Topo

Atualidades

Espionagem no Oriente Médio - Assassinato de líder palestino cria impasse diplomático

José Renato Salatiel, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Serviços de espionagem atuam com absoluta discrição, a menos que algo saia errado. Parece ter sido esse o caso do assassinato do principal comandante militar do Hamas, Mahmoud al-Mabhouh, cometido supostamente por integrantes do Mossad, o serviço secreto israelense. A operação foi descoberta e trouxe consequências diplomáticas e políticas para Israel, além de expor os bastidores dos conflitos no Oriente Médio.

Direto ao ponto: Ficha-resumo

Mabhouh, 49 anos, foi encontrado morto no quarto 230 do luxuoso hotel Al Bustan Rotana, no centro de Dubai, no dia 20 de janeiro de 2010. Ele havia sido executado na noite anterior. Dubai é um dos sete emirados que compõem os Emirados Árabes. A cidade, conhecida pela arquitetura futurística, é bem policiada, e são raros os casos de homicídio.

A equipe de agentes foi flagrada pelo sistema de câmeras de vigilância seguindo o "alvo" pelos corredores e dependências do hotel. As imagens permitiram à polícia reconstruir uma trama de espionagem que parece ter saído de um dos romances de Ian Fleming, o criador do agente 007.

Segundo a polícia de Dubai, os assassinos entraram no país com identidades falsas. Eles seguiram o líder palestino - que havia chegado na tarde do dia 19, vindo da Síria - disfarçados como turistas (usavam, inclusive, perucas e barbas falsas). Os matadores se dividiram em cinco grupos: quatro responsáveis por vigiar - e o quinto, por executar o terrorista. Toda a operação durou apenas 19 horas.

Quatro agentes invadiram o quarto enquanto Mabhouh estava ausente. Eles então aguardaram o retorno da vítima, que ocorreu por volta das 20h30. Meia hora depois, mataram o palestino de forma a aparentar morte natural. Primeiro, paralisaram-no com choques elétricos e, depois, sufocaram-no, provavelmente usando um travesseiro. Após eliminar o alvo, o grupo deixou o país.

Quinze suspeitos do crime tiveram as fotos divulgadas pela polícia, entre eles uma mulher. O esquadrão completo seria composto por um total de 18 agentes, cuja base de operações estaria localizada na Áustria. Onze suspeitos foram incluídos na lista dos mais procurados pela Interpol. A polícia de Dubai acusou formalmente o Mossad pelo envolvimento na execução.
 

Inocentes

O crime causou um princípio de crise diplomática entre Israel e países da União Europeia (UE). A razão disso foi o uso de passaportes "clonados" de cidadãos europeus pelos espiões. Os agentes usavam documentos e cartões de crédito em nome de oito ingleses, cinco irlandeses, um francês e um alemão, todos radicados em Israel. O fato de morarem em Israel reforçou a tese de envolvimento do Mossad.

Inicialmente, a polícia acusou formalmente 11 europeus por envolvimento no caso. Isso, apesar de os verdadeiros donos das identidades terem feições diferentes dos espiões mostrados nos vídeos de segurança do hotel. Os europeus trabalham em profissões comuns e negaram qualquer ligação com os assassinos.

Os ministros de Relações Exteriores dos países da UE condenaram o uso de documentos falsos pelos criminosos. O primeiro-ministro inglês Gordon Brown determinou que o caso fosse investigado, e autoridades britânicas questionaram o Estado de Israel pela suposta participação no episódio.

O governo israelense, por sua vez, não confirmou a responsabilidade do Mossad pelo ataque e cobrou da polícia de Dubai a apresentação de provas. De acordo com os israelenses, a vítima estava em Dubai para comprar armamentos do Irã.
 

Acordos de paz

A morte em Dubai repercutiu na imprensa internacional e acarretou consequências políticas que poderão afetar o processo de paz no Oriente Médio. Mahmoud al-Mabhouh era um dos fundadores da facção armada do Hamas. Ele foi acusado de participar de vários ataques terroristas, incluindo o sequestro e a morte de dois soldados israelenses, e havia escapado de duas tentativas de assassinato - uma com carro-bomba e outra por envenenamento.

O Hamas é hoje o mais influente grupo islâmico palestino, considerado uma organização terrorista por Israel, Estados Unidos e União Europeia. O grupo não reconhece o Estado de Israel nem os acordos de paz firmados com a ANP (Autoridade Nacional Palestina). Ele foi criado em 1987, em Gaza, durante a Primeira Intifada - o levante palestino contra a ocupação de Israel.

