Representação do negro na TV - antigos estereótipos e busca de contextos positivos
A TV no Brasil existe desde os anos 1950, mas apesar de tanto tempo no ar, os negros (metade da população brasileira) ainda são coadjuvantes quando falamos em telenovelas, séries, propagandas, programas de entretenimento, entre outros produtos, produzidos pela TV brasileira.
No caso das novelas, boa parte dos personagens negros aparece em papéis que reforçam estereótipos tradicionais como o negro que gosta de samba, mora na favela ou em bairros periféricos, atua num núcleo violento ou onde há criminalidade, ou ocupa cargos como porteiros, motoristas, secretários ou empregadas domésticas. Muito raramente associa-se um negro com algum papel de destaque ou protagonista.
No livro "A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira" (2001), o autor Joel Zito Araújo cita elementos ouvidos de entrevistados que avaliaram como os meios de comunicação de massa representam negros e afro-brasileiros na televisão.
Os principais pontos de crítica foram que 1) os negros são representados através de estereótipos negativos; 2) existe uma total invisibilidade da ação positiva dos negros; 3) a cultura negra é vista como folclore, e não como parte da cultura popular e da constituição do imaginário e das preferências do povo brasileiro; 4) o negro como elemento de diversão para os brancos, e não para si mesmo e seu grupo étnico; e 5) a apresentação do negro como pobre e favelado está na estrutura rotineira dos noticiários.
A lógica se repete em séries televisivas, no cinema nacional, na literatura, publicidade e outras áreas da mídia. A constatação de sociólogos e outros estudiosos sobre o tema é que, na TV, o principal veículo de comunicação de massa do Brasil, a falta de representatividade do negro [ou seja, a sua participação neste meio] influencia ativamente na constituição da identidade desta população e na forma como ela é vista pelos demais.
A televisão não é o espaço da narrativa do real, mas da construção do real. Dessa forma, esse modelo de identidade negra que a teledramaturgia brasileira difunde acaba alimentando um imaginário de exclusão e reforça estereótipos sobre o negro na sociedade brasileira.
Como avalia a professora de antropologia da ECA-USP Solange Martins Couceiro de Lima, no artigo "A personagem negra na telenovela brasileira: alguns momentos" (Revista USP, 2001), “a telenovela é, pois, a narrativa que veicula representações da sociedade brasileira, nela são atualizadas crenças e valores que constituem o imaginário dessa sociedade. Ao persistir retratando o negro como subalterno, a telenovela traz, para o mundo da ficção, um aspecto da realidade da situação social da pessoa negra, mas também revela um imaginário, um universo simbólico que não modernizou as relações interétnicas na nossa sociedade”.
Se pensarmos nas séries televisivas dos EUA, onde as telenovelas não ocupam horário nobre, podemos elencar rapidamente pelo menos dez programas com a presença de atores negros em papéis de destaque e até mesmo protagonistas. Isso sem contar os autores negros.
Desde a década de 1960, início das telenovelas brasileiras, a participação de atores e atrizes negras evolui pouco. Nos anos 1960, os negros somente atuavam interpretando afro-brasileiros em situações de total subalternidade, sendo a mulher constantemente colocada no papel de escrava ou empregada. Nessa época, as telenovelas procuravam confirmar o mito da democracia racial brasileira e da convivência pacífica entre as raças. Os galãs e mocinhas frequentemente eram brancos e loiros.
Na década seguinte, os anos 1970, as novelas tinham como foco mostrar os conflitos e dramas dos brasileiros na luta pela ascensão social, na década do milagre econômico. Foi apenas nos anos 1990 que uma atriz negra (Taís Araújo) desempenhou o papel-título em uma telenovela, Xica da Silva. Em 2004, a mesma atriz protagonizou Da cor do pecado, da Rede Globo, sendo a primeira protagonista negra da história das novelas da emissora.
Devido ao alcance de público, as telenovelas e séries, bem como as propagandas, são responsáveis por elaborar e propagar modelos de identidade que serão referência para o espectador. Por isso, é necessário que haja uma igualdade racial e papéis de atores e atrizes em contextos mais positivos.
Série com negras protagonistas estreou sob denúncias de racismo
Em 2014, a estreia da série Sexo e as Negas, na TV Globo, protagonizada pela primeira vez por quatro atrizes negras, foi cercada de muita polêmica. Antes mesmo da estreia, o nome da atração já havia gerado mais de dez denúncias de racismo na Seppir (Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial).
Tendo como inspiração a série norte-americana Sex and the City, a série foi protagonizada por quatro amigas negras moradoras da Cidade Alta de Cordovil, no Rio. Além de mostrar o dia a dia de trabalho, a série apresentava também as desavenças sexuais e amorosas das personagens.
Diversos grupos da comunidade negra repudiaram a série, acusada de “reproduzir estereótipos racistas e machistas” sobre a mulher negra e mostrar mais uma vez o negro como morador de subúrbios ou favelas. O diretor e criador da série, Miguel Falabella, explicou que o nome surgiu durante um encontro na própria comunidade de Cordovil, onde uma negra sugeriu o nome com a palavra ‘nega’ “substituindo o S do artigo pelo R, como é usual no falar carioca”, disse o autor em nota.
