Autoimagem e publicidade - até que ponto chegar pelo "corpo ideal"?
A imagem corporal é a ideia que cada pessoa tem sobre o seu corpo e ela tem papel central na construção da nossa identidade. É através do nosso corpo e de seus movimentos, postura, odores e gostos que projetamos nossa autoimagem aos outros e ao mundo. Essa construção é um processo permanente, que envolve fatores físicos, emocionais e sociais.
Exemplo de transformação bastante comentado na segunda quinzena de outubro foi a atriz Renée Zellweger.
Segundo o psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), a formação da imagem corporal começa na infância, no que ele descreve como "estádio do espelho", ou fase do espelho. De acordo com a teoria, essa fase se estende dos seis meses aos dois ou três anos de idade, quando a criança passa se perceber como um corpo unificado, e não mais fragmentado, completado pela mãe. Nessa idade, se colocada em frente a um espelho, a criança se reconhece como indivíduo, iniciando a sua construção do “eu”.
Em seus estudos, o norte-americano J.K. Thompson, professor de psicologia na Flórida (EUA) e referência no tema imagem e corpo, elencou três componentes para a formação do conceito de imagem corporal. O primeiro, o componente perceptivo, está ligado à percepção da nossa própria aparência física; o segundo, o subjetivo, envolve aspectos como satisfação com a aparência, o nível de preocupação e ansiedade a ela associada; e o último, o comportamental, que destaca as situações que as pessoas evitam por sentirem-se desfavoráveis devido à sua aparência corporal.
O grande dilema do mundo moderno é adequar essa imagem corporal aos padrões estéticos difundidos pela sociedade. Uma pessoa com peso ideal ou malhada é sinônimo de pessoa saudável? Nem sempre. No entanto, a ideia de saúde que se fortaleceu no século 20 foi a da cultura da “boa forma” e da exibição do corpo impulsionada pelo boom da indústria do fitness e pelos modelos de comportamento e beleza adotados pela indústria da publicidade.
Magreza x obesidade: efeitos de diferentes consumos pelo corpo
Quando falamos de corpo, consumimos não só alimentos, mas padrões, comportamentos, roupas e atitudes sempre buscando a (auto) imagem dita ideal. Nessa busca, obesos sofrem por serem considerados “fora do padrão”; jovens insatisfeitas com sua aparência e peso recorrem a dietas inadequadas e acabam desenvolvendo transtornos alimentares em busca de uma magreza exagerada. Há quem recorra a cirurgias plásticas para alterar o corpo, muitas vezes, sem necessidade, ou em busca da eterna juventude.
No final de outubro, a atriz Renée Zellweger chamou atenção e virou notícia em todo o mundo após aparecer em um evento com uma aparência completamente diferente, levantando especulações sobre o uso de intervenções como plástica e botox.
Especialistas levantaram inúmeras possibilidades para explicar a mudança radical da atriz, como perda de peso em excesso, redução do volume de cabelo, aplicação de botox, retirada de pele e bolsas das pálpebras superiores, inserção de próteses no rosto, entre outros procedimentos. A atriz divulgou um comunicado no qual se diz "feliz" pelas pessoas terem reconhecido que ela está diferente e que ela está cuidando da saúde como nunca.
Nessa discussão, duas práticas ligadas à construção da nossa imagem corporal não podem ficar de fora: a dieta e o exercício físico, comportamentos saudáveis quando feitos com equilíbrio, prazer e acompanhamento profissional, mas que às vezes tornam-se inimigos da saúde.
A decisão de fazer uma cirurgia plástica ou uma dieta costuma estar relacionada à insatisfação com nosso corpo. No entanto, quando feita de modo radical, a dieta pode levar a transtornos alimentares devido a maus hábitos como beber apenas água, pular refeições, tomar remédios, entre outros.
Não à toa, transtornos alimentares como a anorexia e bulimia são, hoje, considerados também reflexos de uma distorção da imagem corporal. Esses transtornos são caracterizados por um padrão de comportamento alimentar gravemente perturbado, um controle patológico do peso corporal e por distúrbios da percepção da imagem corporal. No caso da anorexia nervosa, a pessoa desenvolve um medo de ganhar peso mesmo estando abaixo ou com o peso considerado ideal.
A febre das dietas atinge especialmente as adolescentes, que aderem à prática sem estimar suas consequências. Essas dietas são facilmente encontradas na internet e compartilhadas nas redes sociais, hoje, o principal meio de exposição da autoimagem entre esse público.
Sobre essa questão, Phillippa Diedrichs, pesquisadora do Centro para Pesquisa em Aparência da Universidade do Oeste da Inglaterra, vê uma ligação entre redes sociais e a preocupação com o chamado “look”. Para ela, “quanto mais tempo se passa no Facebook, maior a probabilidade das pessoas se enxergarem como objetos". Esse excesso de exposição e interação -- nem sempre positiva com a opinião alheia-- favorece a ansiedade.
Na opinião de Diedrichs, a resposta para amenizar a ansiedade com relação à aparência é defender uma diversidade maior na mídia, pois não há apenas uma forma de ser saudável e não há uma aparência ideal.
Na outra ponta do consumo, temos o problema da obesidade, acúmulo de gordura no corpo. A obesidade é um dos principais desafios de saúde pública do século 21 e o problema é grave quando falamos de obesidade infantil.
