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Auxílio emergencial - Como ajuda do governo revela a existência de brasileiros "invisíveis"

Quase dois meses após o início do cadastramento, 107 milhões de brasileiros pediram o auxílio emergencial, diz a Caixa - André Ricardo/Enquadrar/Estadão Conteúdo
Quase dois meses após o início do cadastramento, 107 milhões de brasileiros pediram o auxílio emergencial, diz a Caixa Imagem: André Ricardo/Enquadrar/Estadão Conteúdo

Carolina Cunha

Colaboração para o UOL

Em decorrência da pandemia do novo coronavírus, foram implantadas medidas de isolamento social e fechados temporariamente serviços e atividades comerciais nos centros urbanos. Muitos comércios fecharam as portas. Como consequência, parte da população brasileira teve uma queda brusca na renda ou ficou sem emprego.

Segundo dados recentes do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em março e abril de 2020, o Brasil perdeu mais de 1 milhão de empregos formais por causa da pandemia. Quem ficou sem a carteira de trabalho assinada pode pedir o seguro-desemprego, para ter uma assistência financeira temporária.

Mas existe uma camada da população que ficou sem renda e sem proteção social: os trabalhadores que não têm carteira assinada, autônomos e desempregados.

A taxa de informalidade no Brasil é um pouco acima dos 40% do total de empregados. Em 2019 e no início de 2020, eram mais de 38 milhões de pessoas trabalhando sem registro ou por conta própria, mas sem CNPJ. O maior problema dos trabalhadores informais é ficar sem acesso à rede de proteção social que os empregados formais têm.

O que é a lei 13.982/2020?

Para proteger essa população vulnerável, o governo federal criou a lei 13.982/2020, que prevê um auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 pago por três meses aos atingidos pela crise. Quem gerencia o processo é o Ministério da Cidadania. O benefício foi apelidado de "coronavoucher" pelo próprio governo e busca garantir alguma renda a quem não tem rendimentos fixos e, em geral, não contribui para a previdência.

O valor é destinado a trabalhadores informais, trabalhadores intermitentes inativos, desempregados e microempreendedores individuais (MEIs) com mais de 18 anos. O auxílio emergencial também estabelece limites de renda e os beneficiários devem estar enquadrados nas regras do Cadastro Único (CadÚnico).

O CadÚnico é usado pelo governo federal para incluir pessoas em programas sociais voltados ao combate à pobreza, como o Programa Bolsa Família e o Programa Minha Casa, Minha Vida. O sistema aceita as famílias que ganham até meio salário mínimo por pessoa (R$ 522,50) ou que ganham até três salários mínimos de renda familiar total (R$ 3.135,00).

Quem recebe Bolsa Família pode escolher entre continuar com ele ou optar pelo auxílio emergencial (não será permitido acumular os dois). O beneficiário do auxílio emergencial também não pode ter recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 em 2018.

A mulher que for mãe e chefe de família, e estiver dentro dos demais critérios, poderá receber R$ 1,2 mil (duas cotas) por mês. Quem ainda não está no CadÚnico, mas se enquadra nos critérios, também poderá receber o benefício.

Como o auxílio revela a informalidade do emprego

A grande procura pelo auxílio emergencial surpreendeu o governo. A Caixa Econômica realiza a operacionalização do repasse da renda e indicou que o auxílio deveria ser solicitado pelo site do banco ou pelo aplicativo Caixa Auxílio Emergencial. Mas a Caixa não suportou a alta demanda das primeiras semanas, e longas filas se formaram em suas agências no país inteiro.

Inicialmente, o auxílio emergencial previa alcançar de 15 a 20 milhões de brasileiros, entre os informais e beneficiários do Bolsa Família. Porém, o número de brasileiros aptos a participar do programa é bem maior. Os dados refletem a grande informalidade e precariedade do emprego no Brasil.

Em dois meses, de abril a maio, 107 milhões de pessoas pediram auxílio emergencial. Dos 107 milhões de pedidos, 59 milhões tiveram o benefício aprovado e 42,2 milhões foram considerados inelegíveis — quando o cidadão não cumpre os critérios estabelecidos.

Para receber o auxílio emergencial, é preciso ter conta em banco e CPF ativo. E para avaliar se o pedido se enquadra nos critérios estabelecidos, a Dataprev, empresa estatal de tecnologia, verifica as informações em 17 bases de dados governamentais.

A Dataprev avaliou que mais de 95 milhões de pessoas poderiam ter direito ao auxílio. O número considera os 50,05 milhões de CPFs elegíveis e os membros das suas famílias. Mas fazer o recurso chegar a quem mais precisa é um desafio.

Os "invisíveis" para o governo

O "coronavoucher" representa uma questão de sobrevivência para muitas pessoas. No entanto, muitos não conseguiram o benefício pelo fato de não estarem nos cadastros do governo, e são pessoas em situação de vulnerabilidade. Esse grupo está sendo chamado de "os invisíveis" do CadÚnico.