Segundo ele, a ideia era “um programa que refletisse um pouco a dura vida daquelas pessoas, além de empregar e trazer para o protagonismo mais atores negros”. “Qual é o problema, afinal? É o sexo? São as negas? As negas, volto a explicar, é uma questão de prosódia. Os baianos arrastam a língua e dizem meu nego, os cariocas arrastam a língua e devoram os S. Se é o sexo, por que as americanas brancas têm direito ao sexo e as negras não? Que caretice é essa?”, questionou ele.
Nesta discussão, cabem diferentes argumentos de ambos os lados. Do lado do programa, tem-se aí uma série na principal emissora do país com quatro protagonistas negras, vivendo em uma região periférica, mas que não se veem como vítimas. É um retrato de um determinado tipo de mulher -- negra ou branca -- que existe na vida real.
O fato do tema da série ser sexo levanta uma questão: quando falamos de Sex and the City e suas protagonistas classe média alta, tudo bem falar de sexo, mas quando envolve personagens negras, por que isso seria uma razão para diminuir a raça? Não estaríamos impedido a mulher negra de também ser vista e de vivenciar seus desejos, vontades e fantasias?
Do lado dos críticos do programa, tem-se o argumento de que, devido à falta de representatividade do negro, colocar um programa logo com esse tema poderia estigmatizar ainda mais a sua imagem já que as personagens repetem o já visto: moram em lugares e ocupam cargos considerados inferiores, destinados a quem tem pouca formação educacional.
Apesar das denúncias, a primeira temporada da série foi ao ar sem restrições, dividindo a audiência. No entanto, a emissora não renovou a série para uma segunda temporada.
Quem é o negro no Brasil?
Definir quem é negro não é uma tarefa tão fácil. No Brasil, a atual classificação adotada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é usada como oficial. Esta classificação tem como diretriz, essencialmente, o fato da coleta de dados basear-se na autodeclaração, ou seja, a pessoa escolhe, entre cinco itens (branco, preto, pardo, amarelo e indígena) qual deles se considera.
Somadas, as populações que se autodeclaram preta e parda formam a população negra do país. De acordo com os dados da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílios) 2013, a população negra do país passou de 48,1% em 2004 para 53% em 2013.
Em dez anos, a população autodeclarada preta no país cresceu 2,1 pontos percentuais, passando de 5,9% do total de brasileiros em 2004 para 8% em 2013. O mesmo aconteceu com o número de pessoas autodeclaradas pardas.
Muitos negros são chamados de afrodescendentes (ou afro-brasileiros) devido à ascendência africana. No entanto, essa não é uma exclusividade dos negros. Muitos brasileiros aparentemente brancos são parcialmente descendentes de africanos, assim como muitos negros são parcialmente descendentes de europeus.
Projeto de lei propõe cota de mídia
A televisão é uma formadora de opinião, e as propagandas são consideradas espelhos para os telespectadores. Na publicidade veiculada na TV, a lógica da representação dos negros é a mesma das telenovelas, embora nos últimos anos, mais atores negros estejam aparecendo em comerciais.
Para esta área, o projeto de Lei nº 4370/98, em tramitação no Congresso Nacional, determina que uma porcentagem mínima de negros que deve atuar na publicidade, indicando uma preocupação em tornar possível a efetiva inserção do negro nos diversos espaços de atuação da sociedade.
O texto obriga a presença mínima de 25% de afrodescendentes entre os atores e figurantes dos programas de televisão -- extensiva aos elencos de peças de teatro -- e de 40% nas peças publicitárias apresentadas nas tevês e nos cinemas.
A inserção de mais atores e atrizes negras com papéis de destaque em novelas e propagandas não resolverá as questões raciais da sociedade brasileira. O que se espera disso é uma contribuição para o debate e esclarecimento. No entanto, o fato de a inserção de negros na propaganda na TV ser imposta por lei (caso o projeto seja aprovado) já revela muito sobre como nós tratamos essa questão.
DIRETO AO PONTO
Apesar do tempo que separa a abolição da escravatura no Brasil dos dias atuais, os negros (metade da população brasileira) e afrodescendentes ainda são coadjuvantes quando falamos em telenovelas, séries, propagandas, programas de entretenimento, entre outros produtos, produzidos pela TV brasileira.
A constatação de sociólogos e outros estudiosos sobre o tema é que, na TV, o principal veículo de comunicação de massa do Brasil, a falta de representatividade [ou seja, sua participação] do negro influencia ativamente na constituição da identidade desta população e na forma como ela é vista pelos demais.
Em 2014, a estreia da série Sexo e as Negas, na TV Globo, protagonizada pela primeira vez por quatro atrizes negras, foi cercada de muita polêmica. Antes mesmo da estreia, o nome da atração já havia gerado mais de dez denúncias de racismo na Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial (Seppir), acusada de “reproduzir estereótipos racistas e machistas” sobre a mulher negra.
Devido ao alcance de público, as telenovelas e séries, bem como as propagandas, são responsáveis por elaborar e propagar modelos identitários que serão referência para o espectador. Por isso, é necessário que haja uma equidade racial, no sentido de fazer com que a ideologia do branqueamento e o desejo de euro-norte-americanização não dominem a maior parte representativa da TV.
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