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Tecnologia - a era das sabotagens e guerras cibernéticas

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Imagem: Zigg

Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação

Você liga o computador e a primeira mensagem é um alerta dizendo que todos os seus arquivos importantes não podem mais ser acessados, a menos que você pague um resgate em até três dias. Em abril deste ano, milhares de pessoas foram vítimas do WannaCry, um vírus do tipo ransomware que se aproveitou de uma vulnerabilidade no sistema operacional Windows para bloquear o acesso aos arquivos do usuário.

O WannaCry teve um alcance inédito e histórico. Segundo dados da Europol (organismo policial da União Europeia), mais de 200 mil computadores em 150 países foram atingidos pelo vírus. Além de usuários domésticos, foram vítimas do ataque grandes organizações públicas, hospitais, fábricas, centrais de energia e várias empresas multinacionais.

Um grupo de hackers que se identifica como “The Shadow Brokers” está sendo acusado do ataque. A misteriosa organização já declarou que roubou uma “arma cibernética” pertencente ao governo dos Estados Unidos, criada para ter acesso a computadores usados por rivais e células terroristas. Em 2016, os Shadow Brokers vazaram na internet uma série de códigos de ataque pertencentes ao Equation Group, equipe de hacker que teria ligação com a NSA (National Security Agency, agência de inteligência dos EUA).

Segundo especialistas em cibersegurança, a NSA seria responsável, dentre outras coisas, pelo sofisticado vírus Stuxnet, criado para atacar equipamentos industriais e que foi acusado de atrasar o programa nuclear do Irã, em um possível ataque coordenado pelo governo dos EUA.

Em 2010, inspetores da ONU notaram que as centrífugas usadas para enriquecer urânio na planta nuclear de Natanz estavam falhando. Uma investigação descobriu que um vírus havia tomado o controle das máquinas e as instruía a se comportar de maneira destrutiva enquanto informava a seus operadores que tudo estava bem.

Batizado de Stuxnet, o vírus infectou a planta iraniana, um local de difícil acesso e que lembra um bunker subterrâneo. Ele fica no meio do deserto, a 21 metros de profundidade, cercado de paredes de concreto, câmeras, guardas e com computadores fora da rede. É provável que o vírus tenha entrado no local por meio de um dispositivo USB.

Quem seria o responsável pelo ataque? As informações sobre o Stuxnet são secretas e nenhum grupo confirma sua autoria. Mas a criação de um vírus tão complexo não poderia ser obra de hackers individuais ou mesmo grupos políticos, mas, sim de governos, como o dos Estados Unidos e Israel, interessados em impedir o Irã de fabricar uma bomba atômica.

Especialistas consideram que o Stuxnet seja a primeira arma bélica digital do mundo. Sua aparição mudou as regras do jogo. Ao invés de simplesmente invadir um computador e ter acesso aos seus dados, ele representa uma ação exemplar de sabotagem, uma arma capaz de causar danos e destruir instalações físicas.

Esse tipo de perigo já é uma realidade. Em 2015, um míssil alemão foi hackeado na fronteira da Turquia com a Síria. O artefato pertencia à OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte. Por um curto período de tempo, o míssil começou a realizar comandos estranhos na fronteira. A atividade foi identificada e rapidamente neutralizada, mas uma catástrofe poderia ter acontecido se os hackers tivessem tido acesso total ao sistema.

Soldados hackers

Por milhares de anos, os exércitos combateram fisicamente, em formação cerrada e dentro do campo de batalha, que poderia ser letal. Com o mundo conectado na internet e em rede, surge um novo tipo de combate: a guerra cibernética, na qual as redes são o cenário do conflito.

A guerra cibernética consiste, basicamente, no uso de ataques digitais às estruturas estratégicas ou táticas de um alvo. Nessa nova era militar, um ataque digital complexo pode ter a mesma capacidade destrutiva de uma bomba.

A possibilidade de um ataque contra a infraestrutura de informática de um país se tornou uma importante questão de segurança nacional. Segundo o Fórum Econômico Mundial, as maiores potências no campo da defesa cibernética são os Estados Unidos, a China, a Alemanha, a Rússia, Israel, Reino Unido, Coreia do Norte e Irã.

Além das unidades tradicionais militares (Exército, Marinha e Aeronáutica), os governos de diversos países já investem na formação de “soldados hackers”. São células treinadas para invadir redes e sistemas operacionais, destruir bases de dados, descobrir vulnerabilidades de segurança, conseguir informações estratégicas e realizar ciberataques.

Uma pesquisa de 2014 com militares americanos indica que os ataques contra as redes de computadores são considerados a pior ameaça para os EUA. Tanto que o Pentágono está criando um campo de treinamento que permite a simulação de ataques virtuais e o desenvolvimento de novas tecnologias para a chamada guerra cibernética. O projeto é supervisionado pelo DARPA, agência de projetos militares responsável pelo desenvolvimento da internet durante a década de 1960.

Recentemente, o Pentágono admitiu que seu comando militar está atacando a rede de informação do grupo terrorista Estado Islâmico. O objetivo é enfraquecer o sistema de recrutamento de combatentes e quebrar a comunicação criptografada do grupo.

Na Ásia, as duas Coreias (do Norte e do Sul) permanecem em um estado técnico de guerra desde que a Guerra da Coreia (1950-1953) terminou em trégua armada. Os dois países investem fortemente na infraestrutura militar. Ambos alegam ter um forte exército cibernético e que está em crescimento.

Em 2016, hackers norte-coreanos invadiram o servidor do Ministério da Defesa da Coreia do Sul e roubaram documentos estratégicos e confidenciais, incluindo planos de guerra. Essa seria a primeira vez que hackers alcançaram com êxito os computadores do exército sul-coreano.

