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Supersalários - Constituição estabelece teto, mas tem funcionário ganhando mais

Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Entre o fim de novembro e o início de dezembro de 2006, o CNJ - Conselho Nacional de Justiça, um órgão estabelecido para exercer um controle externo sobre o poder Judiciário, enviou ao Congresso Nacional um projeto prevendo o pagamento de um jetom ou remuneração adicional para três de seus integrantes.

A própria presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie Northfleet, que seria uma das beneficiadas com esse jetom, considerou a medida inconveniente e contrária à legislação do país, por criar salários que ultrapassam o teto salarial do funcionalismo público, estabelecido no artigo 37 da Constituição de 1988 e regulamentada onze anos depois.

O CNJ, então, divulgou um estudo revelando que cerca de 3 mil funcionários do poder Judiciário já recebem salários (a rigor "vencimentos") acima do teto - atualmente estipulado em R$ 24.500,00 -, sendo o mais alto deles pago à viúva de um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, no valor de R$ 34.814,61. O Conselho exigiu que esses vencimentos fossem cortados imediatamente.

Ação e reação
O Judiciário reagiu. Primeiro, questionou os critérios usados para compor a lista dos supersalários. Segundo, alegou que os cortes ferem o princípio do direito adquirido, pois os valores que ultrapassam o teto foram definidos por legislação anterior à Constituição de 1988. Finalmente, ameaçou lutar por seus direitos, evidentemente, nos próprios Tribunais de Justiça.

Antes que o leitor-contribuinte tire qualquer conclusão apressada sobre o assunto, vale a pena conhecer o histórico do teto salarial do funcionalismo público que decorreu paralelamente ao histórico das pressões da elite do funcionalismo para que alguns funcionários dessa mesma elite pudessem ultrapassá-lo.

O artigo 37 da Constituição federal, com seus 22 incisos e 12 parágrafos, alguns dos quais com três alíneas, criou, em outubro de 1988, um teto para o funcionalismo público em todo país. Para entrar em vigor, entretanto, a medida deveria ser regulamentada por lei complementar.

Lei complementar
Como isso não tivesse ocorrido até junho de 1998, o poder Executivo tomou a iniciativa de criar um teto salarial, à época de R$ 8.500,00, equivalente ao salário do presidente da República. O teto, porém, passou a valer exclusivamente para os funcionários do Executivo e do Legislativo. Na falta da lei complementar, o Judiciário não se viu obrigado a cumprir a regra.

A lei foi promulgada, afinal, em fevereiro de 1999, e estabeleceu um teto salarial para todo o funcionalismo público. A referência já não era o salário do presidente, mas o de três ministros do Supremo Tribunal Federal, que ganhavam uma gratificação por trabalhar também na Justiça Eleitoral, recebendo, assim, R$ 12.270,00.

Um ano depois, o STF criou um auxílio-moradia para seus membros, no valor de R$ 3.000,00 e decidiu incorporá-lo ao teto salarial que subiu para R$ 15.525,00. Em junho de 2002 o valor foi reajustado para R$ 17.171,00 para repor as perdas inflacionárias, mas em dezembro de 2003 o Congresso houve por bem mudar o critério para definir o teto que passou a equivaler ao salário do presidente do Supremo, cargo que faz jus a uma gratificação, o que elevou o valor em questão para R$ 19.115,00.

Quem mais recebe?
Este salário - reajustado em julho de 2005 e janeiro de 2006 - resultou no teto atual de R$ 24.500,00. Além dos quase 3 mil funcionários do Judiciário que ganham acima do texto, há mais 129 no poder Executivo e não existe um levantamento no poder Legislativo (em nível Federal, Estadual e municipal).

Para quem gosta de taxar os políticos de ladrões, um lembrete: no âmbito do poder Executivo, o salário mais alto não é o de um político, mas de um professor da Universidade Federal do Ceará, que embolsa R$ 38.275,44 mensais. Para chegar a tanto, o mestre recebe uma gratificação por ter ocupado cargo de direção e outra por tempo de serviço - o tempo de serviço é um dos expedientes mais comuns para aumentar salários em qualquer dos poderes.

Por mais que tudo isso possa provocar escândalo no cidadão de um modo geral, convém lembrar que, mesmo se tratando de um flagrante desrespeito à Constituição, há inúmeras tecnicalidades jurídicas que permitirão aos recebedores de supersalários defender o que consideram um direito legítimo seu.

A última palavra, já que a questão é constitucional, cabe ao STF. Em tese, depois de uma longa batalha judicial, até o fim da qual o dinheiro do contribuinte continuará bancando os supersalários. Claro, na hipótese de a demanda dos fura-teto não ser julgada procedente.

A propósito, os parlamentares do Congresso Nacional, nesse exato momento, já estão preparando um aumento de seus vencimentos que pode variar entre 30% e 90%. Enquanto isso, a carga tributária brasileira - somatória da arrecadação de todos os tributos federais, estaduais e municipais - bate nos 40% do PIB (Produto Interno Bruto).

Disso se pode inferir que o Estado brasileiro é mais generoso com seus servidores do que com o restante dos próprios cidadãos? O que você acha?

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