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Mitos - Um pé na fantasia, outro na compreensão do mundo

Deusa da beleza e do amor, a grega Afrodite - identificada à Vênus dos romanos - teria nascido das espumas das ondas do mar - Reprodução
Deusa da beleza e do amor, a grega Afrodite - identificada à Vênus dos romanos - teria nascido das espumas das ondas do mar Imagem: Reprodução

Carolina Cunha

Da Novelo Comunicação

No início do mundo, os deuses eram ligados às grandes forças da natureza. No princípio havia o Caos (Universo). Terra (Gaia) surgiu a partir do Caos. Da união da Terra e do Céu (Urano) foram gerados os 12 Titãs que reinavam absolutos até serem derrotados pelos deuses que moravam no Olimpo, a mais alta montanha da Grécia. Os deuses olímpicos passaram a governar o mundo e a decidir o destino dos homens, tendo Zeus como o pai do panteão.

Direto ao ponto: Ficha-resumo

A genealogia (história sobre a geração dos seres e das coisas) dos deuses gregos faz parte dos diversos mitos que envolvem a origem da criação da vida. Mitos são narrativas que trazem pretensos acontecimentos relativos a épocas ou tempos com origem primordiais, ocorridos antes do surgimento dos homens (história dos deuses) ou com os “primeiros” homens (história ancestral).

A palavra “mito” vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: mytheyo (contar, narrar para o outro) e mytheo (conversar, anunciar, nomear). Em sua essência, mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa, uma fala que foi ouvida e repetida e faz parte da cultura de um povo. Pode ser associada à ficção, a lenda ou a imaginação. Mas mitos não são simples histórias. Para alguns autores, as narrativas mitológicas e seus mais variados temas são verdadeiros instrumentos para a compreensão do mundo.

Em seu livro ”Convite à Filosofia”, a filósofa Marilena Chauí elenca três elementos usados pelo mito para narrar a origem do mundo e de tudo que nele existe. O primeiro é encontrando o pai e a mãe das coisas e dos seres. As relações entre forças divinas e pessoais geram deuses, titãs, humanos, plantas, animais, entre outros. 

O segundo é encontrar uma rivalidade ou uma aliança entre os deuses que faz surgir alguma coisa no mundo. Nesse caso, o mito narra ou uma guerra entre as forças divinas, ou uma aliança entre elas para provocar alguma coisa no mundo dos homens. Um bom exemplo é a Ilíada, de Homero, que narra a Guerra de Troia. Por fim, o terceiro elemento é encontrar recompensas ou castigos que os deuses dão a que os obedece ou desafia.

Todos os povos do planeta possuem seus mitos. As mitologias que mais influenciaram a cultura ocidental foram a grega e a romana. A partir do século 2 a.C os romanos incorporaram os deuses e mitos gregos, dando novos nomes a eles. Zeus ficou conhecido pelos romanos como Júpiter, possuindo as mesmas características e atributos da mitologia grega.

Apesar das versões diferentes para as mesmas histórias, grande parte do que conhecemos hoje da mitologia grega foi compilada pelos poetas gregos Hesíodo (século 8 a.C.) e Homero, que além da Ilíada escreveu outra importante obra, Odisseia, ambas nos últimos anos do século 9 a.C.

Na Antiguidade Clássica, os mitos gregos traziam figuras heroicas e fantásticas que eram imortais ou tinham status de divindades, mas que também possuíam defeitos e virtudes humanas. Afrodite, a deusa do amor, da beleza e da fertilidade, é vaidosa e vingativa. Poseidon, senhor dos mares, quando ficava irritado produzia maremotos e inundações com seu poderoso tridente. 

Mito ou história?

Os mitos influenciaram o cotidiano dos povos helênicos e se misturaram à sua história. Enquanto o mito é considerado uma fantasia, a história é tida como um relato verdadeiro.

Os gregos são vistos como os pais da história. O estudioso Moses Finley diz que “a atmosfera na qual os pais da História começaram a trabalhar estava impregnada de mitos. Sem o mito, na verdade, eles nunca teriam conseguido iniciar seu trabalho”.

O francês Paul Veyne já era um historiador bastante conhecido quando escreveu em 1983 o livro “Os gregos acreditavam em seus mitos?”, obra que foi relançada este ano pela editora Unesp.

