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Globalização - aumento de tarifas dos EUA desestabiliza o comércio mundial

MANDEL NGAN / AFP
Imagem: MANDEL NGAN / AFP

Carolina Cunha, da Novelo Comunicação

Desde que Donald Trump entrou na Casa Branca, uma guerra comercial vem marcando a política de seu governo em relação ao comércio internacional. Em 2018, em uma onda protecionista sem precedentes nas últimas décadas, o presidente dos EUA aumentou a tarifa de milhares de produtos importados, que passaram a entrar em vigor no início de julho.

As medidas da Casa Branca foram recebidas pelos países afetados com retaliações, iniciando um processo de “guerra comercial”, quando um país impõe tarifas comerciais à importação de outro, que responde sobretaxando os produtos do concorrente.

Em seu Twitter, Trump reagiu com ironia.  “Quando um país (EUA) está perdendo vários bilhões de dólares em comércio com praticamente todos os países com que faz negócios, guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar”, justificou o presidente. 

O aumento de tarifas é uma promessa de campanha de Trump para incentivar a indústria nacional. Ele venceu as eleições defendendo que os operários americanos estavam perdendo postos de trabalho para outros países e que cidades estavam se desindustrializando.

Com o lema “America First” (“Estados Unidos primeiro”), Trump usou uma retórica nacionalista e evocou o princípio da soberania. Ele também prometeu combater os produtos “Made in China” e disse não ter medo de realizar restrições a acordos comerciais.

Outro motivo para o aumento de tarifas seria o desequilíbrio da balança comercial dos EUA. No período de 12 meses, o déficit foi de US$ 573,1 bilhões, 10,2% a mais do que no ano anterior. Trump está cortando impostos e aumentando gastos, que funcionam como estímulo à atividade econômica no curto prazo. Mas essa estratégia pode aumentar ainda mais o déficit, que seria compensado com os impostos do comércio exterior.

Taxação do aço e alumínio

A primeira grande medida aconteceu em março, quando o governo americano anunciou que aumentaria a taxação sobre as importações de aço e alumínio. Trump anunciou as tarifas de importação de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio importado da União Europeia, Canadá e México, responsáveis por quase metade das importações dessas commodities.

Em resposta, europeus, canadenses e mexicanos vão impor tarifas de até 25% sobre produtos siderúrgicos americanos, itens agrícolas (como arroz, milho e tabaco), itens têxteis, alimentos e automóveis (motos, barcos).

A justificativa do governo americano é que a medida seria um incentivo à produção das siderurgias locais, que estariam sofrendo uma concorrência injusta. Além disso, o aumento de tarifas também seria uma questão de segurança nacional, ao evitar que o país se tornasse dependente da matéria prima importada.

A taxação dos metais preocupou importantes parceiros comerciais dos EUA, como Canadá em União Europeia. Durante a reunião de cúpula do G-7, as maiores economias do mundo sinalizaram que a medida pode desequilibrar toda a economia mundial.

Pressão no NAFTA

Em vigor desde 1994, o NAFTA– Acordo de Livre Comércio da América do Norte é um acordo econômico e comercial formado por Estados Unidos e seus vizinhos, Canadá e México.

As recentes sobretaxas sobre a importação de aço e alumínio afetaram diretamente o NAFTA e aumentaram a incerteza sobre o futuro do bloco. Os três membros se encontram em novas rodadas de negociações, que devem terminar em agosto.

Trump considera o bloco prejudicial aos EUA e já o classificou como “desastroso”. Ele chegou a ameaçar a saída do país do acordo se não forem renegociados os termos. Já o México e Canadá possuem uma forte dependência econômica dos EUA, o que representa uma baixa força para negociação.

“Temos grandes déficits com México e Canadá. O NAFTA, que atualmente está em renegociação, foi um acordo ruim para os Estados Unidos, com grande deslocamento de empresas e empregos. As tarifas ao aço e ao alumínio serão retirados unicamente se um novo acordo for assinado", escreveu Trump em sua conta no Twitter.

A guerra comercial entre EUA e China

Em março de 2018, os EUA e a China, as duas maiores economias do mundo, também começaram uma disputa que se tornou a maior guerra comercial das últimas décadas. De lá pra cá, dos quase US$ 600 bilhões do comércio entre China e Estados Unidos, US$ 100 bilhões já sofreram aumento de taxas. A alíquota seria de 25%.

