Migrações - governo de Bolsonaro abandona pacto mundial das migrações da ONU
O presidente Jair Bolsonaro tomou posse no dia 1 de Janeiro. Uma de suas primeiras ações em política externa foi comunicar às Nações Unidas (ONU) a saída do Brasil do Pacto Global para a Migração, acordo que o país tinha aderido em dezembro, no final do mandato de Michel Temer.
Através da rede social Twitter, Jair Bolsonaro comentou a decisão: "Não é qualquer um que entra em nossa casa, nem será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros". Segundo o líder do Executivo, a imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a soberania de cada país. Ele ainda alertou que "quem por ventura vier para cá deverá estar sujeito às nossas leis, regras e costumes, bem como deverá cantar nosso hino e respeitar nossa cultura".
Em dezembro, o agora ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, já havia antecipado em suas redes sociais que o novo governo se dissociaria do Pacto, avaliado por ele como "um instrumento inadequado para lidar com o problema". Segundo Araújo, o Brasil deve definir os critérios para o ingresso de imigrantes no país e "vai buscar um marco regulatório na área".
Já Aloysio Nunes Ferreira, ex-ministro das Relações Exteriores, que defendeu o país durante as negociações, criticou Araújo e defendeu o Pacto, considerando a imigração uma questão global e compatível com a realidade brasileira. Para ele, o acordo procura "servir de referência para o ordenamento dos fluxos migratórios, sem a menor interferência com a definição soberana por cada país de sua política migratória".
Apesar da saída do acordo, Bolsonaro afirmou que não vai recusar a entrada de venezuelanos no país. O Brasil enfrenta atualmente uma pressão migratória com a entrada diária de centenas de venezuelanos pela fronteira em Roraima, que fogem da crise política e econômica do país vizinho.
O que é o pacto?
O Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular é o primeiro acordo global da Organização das Nações Unidas para lidar com a migração internacional. Ele é uma espécie de compromisso feito por Estados-membros para fortalecer e aperfeiçoar mecanismos e políticas públicas para proteger e regular pessoas em movimento.
A ideia é equilibrar as relações entre países e migrantes. Na prática, o documento serve como uma espécie de guia geral com recomendações sobre o tema e abre portas para aumentar a cooperação internacional na área, visando tornar a migração mais segura e digna para todos.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, descreve o Pacto como um "mapa para prevenir sofrimento e caos". Para ele, o documento reconhece que todo indivíduo tem direito à segurança, dignidade e proteção. Ele afirma que o documento pede maior solidariedade com migrantes em situações de vulnerabilidade e abusos terríveis. Dessa forma, o migrante estaria mais protegido de situações como o trabalho escravo, o tráfico internacional de pessoas e a violação de direitos humanos.
O texto detalha 23 medidas concretas, entre elas coletar dados, proporcionar documentos de identidade aos migrantes que carecem de documentos, acordar um tratamento particular a mulheres e crianças, administrar as fronteiras de modo coordenado com os vizinhos, deter migrantes irregulares apenas como último recurso, outorgar aos migrantes o acesso aos serviços sociais e impedir qualquer discriminação (de cunho étnico, político, religioso, entre outros).
Os países-membros da ONU realizaram a assinatura do Pacto em dezembro, durante uma cúpula no Marrocos. Dos 193 países que compõem as Nações Unidas, 164 assinaram o documento, incluindo o Brasil, que se retirou em janeiro deste ano.
O Pacto é o resultado de 18 meses de discussões e consultas entre os Estados-membros e outros atores, incluindo autoridades nacionais e locais, sociedade civil, setores privados e públicos e migrantes. O texto foi inspirado na Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes, adotada por unanimidade pela Assembleia Geral da ONU em setembro de 2016.
A desistência de países-chave
Países como os Estados Unidos, Hungria, Austrália, Itália e Israel não apoiam o Pacto Global para a Migração. O principal argumento é que o texto representa uma possível ameaça à segurança ou à soberania do país - a noção de que os cidadãos de cada país têm a autoridade única e final para controlar os assuntos políticos e legais da nação. Dessa forma, ele entraria em confronto com políticas migratórias nacionais.
Entre as medidas que desagradam parte dos países, o Pacto prevê que o migrante que estiver irregular não poderá ser deportado imediatamente e cada caso terá de ser analisado individualmente. O texto também proíbe as deportações coletivas e discriminação na análise sobre a permanência ou não do migrante, recomenda que a detenção seja o último recurso e orienta que o migrante tenha acesso à educação, saúde e informação.
Os países não signatários também alegam que o documento pode encorajar novas ondas de migrações em larga escala, estimular a entrada de terroristas e promover uma possível ameaça à coesão e manutenção da cultura ocidental.
Apesar das críticas, o Pacto não é juridicamente vinculante, ou seja, os países não são obrigados a seguirem suas orientações. O documento possui um caráter recomendatório de boas práticas a serem seguidas voluntariamente pelos países signatários, que podem criar suas próprias políticas.
Um dos maiores críticos do Pacto é o presidente norte-americano, Donald Trump. Em 2017, ele retirou os Estados Unidos do acordo, considerando-o "incompatível" com a sua política e alegou a soberania do país sobre as regras de imigração. Em comunicado, a embaixadora americana nas Nações Unidas, Nikki Haley, afirmou que "decidiremos qual é a melhor maneira de controlar as fronteiras e quem será autorizado a entrar no nosso país".
Em 2018, a gestão Trump foi criticada mundialmente sobre o endurecimento de sua política de imigração, que incluía a existência de centros de detenção de migrantes e a detenção de crianças desacompanhadas que cruzaram a fronteira do México com os Estados Unidos.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, também rejeitou o Pacto. "Estamos comprometidos em proteger as nossas fronteiras contra os imigrantes ilegais. Isto é o que fizemos e isto é o que continuaremos fazendo", argumentou em comunicado. Em 2018, o governo israelense chegou a planejar a deportação forçosa em massa de milhares de imigrantes africanos. A medida foi muito criticada por ONG locais e pela comunidade internacional, pois ameaçaria de prisão quem se recusasse a retornar ao país de origem e colocaria em risco a vida de centenas de cristãos africanos que fugiram do Sudão e Eritreia por perseguição religiosa.
O que motivou a criação do Pacto?
A migração é um fenômeno humano que sempre existiu ao longo da história. O deslocamento é feito por pessoas que geralmente buscam melhores condições de vida. A ONU diz que a migração oferece grandes oportunidades para migrantes, para comunidades anfitriãs e para as comunidades de origem. Mas quando ela é feita de forma desordenada, pode criar problemas. "Num mundo onde ela é cada vez mais inevitável e necessária, a migração deve ser bem administrada e segura, e não irregular e perigosa", diz António Guterres, secretário-geral da ONU.
O Pacto ganhou impulso após a crise migratória de 2015 na Europa; uma crise que marcou o maior influxo de refugiados e migrantes no continente desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Segundo a ONU, existem hoje mais de 258 milhões de imigrantes no mundo, dos quais 50 milhões são crianças. Esse é o maior movimento de pessoas já visto na história. Espera-se que esse número cresça devido à globalização, mas também a fatores como a crescente desigualdade, conflitos armados, perseguições políticas, mudanças na demografia, problemas climáticos e crises econômicas.
Muitas vezes a travessia para outro destino é feita de forma perigosa e representa risco de vida e violação de direitos humanos. Segundo dados da OIM, quase 3.400 migrantes e refugiados perderam suas vidas em todo o mundo em 2018. A maioria morreu tentando chegar à Europa pelo mar; muitos outros morreram tentando cruzar desertos ou passar por florestas.
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