Tensão no MS - Os dilemas da política do bom selvagem
Conflitos entre índios e fazendeiros tornaram-se mais frequentes nas últimas semanas em diversas regiões do país, expondo uma crise da política indigenista brasileira. No episódio mais dramático, índio foi morto durante uma operação policial no Mato Grosso do Sul.
Oziel Gabriel, 35 anos, foi baleado em confronto com policiais militares e federais em Sidrolândia (MS), no dia 30 de maio. Ele estava acompanhado dos dois filhos quando tentou se proteger dos agentes, que cumpriam uma ordem judicial de reintegração de posse na fazenda Buriti.
A propriedade foi invadida por 1.600 indígenas da etnia terena em 15 de maio. O objetivo é pressionar o governo para conseguir uma área de 17,3 mil hectares, cujo processo de demarcação se arrasta desde 2000.
Os terenas constituem a quinta maior etnia indígena do país, com 29 mil nativos. Historicamente, essas tribos sempre buscaram a integração com o homem branco.
Pelo menos outras cinco fazendas da região foram ocupadas, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio). Em algumas propriedades, imóveis foram incendiados e os produtores, expulsos.
A morte do indígena gerou mais revolta e protestos nas aldeias e em meio a defensores da causa. Ocorreram mais ocupações e aumentou a tensão entre os terenas e produtores rurais na região. Um primo de Oziel sofreu um atentado em uma das fazendas ocupadas. Em resposta, o governo enviou à cidade soldados da Força Nacional, para manter a segurança.
O Mato Grosso do Sul concentra hoje a maioria dos casos de assassinatos de índios no país. Segundo um levantamento do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), 319 das 564 mortes registradas nos últimos dez anos aconteceram nesse Estado (57%). De 61 índios mortos no ano passado, 37 foram assassinados na região. Os crimes estão ligados, de acordo com o órgão, a disputa por terras.
Segundo o IBGE, o Estado possui a segunda maior população indígena do Brasil, com 77.025 mil índios (8,6% do total, 896.917 mil), atrás apenas do Amazonas (183.514 mil).
Demarcações
A tensão no Mato Grosso reflete um crescimento no número de conflitos em todo o país, incluindo em Estados da região sul (Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul), e nas zonas urbanas de São Paulo e Rio de Janeiro.
Tal quadro parece contraditório com os resultados apresentados pela Funai: nos últimos 30 anos, o número de áreas demarcadas aumentou seis vezes, correspondendo, hoje, a 13% do território brasileiro (quase o dobro do destinado à agricultura, de 7%). A área total é de 110 milhões de hectares, onde vivem cerca de 530 mil índios na área rural.
A política de demarcação visa corrigir injustiças históricas cometidas contra as comunidades indígenas ao longo dos séculos, massacradas pelo processo de colonização.
O problema é que a mera demarcação de áreas não foi acompanhada de melhorias na vida dos índios. Muitos vivem em condições de miséria, sem acesso a direitos como saúde, educação e saneamento básico.
Além disso, a expropriação os colocou em atrito com fazendeiros e o setor agropecuarista. Em alguns casos, pequenos agricultores são obrigados a deixar suas propriedades sem qualquer ressarcimento do governo, pois a desapropriações só indenizam eventuais benfeitorias feitas na terra.
Para os críticos, a política indigenista atual possui um matiz ideológico, que não consegue acomodar as necessidades dos índios com o desenvolvimento econômico do país na agricultura.
Somente no Mato Grosso do Sul, Estado que provê 11% da produção agrícola do pais, há 65 fazendas invadidas em 20 cidades, segundo a Sociedade Rural Brasileira (SRB). As ocupações prejudicam tanto os negócios quanto a economia brasileira.
Falsos índios
Há também ocupações em cinco usinas em construção no Pará e três no Mato Grosso, todas localizadas próximo a áreas indígenas. Entre elas, a de Belo Monte (Pará) e a de Teles Pires (Mato Grosso), cujas paralisações das obras, segundo o governo, impedem o fornecimento de energia para cidades e até a preservação do meio ambiente.
As expropriações indiscriminadas de terras criaram ainda um negócio paralelo que envolve fraudes. Para ser reconhecido como índio, basta uma declaração e um laudo antropológico encomendado pela Funai. Muitos se aproveitam dessa falta de rigor para, na condição de “índio”, pleitearem terras e outros benefícios do governo dados à minoria.
A crise atual, portanto, é resultado de políticas equivocadas do órgão responsável por cuidar dos índios, tanto que, após os conflitos no Mato Grosso do Sul, a presidente da Funai, Maria Azevedo, foi demitida. O governo também decidiu que as demarcações de terra, que antes eram feitas apenas pela Fundação, passassem a ser analisadas também por outros órgãos.
O debate a respeito das políticas indigenistas do país, entretanto, está só começando. Conflitos em curso, dizem os analistas, teriam menos a ver com o passado colonizador do país do que com uma visão distorcida dos índios como bons selvagens que querem apenas o direito à terra, e nada mais.
Fique Ligado
A questão indígena, evidentemente, atravessa a história do Brasil desde o descobrimento. É importante conhecer a realidade do índio brasileiro ontem e hoje, bem como compreender a dinâmica do relacionamento entre as civilizações. Como complemento, vale a pena rever os episódios de nossa história ligada ao banderismo e a expansão territorial, lembrando que continua sendo a expansão da civilização a origem dos conflitos com indígenas.
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Direto ao ponto
A morte de um índio no Mato Grosso do Sul aumentou a tensão entre indígenas e fazendeiros da região, além de expor uma crise da política indigenista do país e da Funai (Fundação Nacional do Índio), órgão responsável por garantir os direitos dos povos indígenas.
O índio Oziel Gabriel, 35 anos, foi morto em confronto com policiais militares e federais em Sidrolândia (MS), no dia 30 de maio, durante uma operação de reintegração de posse. A propriedade foi invadida por 1.600 indígenas da etnia terena em 15 de maio. Os índios reivindicam uma área de 17,3 mil hectares.
Pelo menos outras cinco fazendas da região foram ocupadas, segundo a Funai. Em algumas, imóveis foram incendiados e os produtores, expulsos. O Mato Grosso do Sul concentra hoje a maioria dos casos de assassinatos de índios no país.
A tensão no Estado reflete um aumento de conflitos em todo o país. Nos últimos 30 anos, o número de áreas demarcadas aumentou seis vezes, correspondendo, hoje, a 13% do território brasileiro (quase o dobro do destinado à agricultura, de 7%). O problema é que a mera demarcação de áreas não foi acompanhada de melhorias na vida dos índios, e ainda aumentou a atrito com fazendeiros, afetando o agronegócio. |
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