Topo

Atualidades

Anistia - 30 anos - A lei que marcou o fim da ditadura

José Renato Salatiel, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Trinta anos depois de promulgada no Brasil, a Lei 6.683, mais conhecida como Lei da Anistia, é considerada um dos mais importantes marcos do fim do regime militar (1964-1985). Porém, a polêmica envolvendo o acerto de contas com o passado do país continua mais viva do que nunca.

Direto ao ponto: Ficha-resumo

A Lei de Anistia foi sancionada em 28 de agosto de 1979. Ela beneficiou mais de 100 presos políticos e permitiu o retorno de 150 pessoas banidas e 2000 exiladas, que não podiam voltar ao país sob o risco de serem presas.

O problema é que a lei também conferiu autoanistia para militares acusados de crimes de violação dos direitos humanos. Esta interpretação é contestada judicialmente e a decisão - se a Lei da Anistia perdoa ou não abusos da ditadura - ficará a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF).
 

Antecedentes históricos

Depois do período mais duro da repressão, sob vigência do Ato Institucional nº 5 (dezembro de 1968, ao final dos anos 1970), o governo militar iniciou uma abertura política lenta e gradual no Brasil.

Você na ditadura

  • Arte UOL

    Jogue e descubra como você viveria os 21 anos de ditadura no Brasil


Contribuíram para isso as manifestações populares que tomavam conta do país, bem como uma crise interna no regime devido aos assassinatos do jornalista Vladimir Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho, ocorridos sob tortura no DOI-CODI - órgão de repressão do governo - em 1975.

Pela primeira vez eram feitas abertamente denúncias de tortura e mortes. Crescia também a pressão pela anistia, com apoio de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Em 1978, foi criado no Rio de Janeiro o CBA (Comitê Brasileiro pela Anistia), com o objetivo de pressionar o governo para que concedesse o perdão a pessoas acusadas de crimes políticos, de modo a permitir que presos fossem soltos e exilados voltassem ao país.

Entre os exilados estava o sociólogo e ativista político Herbert José de Souza, o Betinho, irmão do cartunista Henfil.

Ele é citado nos versos da música "O Bêbado e o Equilibrista", de João Bosco e Aldir Blanc, gravada por Elis Regina em 1979: "Meu Brasil (...) que sonha com a volta do irmão do Henfil / com tanta gente que partiu num rabo-de-foguete / Chora a nossa pátria, mãe gentil / choram Marias e Clarisses no solo do Brasil". A música se tornou símbolo da luta pela anistia.
 

Votação tumultuada

Em meio ao clima de redemocratização, o presidente João Baptista Figueiredo elaborou o projeto de Lei da Anistia e encaminhou ao Congresso Nacional. Figueiredo foi o último presidente da ditadura brasileira e governou o país de 1979 a 1985.

O projeto foi aprovado numa sessão tumultuada na Câmara dos Deputados em 22 de agosto de 1979. Na época, havia apenas dois partidos legitimados pelo governo: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que apoiava a ditadura e tinha maioria no Legislativo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que fazia oposição.

Fora do Congresso, presos políticos faziam greve de fome, em vários presídios do país, em protesto pela aprovação da lei.

Seis dias depois, a lei foi finalmente sancionada e, na época, foi comemorada como uma importante vitória contra a ditadura.

Desde o início do regime, em 1964, políticos e intelectuais que se opunham ao golpe militar tiveram seus direitos políticos cassados. Outros militantes viram na clandestinidade e na luta armada a única forma de combater a repressão. Nestas atividades, cometiam assaltos a bancos, para financiar guerrilhas, e sequestros, para exigir a soltura de companheiros presos.

Pouco mais de dois meses depois de aprovada, a Lei da Anistia teve como efeito permitir o retorno ao país de políticos como Leonel Brizola, ex-governador do Rio de Janeiro e duas vezes candidato à presidência pelo PDT, e Carlos Minc, atual ministro do Meio Ambiente.

Intelectuais como Darcy Ribeiro e Paulo Freire, que estavam exilados do país por conta de seus ideais políticos, também retornaram com a anistia.