Financiado por países árabes, o Hamas cometeu mais de 350 atentados terroristas desde 1993, de acordo com dados do Council of Foreign Relations. Os ataques levaram Israel a isolar os territórios ocupados na Cisjordânia e adotar a estratégia de assassinato dos líderes do grupo.

Em 2006, a organização venceu as eleições legislativas em Gaza contra o rival Fatah, principalmente por conta de uma política de assistencialismo à população pobre. Desde que passou a controlar a faixa de Gaza, Israel e os Estados Unidos impuseram embargos econômicos, ao passo que os militantes aumentaram as hostilidades contra israelenses na fronteira.

Em 27 de dezembro de 2008, Israel iniciou uma ofensiva contra a faixa de Gaza que deixou 1.300 palestinos mortos e o território destruído, segundo relatório da Comissão Internacional da Cruz Vermelha. Foi a maior operação militar na região em 40 anos.

O assassinato do líder palestino em Dubai emperra, agora, as negociações entre israelenses e palestinos. Líderes do Hamas culparam Israel pelo crime e prometeram vingança. O caso também repercutiu mal nos Emirados Árabes, que são aliados dos Estados Unidos. O motivo é que Dubai, assim como os demais emirados, sempre se mantiveram neutros nas guerras no Oriente Médio, diferente de países árabes que são inimigos declarados de Israel, como Irã, Síria, Líbano e Arábia Saudita.
 

Veneno

Se for comprovada a participação do Mossad na operação, não será a primeira vez que israelenses empregam tal método na história dos conflitos no Oriente Médio. O Mossad, cujo nome em hebraico é Instituto de Inteligência e Operações Especiais, é apontado como autor de dezenas de assassinatos de líderes de organizações palestinas desde os anos 1970.

O serviço de inteligência foi fundado em 1949, um ano após a criação do Estado de Israel. Ele ficou conhecido internacionalmente após a captura, em 1960, do nazista Karl Adolf Eichmann, na Argentina. Eichmann foi levado a Israel, julgado por crimes de guerra e condenado à morte (ver filme "Caçada a um Criminoso", indicado abaixo).

Em 1973, israelenses mataram por engano um garçom marroquino na Noruega. Ele foi confundido com um líder do Setembro Negro, grupo responsável pelo massacre de atletas da delegação de Israel nos Jogos Olímpicos de Munique (ver filme "Munique", indicado abaixo). Em 1997, dois agentes disfarçados de canadenses falharam na tentativa de envenenamento de Khaled Meshal, líder do Hamas na Jordânia. Os espiões foram presos por autoridades locais e, para que não fossem executados, Israel enviou o antídoto do veneno. Mais recentemente, em 2008, o Mossad matou o líder do Hezbollah, Imad Mughnyiah, em Damasco.

Tramas de assassinatos, no entanto, não são exclusividade do serviço secreto de Israel. Durante o período da Guerra Fria (1945-1989), países europeus, como o Reino Unido, e os Estados Unidos conspiraram para executar inimigos políticos no mundo. Em 1998, após os ataques a embaixadas americanas no Quênia e Tanzânia, o então presidente Bill Clinton autorizou a captura e morte do terrorista Osama Bin Laden.

Com os ataques terroristas do 11 de Setembro, tais métodos se tornaram mais frequentes na guerra contra o terror. As táticas de espionagem são consideradas mais vantajosas do que a invasão de países, como aconteceu no Iraque, pois esta última acaba causando a morte de civis. Porém, o assassinato planejado de inimigos em países estrangeiros nem sempre é simples, principalmente em um delicado contexto político, ou moralmente fácil de se decidir, como mostrou a ação em Dubai.

Direto ao ponto

O principal comandante militar do Hamas, Mahmoud al-Mabhouh, foi assassinado no luxuoso hotel Al Bustan Rotana, no centro de Dubai, no dia 20 de janeiro de 2010, supostamente por integrantes do Mossad, o serviço secreto israelense. A operação trouxe consequências diplomáticas e políticas para Israel, além de expor os bastidores dos conflitos no Oriente Médio.

O crime também deve afetar as negociações de paz na região, que ocorrem desde que, em 27 de dezembro de 2008, Israel iniciou uma ofensiva contra a faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, deixando 1.300 palestinos mortos e o território parcialmente destruído.

O Mossad é apontado como autor de dezenas de assassinatos de líderes de organizações palestinas desde os anos 1970. O serviço de inteligência foi fundado em 1949, um ano após a criação do Estado de Israel. Ele ficou conhecido internacionalmente após a captura, em 1960, do nazista Adolf Eichmann, na Argentina.

Atualidades