Bolívia, um país em que a maioria da população (85%) é composta por indígenas e mestiços.

Além disso, é um candidato de esquerda, seu partido é o MAS (Movimento ao Socialismo). Ou seja, trata-se, em princípio, de mais um político de esquerda a se eleger na América do Sul e num país cuja tradição governamental, na segunda metade do século 20 e no início do século 21, é basicamente de direita.

A vitória de Morales no 1º. turno, em eleições que decorreram com bastante tranquilidade, foi de certa forma um resultado que deve garantir a paz na Bolívia por um certo tempo. A política do país, desde a independência, em 1825, sempre foi bastante tumultuada, com sequências sucessivas de revoluções e governos ditatoriais.

Violência e tumultos

Acreditava-se que Morales iria para o 2º. turno. Naquele país, isso ocorre no Congresso, o qual costuma dar a vitória aos candidatos das elites e não àqueles que obtiveram a maioria nas urnas. Ora, se isso acontecesse no caso de Morales, o resultado seria fatalmente violento. Manifestações de protesto e muitos tumultos certamente poderiam explodir.

Com a eleição de Morales, a violência foi evitada e prevaleceram as leis do Estado de Direito, de acordo com a Constituição boliviana. Contudo, é impossível prever o que vai acontecer daqui para a frente, por diversos motivos.

Para começar, seu projeto de governo parece ser simples, mas não é. Morales pretende renegociar todos os contratos com as empresas estrangeiras, nacionalizar o gás, o petróleo e as riquezas minerais bolivianas, modificar a estrutura social do país, de modo a incluir a população indígena e combater a pobreza. Além disso, pretende convocar uma Assembleia Constituinte.

Maioria e minorias

Um programa como esse - bastante ambicioso - já seria difícil de conseguir numa sociedade coesa, que dirá num país como a Bolívia, marcado por profundas diferenças étnicas, sociais e ideológicas? As dificuldades já podem começar no Congresso, onde o presidente conta com um bancada que chega a quase a metade das cadeiras, mas a maior parte das reformas precisa ser apoiada por maioria de dois terços.

Não bastasse isso, quando se fala que Morales é um político de esquerda, outros problemas entram em pauta. O esquerdismo de Morales não será apenas retórico, com inúmeras promessas radicais que, após a posse, poderão ser consideradas por ele mesmo como simples "bravatas"? Nós já não vimos esse filme em outro cinema?

Na Bolívia, o líder indígena Felipe Quispe e seu grupo político, o MIP (Movimento Indígena Pachakuti), que está à esquerda de Morales, prometeu-lhe uma trégua de 90 dias, mas já declarou à Agência Folha que "o governo de Morales será parecido com o de Lula, não mudará nada. Sou seu inimigo político e não acredito que ele deixará de ser o político tradicional que sempre foi".

Mudança de discurso

Vale lembrar que dois dias após a posse, Morales já começou a dar indícios de uma postura menos radical do que na campanha. Diz-se "disposto a manter relações de respeito mútuo com os EUA", em vez de aumentar o tom de suas costumeiras críticas a George Bush. Em termos geopolíticos, portanto, a Bolívia não deve estar tão alinhada à Venezuela do autoritário Hugo Chavez.

O problema principal dos EUA com Morales talvez seja a questão da coca, já que seu "esquerdismo", se for mesmo comparável ao de Lula, deve receber os mesmos elogios do governo norte-americano.

Quanto à coca, o caso é mais grave. O plantio e o uso da coca fazem parte da tradição cultural indígena do país. Mascada, ela reduz a sensação de fome e cansaço. Também contém ingredientes que podem ser usados pela medicina, sendo por isso uma mercadoria de valor. Entretanto, a planta, uma vez refinada, pode ser transformada em cocaína. Os Estados Unidos querem reduzir o plantio para combater o narcotráfico. Morales quer aumentar a produção de coca, mas promete "cocaína zero e narcotráfico zero".

Será que isso é possível? Não é o que pensa Bush, nem o delegado Mauro Sposito, coordenador de Operações Especiais de Fronteira da Polícia Federal brasileira. Sposito declarou à Agência Folha que o crescimento do plantio de coca pode aumentar a entrada de pasta de coca no Brasil. A pasta de coca é o principal componente do crack. Ou seja, enquanto a cocaína (mais cara) iria abastecer os países ricos do hemisfério norte, a pasta de coca (mais barata) viria para o mercado brasileiro.

O petróleo é nosso?

Esse, aliás, não é o único problema que a eleição de Morales apresenta para o Brasil. Mais graves são as promessas de nacionalização de gás e petróleo feitas pelo presidente eleito boliviano. Morales já anunciou que nacionalizará duas refinarias da Petrobras, sem esclarecer de que maneira. O governo brasileiro e Lula, simpáticos a Morales, acreditam que ele vá comprá-las por um preço justo. Mas, cá entre nós, a credibilidade de Lula e do governo brasileiro andam bem baixinhas, não é mesmo?

Por isso, nessa questão, apenas uma coisa é certa: O Brasil não deverá abrir mão dos grandes investimentos que fez em gás e petróleo na Bolívia nos últimos anos, por maior que seja a solidariedade entre os governos. Assim, enquanto Morales e Lula trocarem juras de amor em público, um jogo pesado de negociações deverá acontecer nos bastidores diplomáticos.

Finalmente, uma última questão não deve ser esquecida: o líder indígena Evo Morales tem competência para exercer o cargo a que foi eleito? Pode ser que sim, mas, por via das dúvidas, tem o intelectual Álvaro García Linera como vice-presidente. García conquistou credibilidade e simpatia junto à classe média boliviana para a chapa que compôs com Morales e, segundo se diz, deve ser a eminência parda do governo.

 

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