O texto aprovado, no entanto, não possibilitou de imediato a libertação de todos os presos políticos. O motivo é que, contra a oposição, que queria anistia ampla, geral e irrestrita, o projeto não anistiava presos condenados por atos terroristas, assaltos e sequestros.
 

Anistia x justiça

Em razão da pressão política pela anistia aos exilados e aos presos que sofriam torturas nos órgãos de repressão, a lei foi vista como um golpe contra o regime militar. Mas não foi bem assim. O Estado a dosou na medida certa e, com o fim da ditadura, a lei foi usada para impedir que crimes de tortura e assassinato de presos políticos fossem a julgamento.

Entendeu-se que a anistia beneficiava, além das vítimas do golpe militar, militares responsáveis por torturas, mortes e desaparecimentos de opositores do regime.

Com isso, diferente de países que também viveram sob ditadura, como a Argentina e o Chile e que julgaram os seus torturadores, no Brasil, apenas o militar reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra foi processado por crimes de tortura. Ele chefiou o Destacamento de Operações de Informações (DOI) de São Paulo, de 1970 a 1974.

Ustra foi declarado culpado pela Justiça comum no ano passado, mas o processo foi suspenso na Justiça Federal até que se chegue a um consenso sobre a Lei de Anistia.

A dúvida se refere ao artigo primeiro da lei, que diz: "É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes (...)".

Para quem defende a punição dos militares, a Lei de Anistia perdoa somente crimes políticos cometidos por pessoas vítimas de perseguições do governo militar.

Já outros acreditam que a Lei da Anistia perdoou tanto pessoas que praticaram crimes políticos, quando militares que cumpriam ordens superiores num regime de exceção. Tortura, dessa forma, estaria incluída em "conexo" aos crimes políticos.
 

Palavra final

A decisão a respeito de como a lei deve ser interpretada está a cargo do órgão máximo da Justiça no país, o STF, que deve julgar em breve uma ação movida pela OAB. A decisão da Suprema Corte servirá de base para os julgamentos, dando um rumo às ações paradas, como a movida contra o coronel Ustra, e permitindo a abertura de outros processos.

As investigações de crimes cometidos pelos militares dependem da instalação de uma comissão de verdade no país. A medida tem apoio do Governo Federal, que abriga em seus altos escalões muitos ex-presos políticos, como a ministra-chefe da Casa Civil e pré-candidata à sucessão presidencial Dilma Roussef.

Na prática, porém, dificilmente algum militar será preso. Já se passaram décadas, os acusados são idosos e, mesmo para crimes que não prescrevem, há apelações que levam anos tramitando na Justiça.

Este acerto de contas com o passado no Brasil deverá servir mais para que o governo preste esclarecimentos para casos de desaparecimentos, como os mortos da guerrilha do Araguaia, e permitir que mais famílias entrem com pedidos de indenizações na Justiça.

Direto ao ponto

A Lei da Anistia faz 30 anos no próximo dia 28 de agosto. Ela é vista como um dos mais importantes marcos do fim da ditadura militar no Brasil, que durou de 1964 a 1985. Ela só foi aprovada devido à pressão popular e o clima de abertura e redemocratização do país. Depois de sancionada pelo governo, a lei permitiu que políticos, artistas e intelectuais exilados ou banidos voltassem ao país. Mas presos políticos acusados de atos terroristas, assaltos a banco e sequestros não foram soltos de imediato, pois a lei vetava a absolvição para tais crimes.

Apesar de ser comemorada como um golpe contra o regime militar, a Lei da Anistia também serviu aos interesses do governo, pois impediu que oficiais militares fossem levados a julgamento por crimes de tortura e mortes. Há duas formas de se interpretar o texto:

• A Lei da Anistia só beneficia pessoas que foram perseguidas e vítimas do governo brasileiro por conta de seus ideais políticos.

• A anistia a crimes políticos inclui tortura e execuções cometidas pelos militares contra os opositores do regime.

Quem vai decidir como a lei deve ser entendida é o Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, devido a ter se passado décadas e muitos acusados estarem idosos, dificilmente alguém será preso.

 

Atualidades