Veyne avaliou textos de vários autores gregos e romanos, do período clássico até a Antiguidade, incluindo poetas, dramaturgos, filósofos e historiadores, que buscavam definir uma fronteira entre mito e realidade. A partir do exemplo da crença dos gregos em seus mitos, o autor se propôs a estudar se os gregos acreditavam de verdade nos relatos de heróis e deuses.

O mito era considerado uma história falseada com um “fundo de verdade” a partir de eventos históricos genuínos. Um exemplo é a lenda de Teseu, o grande herói da cidade de Atenas. Teseu teria sido ajudado por Ariadne, filha do rei Minos, a escapar do labirinto do Minotauro na ilha de Creta. Para o historiador grego Pausânias (115 a.C.- 180 d.C.), o herói foi baseado em fatos reais. Teseu na realidade seria um rei que conquistou o trono após a morte de Menesteu (rei de Atenas durante a Guerra de Troia).

Com o tempo, o relato transcendeu a realidade. Apesar de não existirem provas de sua existência histórica, soldados atenienses evocaram e afirmaram ter visto Teseu lutando à frente do exército grego na Batalha de Maratona, travada contra os persas em 490 a.C.

Veyne mostra que, assim como as crianças acreditam em Papai Noel mesmo sabendo que são seus pais que deixam os presentes para elas, os antigos gregos não achavam contraditório conciliar a verdade contida nos mitos com a verdade colocada pela história.

Embora o mito não esteja relacionado à verdade, isso não significa que não tenha valor. Para muitos estudiosos, o mito não se opõe à realidade, ele a reflete e também a potencializa. Para o mitólogo Joseph Campbell (1904-1987), Teseu, o herói que matou o Minotauro, veio para Creta do exterior como “um símbolo e agente da civilização grega em ascensão”.

O mito teria uma função social e o papel de mediar, simbolicamente, a relação entre o sagrado e o homem, uma narrativa que procura dar sentido ao mundo e às relações entre os seres. Para Campbell, os mitos antigos foram concebidos “para harmonizar mente e corpo. Eram meios de colocar o rumo da vida em acordo com o rumo da natureza”.

Na sociedade grega, o mito estava presente em todas as questões do comportamento social e psicológico. Ele foi base para a transmissão de virtudes e valores morais e de explicações sobre os fenômenos da natureza e da sociedade.

Para o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) os mitos trazem os arquétipos, conteúdos simbólicos do inconsciente coletivo que se repetem e são transmitidos ao longo das gerações, sendo preservador na era contemporânea.

O mito nos dias de hoje

Os mitos nunca deixaram de existir. No mundo de hoje, antigos e novos heróis mitológicos estão presentes em todo lugar: nos livros de fantasia, nos games, na publicidade, no cinema. Nos quadrinhos, super-heróis com características sobre-humanas como Batman, Homem de Ferro, Mulher Maravilha e o Super Homem surgiram no início do século 20 com novos desafios, captando desejos e paixões da sociedade atual e se tornaram parte da mitologia dos nossos dias. O antigo duelo entre bem e mal que vemos em filmes, telenovelas e livros, também resgata os elementos das narrativas mitológicas.

Sendo assim o mito pode ser visto não apenas como um a narrativa literária, mas também como uma intervenção da história sagrada no mundo, um dado ou um conjunto de informações que influenciam a realidade ao se incorporarem nos costumes, identidades, instituições e técnicas tradicionais de um povo. O mito revela o pensamento sobre uma sociedade e também tem uma função de registrar simbolicamente a memória de feitos narrados de geração a geração.

DIRETO AO PONTO


Ao longo das gerações, as narrativas mitológicas vêm sendo usadas para ajudar o homem a compreender melhor a história do surgimento dos seres e das coisas.

A palavra “mito” vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: mytheyo (contar, narrar para o outro) e mytheo (conversar, anunciar, nomear). Em sua essência, mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa, uma fala que foi ouvida e repetida e faz parte da cultura de um povo. Pode ser associada à ficção, a lenda ou a imaginação, o que não significa que não tenha valor. Para muitos estudiosos, o mito não se opõe à realidade, ele a reflete e também a potencializa.

O mito teria uma função social e o papel de mediar, simbolicamente, a relação entre o sagrado e o homem, uma narrativa que procura dar sentido ao mundo e às relações entre os seres. 

 

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