Voto de cabresto - Uma herança do tempo dos coronéis
A "Folha de S. Paulo", em reportagem de Eduardo Escolese, de 24 de setembro de 2008, revela que o programa Bolsa Família tem sido utilizado como forma de reintroduzir nos Estados do Nordeste brasileiro a velha prática do voto de cabresto nas próximas eleições municipais.
Candidatos a vereador e prefeito usam o Bolsa Família para agradar eleitores, oferecendo em troca de votos os benefícios do programa para quem não os recebe, ou ameaçando retirá-los de quem não votar em determinado indivíduo.
Trata-se de uma denúncia muito grave, de vez que se refere à violação de um dos direitos mais fundamentais - senão o mais fundamental - do cidadão de um país sob regime democrático: o direito de o eleitor votar exclusivamente de acordo com a sua própria consciência. A gravidade é ainda maior quando se leva em conta que as instituições democráticas ainda apresentam muitas fragilidades no Brasil.
Entretanto, o voto de cabresto no Brasil contemporâneo não se limita ao uso do Bolsa Família. Já em julho e agosto de 2008, apareceram denúncias da intimidação de eleitores nas favelas do Rio de Janeiro para votarem a favor de candidatos ligados ao narcotráfico e ao crime organizado.
Passado rural
Antes de tocar nessa questão, porém, vale a pena fazer algumas reflexões a propósito da própria expressão "voto de cabresto", levando em conta seu caráter histórico e sua ligação com um Brasil do passado, essencialmente rural.
Para começar, não custa lembrar que cabresto é um arreio de corda ou couro que serve para prender o animal à estrebaria ou para conduzir sua marcha. É nesse sentido de condução - da condução do eleitor - que se fala em voto de cabresto, o que evidencia que o eleitor assim conduzido é considerado como um animal que deve se submeter docilmente à vontade de seu senhor.
Colocada nestes termos, além de evidenciar-se o caráter de autoritarismo criminoso dessa interferência na livre escolha eleitoral, já fica também sugerido o meio social em que ela se originou: no Brasil da República Velha ou Primeira República, quando as eleições ocorriam sob regime de voto aberto - o voto secreto só foi introduzido no país após a Revolução de 1930, com o Código Eleitoral de 1932 e a Constituição de 1934.
Coronelismo
Durante a República Velha, o voto de cabresto se constituiu como o sistema tradicional de controle de poder político por parte das elites regionais brasileiras. Nesse sentido, está relacionado ao fenômeno sociológico do coronelismo. A figura do coronel foi muito comum no período. Basicamente, o coronel era um grande fazendeiro que utilizava seu poder para garantir a eleição dos candidatos que apoiava.
Sendo o voto aberto, os eleitores podiam ser pressionados e fiscalizados pelos jagunços ou capangas do coronel, para votarem nos candidatos indicados por ele. Tratava-se, evidentemente, de intimidação física e o recurso à violência não era exceção. O poder dos coronéis está retratado em obras de nomes fundamentais de nossa literatura regionalista, como Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado.
No Brasil contemporâneo, um país majoritariamente industrial e urbano, a intimidação dos eleitores por meio da violência vem ocorrendo nas metrópoles: grupos paramilitares, formados por ex-policiais e traficantes que atuam nas favelas e outros bairros cariocas, estão obrigando a população, através de ameaças, a fotografar com celular o seu voto para garantir a eleição de candidatos ligados ao crime organizado.
Presença do Exército
Para tentar coibir a violência, o Tribunal Superior Eleitoral requisitou a presença do Exército, que deve ocupar 27 favelas do Rio de Janeiro no dia da eleição. Mas a presença de tropas federais, para garantir a integridade do eleitor, não vai se limitar ao Rio de Janeiro: outros 112 municípios do país também terão a segurança reforçada em 5 de outubro, por determinação do TSE.
Infelizmente, a presença do Exército não produz efeito em casos como o do uso do Bolsa Família acima mencionado. Aliás, o uso eleitoreiro do programa talvez nem se restrinja ao que ocorre nas pequenas cidades do interior nordestino.
Os partidos de oposição no Congresso Nacional acusam o governo federal de usar o programa para beneficiar os candidatos do Partido dos Trabalhadores e da base aliada. Afinal, em 2008, o governo reajustou o benefício em 8%, estendeu-o para jovens de 16 e 17 anos e anunciou um programa de qualificação profissional específico para os beneficiários do Bolsa Família, de acordo com que informa a mesma reportagem da "Folha de S. Paulo".
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