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Última vítima do WTC - Enterro de bombeiro comove população nos EUA

Paul Von Zielbauer, Para o New York Times

Sob um céu azul de final de verão, nove homens com uniformes azuis carregavam lentamente um caixão de madeira para uma igreja. Ladeados por 2.000 homens do Corpo de Bombeiros em postura de continência com luvas brancas, levavam o que restava do último dos colegas perdidos em 11 de setembro.

Dentro do caixão não havia um corpo em repouso, mas sim um frasco do tamanho de um dedo, contendo o sangue de Michael Paul Ragusa. O sangue fora doado, anos atrás, para uma clínica de medula óssea, em um dos muitos atos abnegados que caracterizaram seus breves 29 anos, segundo familiares e amigos.

Ragusa, da Companhia do Motor Número 279, tornou-se, na segunda-feira (8/09), o último dos 343 bombeiros mortos no ataque terrorista ao World Trade Center a ter memorial oficial. De certa forma, o frasco, que não podia ser visto no caixão fechado, parecia capturar a ambivalência que seus camaradas uniformizados carregavam em seus corações em relação a este último funeral para um bombeiro morto em 11 de setembro. Era tudo que havia, mas não era o suficiente.

Apesar de ser tão marcante e triste quanto os 342 enterros anteriores de funcionários do Corpo de Bombeiros mortos naquele dia, o de Ragusa, em Bergen Beach, Brooklyn, mostrou sinais pequenos, mas claros, de que talvez agora o departamento possa curar sua ferida.

"Definitivamente, o enterro dá uma sensação de conclusão e também um ponto de partida. Nunca esqueceremos, mas começaremos a progredir", disse James Long, bombeiro da equipe da Escada Número 16.

Junto com a pequena família e legiões de mulheres e homens uniformizados, estavam o prefeito Michael R. Bloomberg e seu predecessor, Rudolph W. Giuliani. Os dois se dirigiram à multidão na igreja católica romana de Saint Bernard.

Bloomberg, falando quase baixo demais para que o microfone captasse suas palavras, disse que Ragusa, como outros bombeiros mortos no dia 11 de setembro, havia tornado a cidade de Nova York um lugar mais seguro. Por outro lado, ele também instou os presentes a vencerem a tristeza.

"Para o povo de Nova York, este é um momento catártico, uma chance de homenagear o último membro de um grupo de heróis, cujas ações deram a nossa cidade a força da reconstrução, depois de 11 de setembro", disse Bloomberg.

Giuliani também aproveitou a oportunidade para curar as feridas sofridas durante um capítulo incomparavelmente amargo da cidade de Nova York, que começou em uma manhã igualmente ensolarada e enganosamente pacífica de setembro.

"Naquele dia, eles salvaram o espírito americano", disse Giuliani, falando diretamente para a família de Ragusa, sobre os bombeiros e policiais que evacuaram as torres gêmeas depois dos ataques. "Se eles não tivessem feito a decisão de, deliberadamente, colocar suas vidas em risco", disse Giuliani, "então talvez os terroristas tivessem alcançado seu objetivo".

Ao final de suas observações, Giuliani acrescentou: "Se Michael estivesse aqui, ele diria a vocês para continuarem vivendo, mantendo suas famílias unidas, garantindo que as crianças cresçam e tenham vidas melhores do que a nossa, ou do que a dele".

Nicholas Scoppetta, comissário do Corpo de Bombeiros da cidade, também falou brevemente: "A memória de 11 de setembro corre como uma ferida por este departamento", disse ele. Ele chamou o funeral de Ragusa de "um passo pequeno, porém significativo em direção à cura".

O sinal mais claro de que o funeral de Ragusa foi um momento apropriado para o Corpo de Bombeiros deixar para trás parte de seu sofrimento coletivo talvez tenha vindo de sua mãe, Dee Ragusa, que falou com uma voz clara e destemida.

"Um pouco da vida de nossos filhos vive em cada um de vocês", disse à multidão, com seu marido, Vincent, e dois netos ao seu lado. Ela leu uma anotação de janeiro de 2001, que seu filho fizera no diário obrigatório aos bombeiros em treinamento. Ali, guardara notícias da morte de um colega em outra parte da cidade, combatendo um incêndio. "É sempre triste e trágico quando um colega morre", escreveu, "especialmente quando ele é jovem e tem muito a viver".

Ragusa também deixou dois irmãos, uma irmã e uma noiva, Jennifer Trapani. Esta, entre outros, escreveu algumas de suas lembranças favoritas em um livreto impresso com fotos lembrando a vida de Michael Ragusa.

O enterro de Ragusa forneceu ao Corpo de Bombeiros uma chance de voltar a algumas das rotinas anteriores a 11 de setembro.

A mais óbvia foi a mudança do repertório da banda Emerald Society Pipes and Drums, que tocou em sua homenagem, como em todos enterros de bombeiros mortos no atentado. No entanto, pela primeira vez desde 11 de setembro, sua apresentação terminou com "Garry Owen" e "Atholl Highlander", duas marchas animadas e esperançosas.

"Quando aconteceu a tragédia, decidimos suspender [as duas músicas] até tocar pelo último irmão", disse o tenente Liam Flaherty, 38, baterista. Segundo ele, agora elas são apropriadas.

Com o fim do último serviço relacionado a 11 de setembro, a unidade cerimonial do Corpo de Bombeiros, que chegou a ter mais de 50 funcionários para organizar até 20 funerais por dia, espera voltar ao seu tamanho anterior a 11 de setembro, de uma dúzia de pessoas, disseram as autoridades.

Nem todos estão preparados a voltar ao normal, entretanto. Particularmente os bombeiros que conheceram Ragusa, um jovem energético e confiável, sempre se superando para o departamento.

"Certamente não será o último funeral para um bombeiro morto na frente de trabalho", disse Bob Fulco, 53, bombeiro há 25, que conhecia Ragusa de quando estava em treinamento na companhia de Borough Park, em 2000. "Você sempre pode virar a página, mas nunca fecha o livro", disse ele, ao deixar a igreja na segunda-feira.

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