Os não inscritos no CadÚnico constituem a parcela da população sobre a qual o governo não tem informações suficientes para verificar a elegibilidade para o auxílio. Isso significa que provavelmente eles não estão inclusos em nenhum sistema de proteção social e não são visíveis para o poder público.

Pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimam que cerca de 10,9 milhões de trabalhadores elegíveis ao auxílio emergencial estão fora do CadÚnico.

A imprensa noticiou que grupos em extrema pobreza e em condição de insegurança alimentar não receberam o auxílio e estão recorrendo a cestas básicas doadas por prefeituras ou por doações de campanhas da sociedade civil e instituições. Casos assim são um sintoma de que o benefício não está chegando a todos ou que ele não é suficiente.

Segundo pesquisa do Data Favela divulgada em abril, 34% das famílias de comunidades pelo Brasil perderam toda a renda por causa do coronavírus e quase 40% contam com menos da metade da renda que tinham antes. Por isso, 65% dos moradores de comunidade pediram o auxílio emergencial. Desses, 39% não receberam o benefício.

Os motivos para os "invisíveis" não serem rastreados e não terem acesso ao benefício são os mais diversos: falta de informação; endereço CEP compartilhado com diferentes pessoas; falta de celular, de conta em banco e de documentação (como o CPF ativo); analfabetismo ou dificuldades de acesso à internet. E quem está fora da base pode não receber ou demorar mais tempo até conseguir o dinheiro — o que torna a sua situação ainda mais vulnerável.

A burocracia para o pagamento do auxílio tem sido alvo de críticas de especialistas. Por exemplo, no início, pessoas sem CPF não poderiam fazer o pedido do auxílio. Já a falta do CPF dos dependentes impedia o cidadão de comprovar ser chefe de família e finalizar a solicitação.

O governo busca maneiras de incluir os "invisíveis" no auxílio emergencial. Para quem não tem conta em banco, a Caixa Econômica Federal prometeu criar 30 milhões de poupanças digitais, movimentadas por aplicativo. Para quem não tem internet, as agências poderão receber o cadastro. Para quem não tem RG, o sistema começou a aceitar outros tipos de documentos.

Em muitas cidades, é a própria sociedade civil quem está apoiando o processo de cadastramento. Por exemplo, ONGs e associações comunitárias estão acompanhando o pedido do benefício de pessoas sem internet ou conta em banco.

Fraudes e ilegalidades

A concessão do auxílio emergencial também gerou uma série de problemas relacionados a pagamentos indevidos. O Tribunal de Contas da União (TCU) suspeita que 6 milhões de pessoas possam ter recebido auxílio do governo sem ter direito — o número representa cerca de 10% de todas as pessoas que se beneficiaram da primeira parcela do auxílio.

A imprensa noticiou diversos casos indevidos, como a liberação do dinheiro para grupos de foragidos da justiça, esposas de empresários, militares das Forças Armadas, servidores públicos aposentados, pessoas que moram fora do Brasil e jovens de famílias de alta renda que não trabalham. Em alguns casos, fraudadores estão usando o CPF de terceiros para fazer o cadastramento no programa e obter recursos indevidamente.

O benefício deve ser continuado?

A crise econômica tende a acentuar a desigualdade social no Brasil. Políticos discutem a possibilidade de manter os repasses mesmo depois da crise do coronavírus. Diversas propostas de transferência de renda aos mais pobres circulam no Congresso. A ideia é que essas medidas possam reduzir a pobreza no país.

O maior problema é orçamentário. Diversos economistas e instituições estimam a despesa total com o programa de auxílio emergencial em 2020. Atualmente, com 59 milhões de beneficiados, cada parcela do auxílio emergencial custa aos cofres públicos cerca de R$ 48 bilhões. Para elevar gastos do orçamento de forma contínua, o governo teria de ampliar receitas e conter despesas.

Em nota técnica, a Instituição Fiscal Independente (IFI) estima em R$ 154,4 bilhões os gastos do governo federal para pagar o auxílio emergencial a 79,9 milhões de brasileiros, durante três meses (abril, maio e junho). O cenário considera que a procura pelo auxílio vai aumentar por causa do agravamento da crise e da desaceleração econômica.

O governo federal prevê que, com a continuidade da pandemia, o benefício deva ser prorrogado. A proposta é de que o pagamento seja estendido até o fim do ano de 2020. Já no início de junho, o ministro Paulo Guedes (Economia) confirmou que o governo pagará mais duas parcelas do auxílio emergencial a trabalhadores. No entanto, o valor de cada parcela provavelmente será reduzido para R$ 300,00.

Paulo Guedes também anunciou que, após a pandemia, pretende criar um programa de renda mínima permanente, que seria batizado de Renda Brasil. De acordo com o ministro, haverá a unificação de vários programas sociais para a criação do projeto. "Aprendemos durante toda essa crise que havia 38 milhões de brasileiros invisíveis e que também merecem ser incluídos no mercado de trabalho", disse o ministro, durante reunião ministerial coordenada pelo presidente Jair Bolsonaro.

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