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Coronavírus - Qual é a relação entre o meio ambiente e pandemias de vírus

Derretimento de calotas polares é seis vezes maior do que nos anos 1990, ocasionando mais icebergs no oceano  - Liu Shiping/Xinhua
Derretimento de calotas polares é seis vezes maior do que nos anos 1990, ocasionando mais icebergs no oceano Imagem: Liu Shiping/Xinhua

Carolina Cunha

Colaboração para o UOL

A pandemia do novo coronavírus, causador da doença Covid-19, alcançou centenas de países e obrigou a população a se isolar em suas casas. Segundo cientistas, a maior probabilidade é que o vírus Sars-Cov-2 tenha origem natural e não tenha sido feito em laboratório. Autoridades chinesas disseram que ele apareceu inicialmente na região de um mercado onde são vendidos animais (vivos e mortos) para o consumo humano, como morcegos, cobras e civetas.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a fonte primária do surto do coronavírus tem origem animal. Não se sabe qual bicho teria passado o vírus a humanos, mas estudos apontam que o vírus provavelmente infectou os morcegos, depois outra espécie de mamífero e por fim, chegou aos humanos, possivelmente pelo contato com partículas do animal como sangue ou fezes.

Um estudo publicado na revista Nature mostrou que o código genético do coronavírus que infecta humanos é 96% semelhante às variedades que circulam em populações de morcegos da China.

O que são vírus?

Os vírus são microorganismos que possuem moléculas de DNA ou RNA. Quando estão fora do ambiente intracelular, são seres inertes e podem ficar dormentes por milênios. Mas eles não conseguem se reproduzir sozinhos. Para isso, precisam injetar o seu material genético em uma célula viva, criando cópias de si mesmo. Essa célula viva pode ser de qualquer ser vivo como um animal, plantas e até bactérias.

Vivemos em uma "nuvem" de vírus que não conhece fronteiras. Existem centenas de milhares de vírus, classificados em diversas famílias. Eles são encontrados em todas as esferas do meio ambiente e estão presentes em animais, nas plantas, no solo, no ar e na água. Muitos são altamente resistentes e capazes de sobreviver em condições extremas e temperaturas muito baixas ou altas.

Ao infectar uma célula, os vírus são capazes de se replicar de forma muito rápida e podem causar diferentes quadros de doenças infecciosas em seres vivos como a dengue, a aids, o ebola, a hepatite, a varíola, entre outros.

Também existem vírus que são quase inofensivos e não representam riscos aos seres humanos. Tanto que carregamos genomas virais (ocorridas de infecções a milhares de anos) como parte do nosso próprio genoma.

Como os vírus são transmitidos?

Existem diversos mecanismos de transmissão. Alguns vírus precisam de um hospedeiro intermediário para infectarem outros animais. Por exemplo, os vírus da febre amarela, da zika e da dengue usam espécies de mosquitos como vetores, como o Aedes aegypti, que picam os humanos. Outros, são transmitidos de pessoa para pessoa, por partículas no ar e ainda pelo contato com secreções do doente.

A melhor forma de enfrentar um vírus é desenvolver uma vacina específica. No entanto, os vírus podem sofrer mutações em seu material genético. Ao se reproduzirem, o DNA duplicado pode sair diferente do original. É por esse motivo que, mesmo se criando uma vacina, novos vírus com códigos genéticos que sofreram mutação podem surgir e se tornarem mais resistentes a sistemas imunológicos e medicamentos já criados ou ainda, criar uma adaptação que o permita pular de uma espécie para outra.

No passado, doenças provocadas por vírus causaram epidemias e mortes em massa. Em 1918, a gripe espanhola atingiu o mundo de forma violenta e foi a responsável por cerca de 40 milhões a 50 milhões de mortes, o que representa cerca de 5% da população mundial da época. A gripe asiática (1957) e a gripo de Hong Kong (1968) causaram cerca de 1 milhão de óbitos cada uma.

Como surge um novo vírus?

Não é possível prever quando surgirá um novo patógeno que represente um grave risco para a saúde humana. No entanto, alguns fatores contribuem.

A convivência entre diferentes espécies de animais e o homem cria um ambiente favorável para o surgimento de novos vírus. Seres humanos e vírus têm coexistido ao longo da história. Mas o contato está cada vez mais próximo e de uma maneira anormal, devido ao crescimento populacional, a expansão de novas áreas para agricultura e habitação e o aumento da mobilidade das pessoas.