Crianças com sobrepeso e obesidade são mais propensas a desenvolver diabetes e doenças cardiovasculares ainda jovens e, numa idade mais avançada, doenças crônicas associadas à alimentação. Além desses problemas, uma pesquisa realizada em 2014 pela Faculdade de Medicina da UNESP, em Botucatu (SP), encontrou evidências de que o excesso de peso pode, a longo prazo, aumentar o risco de desenvolver osteoporose.
No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que, para resolver o problema, é preciso vencer um adversário de peso: a propaganda. Segundo a OMS-Europa, a propaganda de alimentos nocivos a crianças se mostrou "desastrosamente eficaz" em estimular a obesidade, em especial com o uso das redes sociais para promover alimentos ricos em gorduras, sódio e açúcar, mas pobres em vitaminas, minerais e outros micronutrientes saudáveis. Daí a necessidade de, detectar o problema durante a infância para tentar reverter esse quadro, evitando o consumo frequente de alimentos calóricos e gordurosos.
A pressão sobre o corpo feminino
O culto do corpo e a exigência de um padrão de beleza não é um dilema do mundo moderno. Ele está relacionado com o ideal de beleza grego, para quem o belo estava associado à aptidão física e a um modo de vida do cidadão grego. O homem belo tinha valores, era culto e politizado, e o conceito de beleza estava mais ligado ao sexo masculino.
Como elenca o filósofo e professor francês Gilles Lipovetsky, a visão da mulher não foi sempre ligada à beleza. “Nas pinturas pré-históricas, as mulheres são retratadas com enormes seios e nádegas, símbolo de fecundidade e não de beleza. Na cultura grega, obcecada pela definição da beleza absoluta e marcada por uma cultura homossexual, Apolo certamente é mais importante do que Vênus. Por fim, na cultura cristã, a beleza da mulher é considerada perigosa, ‘a porta do diabo’”.
Ao longo do tempo, as mulheres se livraram do excesso de roupas e do espartilho, item que vai além de uma simples peça do vestuário quando se fala de padrões para o corpo feminino. Do Renascimento ao início do século 20, os espartilhos representaram um código social ao qual a mulher deveria se adequar. Para uns, a peça que alongava o corpo feminino e reduzia seu contorno curvilíneo mostrava submissão e disciplina. A partir da segunda metade do século 19, o espartilho passou a ter função moral, atribuindo à mulher um aspecto mais respeitável.
Com a emancipação feminina, as mulheres conseguiram se libertar do uso opressivo do espartilho. A peça voltou a ser usada, mas hoje, com materiais flexíveis e ao gosto da mulher. No entanto, novos sofrimentos e sacrifícios passaram a ser submetidos ao corpo feminino.
“A verdade é que a especialização de tipo físico e moral da mulher, em criatura franzina, neurótica, sensual, religiosa, romântica, ou então, gorda, prática e caseira, nas sociedades patriarcais e escravocráticas, resulta, em grande parte dos fatores econômicos, ou antes, sociais e culturais, que a comprimem, amolecem, alargam-lhe as ancas, estreitam-lhe a cintura, acentuam-lhe o arredondado das formas, para melhor ajustamento de sua figura aos interesses do sexo dominante e da sociedade organizada sobre o domínio exclusivo de uma classe, uma raça e de um sexo”, escreveu o cientista social brasileiro Gilberto Freyre, em “Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado e desenvolvimento do urbano”.
Para a escritora e historiadora brasileira Mary Del Priore, a identidade do corpo feminino corresponde ao equilíbrio entre a tríade beleza-saúde-juventude. No caso do corpo feminino, os padrões para compor essa tríade mudam com o tempo. Como escreve Liliany Samarão no artigo “O espetáculo da publicidade: a representação do corpo feminino na mídia”, “o corpo da mulher foi submetido a um ritmo acelerado – e padronizado – de mudanças, seja nos padrões, nas medidas, nos estilos, nas épocas históricas. O corpo é o efeito dos discursos que dão consistência simbólica à vida social. (...) O corpo virou o capital da mulher no século 21”.
Dentro dessa lógica e obsessão por corpos magros ou musculosos, nosso corpo parece se aproximar cada vez menos de um corpo humano, para se tornar cada vez mais um objeto de design.
DIRETO AO PONTO
A imagem corporal é a ideia que cada pessoa tem sobre o seu corpo e ela tem papel central na construção da nossa identidade. Essa construção é um processo permanente, que envolve fatores físicos, emocionais e sociais e nos acompanha ao longo da vida.
O grande dilema do mundo moderno é adequar essa imagem corporal aos padrões estéticos impostos pela sociedade. A ideia de saúde que se fortaleceu no século 20 foi a da cultura da “boa forma” e da exibição do corpo impulsionada pelo boom da indústria do fitness e pelos modelos de comportamento e beleza propagados pela indústria da publicidade.
Na busca pela aparência dita ideal, as pessoas recorrem a dietas radicais, tornam-se obcecadas pela magreza extrema, recorrem a cirurgias plásticas nem sempre necessárias, para alterar partes do corpo que não agradam – muitas vezes no julgamento dos outros -- ou para evitar os efeitos do tempo. O corpo feminino é o que mais sente a exigência dos padrões sociais.
A reflexão que pode ser feita é a de até que ponto nos deixamos influenciar por esses fatores externos e até onde estamos dispostos a ir para ter uma imagem física dita perfeita. A dieta, o exercício físico, intervenções cirúrgicas, a vaidade podem ser comportamentos saudáveis quando feitos com equilíbrio e acompanhamento profissional, mas não podem se tornar inimigos do nosso bem-estar e saúde. |
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