Há anos os EUA reclama que é preciso reduzir o déficit comercial com a China (diferença de volume exportado entre os dois países). A principal alegação do governo americano é que os chineses realizam práticas “injustas” de mercado, gerando uma concorrência desleal com o resto do mundo.

Trump alega que os chineses roubam a propriedade intelectual estadunidense, especialmente no setor de tecnologia. Isso aconteceria pela ação de hackers e pela compra de parte de empresas americanas para ter acesso aos métodos de produção.

A lista negra dos Estados Unidos de bens importados inclui computadores, componentes eletrônicos, máquinas eletrônicas, memórias de computadores, células fotovoltaicas, escavadeiras, motocicletas, incubadoras de frango, tubos para radiografias, entre outros.

Como retaliação, a China tarifou centenas de produtos americanos em 25%, especialmente produtos agrícolas, como a soja, a carne bovina e suína, peixes e frutas. O país também tarifou os automóveis, as motocicletas (incluindo a famosas Harley Davidson) e componentes químicos.

O país asiático acusou Trump de começar o que poderia ser tornar o maior conflito comercial da história e ameaçou a imposição de novas tarifas sobre o petróleo bruto, gás natural e produtos de energia. "A China não quer uma guerra comercial, mas não temos outra opção a não ser nos opormos fortemente a isso", informou o ministério do Comércio chinês.

O presidente americano afirmou que iria impor novas tarifas em caso de retaliação. A China também pediu aos membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) que se unam solidariamente e "resistam" às práticas protecionistas dos EUA. Em agosto, as duas potências sinalizaram uma possível rodada de negociações.

Segundo Zhang Mao, o chefe da Administração Estatal para a Regulamentação do Mercado chinês, a escalada de tensões não beneficia ninguém. "Resolver problemas comerciais através de negociações é um desejo comum na China e nos EUA, incluindo empresas americanas", afirmou a autoridade chinesa. Mao se comprometeu a intensificar os esforços para garantir a concorrência justa e a proteção da propriedade intelectual para empresas estrangeiras.

Como consequência direta dos aumentos, diversos fazendeiros americanos aceleraram os embarques de soja para a China antes que tarifas comerciais entrassem em vigor. Essa medida acabou contribuindo para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos, que cresceu a uma taxa anualizada de 4,1% no segundo trimestre de 2018.

Risco de impacto global

Analistas avaliam que as duas potências terão perdas econômicas com o aumento das tarifas. O movimento pode desacelerar o ritmo de crescimento da economia global, aumentar a inflação e, no pior dos cenários, causar mais uma crise mundial.

A partir do momento em que há sobretaxa, o produto fica mais caro e as empresas podem perder competitividade no mercado. O valor aumentado pode ser repassado para o consumidor, aumentando os preços, ou então, gerando cortes na produção, o que afeta a lucratividade da empresa e aumenta o desemprego.  

A maior parte dos produtos afetados pelas tarifas impostas pela Casa Branca à China são bens intermediários ou de equipamento, que afetam indiretamente a indústria americana, que os compra para a linha de produção.

Mesmo que o projeto vendido não esteja na lista dos produtos taxados, o preço também pode aumentar, já que os insumos podem estar taxados. Por exemplo, a Coca-Cola anunciou que terá que aumentar os preços de refrigerante em lata nos EUA, alegando que o preço do alumínio aumentou.

A OMC informou que está preocupada com a política de Trump e vê um potencial de “escalada real” com retaliações de outros países. “A política do olho por olho nos deixará todos cegos e o mundo em profunda recessão. Devemos fazer todos os esforços para evitar a queda do primeiro dominó. Ainda há tempo”, disse Roberto Azevêdo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio.

A projeção é que os EUA tente barrar ainda mais o aumento da influência da China. Os economistas estimam que a partir de 2030, a China deve ser o país com o PIB nominal mais alto do mundo. O volume de exportações chinesas será um dos fatores que farão a potência asiática ultrapassar os Estados Unidos na produção de riquezas.

Farpas entre EUA e Turquia

O aumento de tarifas também está sendo usado por Trump como arma de negociação e pressão política. No dia 10 de agosto, o presidente americano anunciou que dobraria as taxas sobre o aço e o alumínio turcos. Os EUA são o principal país importador do aço da Turquia.