Em 2003, virologistas chineses identificaram a presença do vírus causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) em morcegos que viviam em cavernas. Na África, o contato com macacos originou o surto de ebola de 2015 no continente.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 75% das doenças emergentes e das doenças re-emergentes que irão afetar a saúde humana ao longo do século 21 serão de origem zoonótica (transmitida por animais para humanos). De acordo com o projeto de pesquisa norte-americano Global Virome, existem mais de 1,7 milhão de vírus não descobertos na vida selvagem. Quase metade deles pode ser prejudicial aos seres humanos.

A caça e o comércio ilegal de animais selvagens aumentam o risco de doenças. Elementos patogênicos podem ser transmitidos aos seres humanos durante sua captura, transporte ou abate, principalmente se forem realizados em condições sanitárias precárias ou sem equipamento de proteção.

Como a destruição ambiental aumenta a circulação de vírus

A destruição de florestas e habitats naturais para a expansão de zonas habitadas expõe os seres humanos a novos vírus desconhecidos, que antes estavam isolados na natureza. Ao desmatar uma área e acabar com sua fauna e flora, aumenta-se a possibilidade de contaminação, pois "liberamos" os vírus de seus hospedeiros naturais.

O aumento da demanda de carne para consumo é outro fator de risco. Na China, o hábito cultural de consumir animais selvagens aumenta o contato com novos micro-organismos. Acredita-se que a variedade responsável pela SARS, que infectou mais de 8 mil pessoas entre 2002 e 2003, tenha sido contraída pelo consumo de civetas.

É comum, em diversos países, a existência de mercados que vendem animais selvagens e sem medidas sanitárias. As pessoas têm contato com a flora microbial dos animais ao compra-los e também durante o transporte, abate, preparo e consumo. Nesse ambiente, os vírus podem se combinar e sofrer mutações.

A criação de animais confinados representa um outro risco. Por exemplo, o vírus da gripe aviária H5N1 é letal para as aves, que sofrem com doenças respiratórias graves. Em criadouros, especialmente com animais confinados aos milhares, a H5N1 pode se espalhar rapidamente. O confinamento de animais também contribui para a mistura de diferentes vírus e a possibilidade de mutações. Para evitar a proliferação de doenças, os criadores precisam monitorar os animais, adotar a vacinação e medidas sanitárias.

No entanto, os animais silvestres não são os vilões. Eles são importantes no equilíbrio de qualquer ecossistema. Os morcegos, por exemplo, são essenciais para dispersar sementes e polinizar frutas, além de controlarem populações de insetos. Segundo ecologistas, a medida mais importante para evitar zoonoses é proibir o comércio de animais selvagens.

O rápido crescimento populacional também pressiona o meio ambiente. Nas cidades, a aglomeração urbana facilita a transmissão. Países e cidades com população grande tendem a espalhar uma epidemia mais rápido. E a globalização aumentou a circulação de pessoas e fez com que o homem levasse diferentes tipos de vírus aos quatro cantos do planeta, de uma forma muito rápida.

Em regiões urbanas, a falta de infraestrutura de saneamento básico também pode espalhar doenças. Existem vírus presentes em água sem tratamento, que podem causar doenças como gastroenterites ou hepatites. Para esses casos, o sistema de esgoto possui um papel fundamental no controle da disseminação e do risco de transmissão.

Mudanças climáticas e derretimento do gelo

O impacto das mudanças climáticas no clima global representa um novo desafio para a saúde pública. As mudanças de temperatura e clima representam um potencial para a evolução de novos vírus, que sofrerão mutações genéticas para se adaptar às condições ambientais. Alguns animais também vão migrar, em busca de locais mais frios. Além disso, mudanças no clima global podem determinar as interações das espécies com seus hospedeiros e com os vírus. Um clima mais quente e mais variável pode favorecer a epidemia do Zika vírus, por exemplo. O calor aumenta a proliferação de mosquitos transmissores de doenças infecciosas para áreas onde eles ainda não existiam.

A crise climática provoca o derretimento dos gelos glaciais, que existiram por milhares de anos, em regiões como o Ártico e a Antártida. O degelo do solo pode trazer à tona antigas doenças e liberar vírus e bactérias ancestrais, que, depois de ficarem tanto tempo dormentes ou "arquivados", voltam à vida caso encontrem um hospedeiro. Assim, doenças do passado podem ser liberadas de uma hora para outra e trazer novos riscos para os seres humanos.

Em janeiro de 2020, 28 grupos de vírus desconhecidos foram encontrados por cientistas chineses e americanos em geleiras no Tibete. Na tundra do Alasca, cientistas descobriram fragmentos de RNA da gripe espanhola de 1918 em corpos enterrados em valas comuns. E num estudo de 2014, uma equipe de pesquisadores descobriu dois vírus que estavam no permafrost da Sibéria por 30 mil anos - os vírus Pithovirus sibericum e Pollivirus sibericum, que infectam amebas.

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