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Golpe de Estado em Honduras - Crise relembra instabilidade política do século 20

José Renato Salatiel, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

(Atualizado em 30/09/2013, às 10h59)

O golpe de Estado que depôs o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, no último dia 28 de junho, isolou o país diplomaticamente e reviveu um clima de precariedade política que marcou a América Central durante todo o século 20. Neste período, a região foi palco de golpes militares e laboratórios de regimes comunistas, à sombra dos Estados Unidos.

Direto ao ponto: Ficha-resumo

A crise começou com a tentativa do presidente deposto de fazer, sem apoio político ou amparo legal, um referendo popular para tentar mudar a Constituição do país, com o objetivo de permitir a reeleição presidencial.

Zelaya foi eleito em 2005 por um partido de centro-direita, mas durante o governo deu uma guinada e se aliou ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, para obter concessões com a importação de petróleo venezuelano.

Chávez se mantém há dez anos no poder, autorizado por sucessivas consultas à população. Com as proximidades das eleições gerais em Honduras, marcadas para novembro deste ano, Zelaya quis usar da mesma estratégia para mudar uma cláusula pétrea (que não pode ser alterada) da Constituição, que restringe o cargo a apenas um mandato, de quatro anos.

Sem apoio do partido que o elegeu e com minoria no Congresso hondurenho, o plebiscito de Zelaya também foi proibido pela Suprema Corte, com respaldo do Ministério Público e do Exército. Numa situação inusitada, o presidente foi detido na manhã do dia 28 de junho pelos militares, ainda vestindo pijama, e levado para um voo com destino à Costa Rica.

Roberto Micheletti, ex-líder do Congresso, assumiu o governo interino até as próximas eleições, enquanto Zelaya foi impedido de voltar ao país, sob ameaça de prisão, a menos que seja anistiado.

República das bananas

Honduras é um dos países mais pobres da América Central, com 7,79 milhões de habitantes concentrados numa área pouco maior que o Estado de Pernambuco. O país passou por uma sucessão de golpes de Estado durante o século passado, que incluiu 25 anos de regime militar até a redemocratização, no começo dos anos de 1980.

Esta fragilidade política foi caracterizada, pejorativamente, pelo termo "república das bananas", em referência ao principal produto de exportação da América Central. Na defesa dos interesses econômicos de empresas como a United Fruit Company, os Estados Unidos mantiveram forte influência sobre a região, depondo governos quando era conveniente.

Honduras, em especial, é um aliado histórico de Washington, com governos de tradição conservadora. Durante a Guerra fria, serviu de base para a CIA, o serviço secreto norte-americano, preparar a tentativa frustrada de invasão à Cuba.

Nos anos de 1980, já convertida numa espécie de campo de treinamento militar, Honduras abrigou grupos de contra-revolucionários para combater, na Nicarágua, a Revolução Sandinista, uma guerrilha comunista que destituiu a ditadura da família Somoza (apoiada pelos Estados Unidos) em 1979.

Com este contexto histórico nada positivo, o atual presidente norte-americano, Barack Obama, tem feito esforços para se manter nos bastidores da batalha diplomática que visa devolver a estabilidade ao governo hondurenho, delegando a mediação à Costa Rica. A relutância do governo interino de Honduras em devolver Zelaya ao cargo, porém, vem dificultando as negociações.

Clima tenso

O golpe de Estado teve, de imediato, duas consequências que serão também fatores essenciais para o desdobramento da crise.

Internamente, o país foi dividido politicamente, com as ruas de Tegucigalpa, capital hondurenha, tomadas por protestos de simpatizantes e opositores ao presidente deposto. Os confrontos entre militares e manifestantes já deixaram dois mortos no aeroporto da capital. O Exército também decretou toque de recolher a partir das 22 horas.

Ao romper com a tradição e se aproximar de Chávez, Zelaya teria desagradado elites hondurenhas. Como as leis do país não possibilitavam a alternativa de um impechament, a única saída para esses grupos foi recorrer ao golpe de Estado.

Externamente, como era de se esperar, a medida não encontrou respaldo, e o governo que assumiu foi considerado ilegítimo e condenado por todos os países das Américas, até antagônicos como Venezuela e Estados Unidos.

O país foi suspenso da Organização dos Estados Americanos (OEA), numa decisão raras vezes adotada. Outros países que sofreram a mesma sanção foram Cuba, em 1962, por seu alinhamento com a ex-União Soviética, e Haiti, em 1991, depois também de um golpe de Estado.

Como resultado, Honduras começou a sofrer pressão política e econômica, com suspensão provisória de transações comerciais, isolamento diplomático e cortes em linhas de créditos e ajuda financeira de bancos internacionais. Sem o petróleo venezuelano, cujo suprimento foi cortado por Chávez em represália à destituição do aliado, as reservas no país garantiriam o abastecimento por apenas uma semana.

O país vive hoje um impasse: sem condições políticas internas para repor o presidente eleito ao cargo, atendendo os apelos da comunidade internacional, e ao mesmo tempo sem apoio para perpetuar um governo sem legitimidade. Uma possível saída, que consta na pauta de discussão entre Zelaya e Micheletti, é a antecipação das eleições presidenciais. Será mais uma tentativa de salvar uma democracia de saúde tão frágil em Honduras.

Direto ao ponto

• 28/06/09: golpe de Estado depôs Manuel Zelaya, presidente de Honduras.
 
Causas

• Para se reeleger, Zelaya queria mudar a Constituição com um referendo popular.

• Constituição de Honduras não permite a reeleição.

• Congresso, Suprema Corte e Ministério Público se opuseram. Zelaya insistiu.

• Diante do impasse, o Exército interveio, depondo Zelaya.
 
Desdobramentos

• Maioria dos países americanos opôs-se ao golpe e faz pressões diplomáticas pela volta de Zelaya.

• Procura-se solução negociada entre o atual presidente, Roberto Micheletti e os partidários de Zelaya, com a mediação de Óscar Arias, presidente da Costa Rica e prêmio Nobel da Paz.

 

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