O governo turco reagiu e aumentou as tarifas sobre produtos americanos. As medidas do país asiático têm pouco reflexo na economia dos EUA, mas a guerra comercial derrubou ainda mais a cotação da lira turca, que enfrenta forte desvalorização cambial.

A retaliação à Turquia ocorreu após uma recente crise diplomática entre os dois países. Andrew Brunson, um pastor americano, foi preso em território turco em 2016 acusado de espionagem e atividades terroristas. Trump exige a libertação do compatriota.

Repercussão no Brasil

A queda de braço entre China e EUA já causa impacto na economia brasileira e os economistas alertam que o Brasil pode perder mais do que ganhar. Com a oferta de produtos maior que a demanda, há uma pressão que derruba os preços das commodities, as matérias-primas com preço internacional.

As commodities são a principal fonte de exportação do Brasil, em produtos como a soja, a cana-de-açúcar, o café, o minério de ferro, a carne bovina, o cacau, o alumínio e alguns outros.
“Vão aumentar o custo, o preço das commodities, afetando todo mundo, inclusive o Brasil. Uma guerra comercial nesse nível vai significar também uma redução do crescimento da economia e diminuição do comércio exterior”, disse o embaixador Rubens Barbosa, em recente entrevista à TV Brasil.

No entanto, para alguns setores, a disputa comercial pode favorecer a venda de produtos. No curto prazo, houve o aumento da procura da soja brasileira pela China e seu preço aumentou na Bolsa de Valores de Chicago. No entanto, analistas avaliam que no longo prazo, essa disputa será ruim. O Brasil é o segundo maior exportador de soja para a China, mas o país não produz hoje o suficiente para abastecer sozinho o gigante asiático.

Uma nova ordem mundial?

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o governo americano coordenou um plano para recuperar as economias capitalistas da Europa ocidental, aproveitando-se do fato que países estavam em reconstrução.

Os EUA promoveram tratados multilaterais, criados para garantir a estabilidade dos mercados e a passaram a reduzir práticas protecionistas e barreiras alfandegárias. Como resultado, o país se tornou a maior potência do século 20 e seu papel foi fundamental na construção de uma nova ordem internacional.

A partir dos anos 1980, o comércio global aumentou rapidamente, assim como os fluxos internacionais de investimentos. Novas tecnologias surgiram para conectar as pessoas de forma planetária. Com a globalização, houve a ruptura de fronteiras do capital e aumentou a imigração, favorecendo um mundo multicultural.

Os mercados se integraram e o comércio internacional se tornou uma rede complexa de interações. Grandes corporações transnacionais se estabeleceram e em busca de maior lucro, indústrias transferiram seus centros de produção para países de mão-de-obra barata, que passaram a fabricar para seus próprios mercados.

Economias até então periféricas, como os países emergentes, se apresentaram com grande potencial econômico. E a ascensão da China como superpotência mudou a balança de poder global.

A formação de blocos econômicos em diversos continentes também é um dos resultados da globalização. Os blocos foram criados com a finalidade de facilitar o comércio entre os países membros, adotando a redução ou isenção de impostos ou de tarifas.

Mas desde a crise financeira de 2007, o mundo enfrenta uma forte recessão. O comércio global sofreu uma desaceleração e os bancos estão evitando realizar empréstimos internacionais.

Nesse cenário, muitos economistas acreditam que vivemos um processo ao contrário: a desglobalização. O mundo estaria passando por um período de reversão da globalização, onde países buscariam diminuir a integração e o fluxo com outras nações.

Um dos símbolos desse novo período seria o Brexit, a inesperada saída do Reino Unido da União Europeia. Nos países desenvolvidos, aumenta o discurso e práticas contra a imigração e os refugiados. Na economia, predominam as medidas protecionistas, com maiores restrições das importações para proteger a indústria nacional.

Quem critica o termo “desglobalização” afirma que o atual cenário é apenas um sintoma de uma nova fase de globalização marcada pela acentuação das crises financeiras e sociais. Para essa linha de pensamento, a globalização teve como consequência o aumento das desigualdades dos países, a precarização das relações de trabalho e o enfraquecimento do Estado para assegurar o bem-estar a seus cidadãos. Diante da incapacidade do Estado em reagir, aumentaria o sentimento nacionalista da população.

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