A Coreia do Norte anunciou que seis mil hackers trabalham em nome do ditador Kim Jong-Un para causar "paralisia física e psicológica" nos inimigos. O temido exército hacker norte-coreano é conhecido como Bureau 121 e já foi acusado de hackear agências estatais, bancos e empresas do país vizinho.

O ataque mais famoso do Bureau 121 teria sido contra a empresa Sony Pictures, produtora de filmes. Em 2014, uma sequência de invasões resultou em terabytes de dados de funcionários vazados pela internet e um prejuízo financeiro que teria chegado a mais de 100 milhões de dólares. O ataque seria uma retaliação ao filme “A Entrevista”, paródia a Kim Jong-Un que seria lançada naquele ano.

De acordo com o general Vincent Brooks, dos EUA, os equipamentos militares da Coreia do Norte são atrasados e não conseguem competir com o aparato tecnológico das tropas norte-americanas. Porém, o general considera que os hackers norte-coreanos estão entre os melhores do mundo.

A Coreia do Sul corre para formar seu próprio batalhão de hackers. O Ministério da Defesa fundou um curso universitário para formar jovens em computação e cibersegurança. Os alunos podem estudar gratuitamente em troca do compromisso de servirem como oficiais, por sete anos, na unidade de guerra cibernética do exército.

No Oriente Médio, o destaque fica para Israel. Seu governo apoia centenas de empresas startups na criação de soluções em cyber segurança. “Com um clique em um botão, você pode colocar nações de joelho. Qualquer sistema pode ser hackeado”, disse o primeiro-ministro de Israel Binyamin Netanyahu durante um evento sobre tecnologia em janeiro deste ano.

O exército israelense também possui núcleos específicos para formar especialistas em programação. "Somos guerreiros por natureza. Agora temos de sentar atrás de computadores para sermos bons engenheiros e matemáticos", disse um general das Forças Armadas durante o evento.

A ciberespionagem

Em 2009, hackers roubaram informações sigilosas do programa militar mais caro dos EUA: o Joint Strike Fighter. O projeto desenvolveu um avião militar de última geração, o F-35, que custou ao menos 300 milhões de dólares. Os invasores conseguiram informações sobre o design e os sistemas eletrônicos do caça.

A China foi acusada de estar por trás do ataque ao programa Joint Strike Fighter. Após o lançamento do F-35, os militares chineses lançaram o J-20, um avião de combate que possui similaridades técnicas com o projeto norte-americano.

Especialistas em segurança afirmam que diversos grupos hackers são contratados por governos em ações de espionagem, que podem ter objetivos comerciais, diplomáticos ou militares. Em comum, esses ataques buscam informações que tragam vantagens competitivas.

Da China, hackers já invadiram companhias do setor espacial e da indústria de satélites. Em 2009, foi descoberta uma rede de espionagem chamada GhostNet, que tem origem chinesa e que teria se infiltrado em computadores de embaixadas e órgãos públicos de 103 países, a maioria da Ásia.

No começo do ano, a Dinamarca denunciou a invasão de e-mails governamentais por um grupo de hackers russos. O ministro dinamarquês da Defesa acusou o governo russo de estar por trás do ataque e declarou que "isso é parte de uma guerra contínua neste âmbito".

Uma Guerra Fria cibernética?

Durante a corrida armamentista da Guerra Fria, os EUA e a União Soviética fomentaram diversas ações de espionagem. A tensão histórica entre os dois países hoje se reflete no ciberespaço.

Em janeiro de 2017, uma empresa de eletricidade americana foi atacada por um vírus de origem russa, no mesmo dia em que 35 diplomatas russos foram expulsos dos Estados Unidos.

O ataque quase deixou a rede elétrica de grandes cidades em colapso. O fato colocou o país em alerta e se relaciona ao recente escândalo dos e-mails da candidata à presidência dos EUA, Hillary Clinton. Durante as eleições, ela teve seus e-mails interceptados por hackers e o conteúdo foi vazado pelo site WikiLeaks. O escândalo abalou a reputação e a campanha da candidata.

Alguns meses antes, em outubro de 2016, durante o terceiro debate presidencial, a candidata democrata afirmou que a Rússia estava por trás dos vazamentos. Segundo Hillary, o país seria a favor do então candidato republicano Donald Trump. Autoridades americanas descobriram que o ataque teve origem em Moscou.

As autoridades russas negam quaisquer intenções de interferir no processo eleitoral norte-americano. Em maio deste ano, Putin falou pela primeira vez sobre a ação hacker de seu país em torno da questão. Em um evento, o líder russo afirmou que mesmo sem o apoio do governo, os hackers agiram guiados pelo patriotismo. “Se eles se sentem patriotas, tentam dar a sua justa contribuição --o que é correto do ponto de vista deles-- para lutar contra aqueles que falam maldades sobre a Rússia”.

Dois escândalos relacionados ao vazamento de informações já foram protagonizados antes nos EUA. Em 2013, Edward Snowden, um consultor da NSA, vazou para a imprensa milhares de documentos que revelaram ao mundo a extensão do programa de vigilância da agência de inteligência norte-americana, que incluía a intercepção de e-mails e documentos de computadores de grandes empresas e líderes estrangeiros. Ameaçado de prisão e sem o apoio da maioria dos países, Snowden conseguiu asilo na Rússia.

Em 2006, o australiano Julian Assange criou o WikiLeaks, site que ganhou notoriedade ao publicar documentos sigilosos do exército norte-americano. Além de revelar escândalos de operações militares no Afeganistão e no Iraque, o site publicou documentos que revelavam detalhes da diplomacia dos EUA.

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