Sigilo bancário - Direito só pode ser quebrado pela Justiça
A expressão "sigilo bancário" tem estado com frequência nas reportagens da imprensa desde o início do chamado escândalo do mensalão. Nas últimas semanas, ela está batendo recordes de ocorrência na vida política nacional, devido basicamente a três fatos, que podem ser enumerados:
1) foi pedida pela CPI dos Bingos a quebra do sigilo bancário de Paulo Okamoto, presidente do Sebrae e amigo do presidente Lula, mas o Supremo Tribunal Federal rejeitou o pedido; 2) foi violado arbitrariamente o sigilo bancário de Francenildo Costa, caseiro de uma mansão que fez denúncias contra o Ministro da Fazenda Antônio Palocci; e 3) o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) pediu a quebra do sigilo bancário de Fábio Luiz Lula da Silva, o filho do presidente Lula.
Agora, apesar de sua importância, vamos deixar de lado esses fatos e refletir um pouquinho sobre o que é sigilo bancário e qual a razão de um sigilo como esse estar amparado em vasta legislação, tanto no Brasil quanto em diversos países do mundo - marcadamente as democracias. Aliás, o sigilo bancário já serviu a razões humanitárias: as contas numeradas (sem o nome do titular) foram introduzidas na Suíça, em 1934, para proteger o patrimônio de famílias judias contra o confisco nazista.
Assunto confidencial
Para começar, sigilo significa segredo, um assunto é sigiloso se ele é confidencial, isto é, se diz respeito aos interesses específicos de um grupo restrito de pessoas. Por aí já se vê uma boa razão para a existência do sigilo bancário: em princípio, não é da conta de ninguém se alguém tem ou não - e quanto - dinheiro na sua conta corrente.
Nesse sentido, o sigilo bancário é um respeito ao direito fundamental à privacidade das pessoas. No Brasil, ele se tornou obrigatório e garantido pelo artigo 38 da lei 4.595 de 1964. Foi revogado pela lei complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, que passou a regular a matéria diante da nova realidade socioeconômica de 42 depois, mas que impõe, em seu artigo 1o: "As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados."
No entanto, o direito ao sigilo bancário não é - nem pode ser - um direito absoluto.
A análise das contas bancárias de indivíduos e de instituições pode permitir à polícia, por exemplo, descobrir a existência de crimes. Nesse sentido, ou seja, em determinadas circunstâncias, a legislação prevê que o Poder Judiciário pode determinar a quebra do sigilo bancário de pessoas e empresas.
Receita e Polícia Federal
Por outro lado, desde 2001, a Receita Federal - o órgão governamental a quem compete a arrecadação e fiscalização dos impostos - procura ter o poder de quebrar o sigilo bancário dos contribuintes, sem autorização expressa da Justiça, a pretexto de combater a sonegação de impostos. Leis foram criadas nesse sentido, alterando o Código Tributário. Da mesma maneira, existe um projeto para que a Polícia Federal também tenha esse direito, para combater o crime organizado, a lavagem de dinheiro, o narcotráfico.
Tanto no caso da Receita quanto no da PF, a questão é polêmica, mas é claro que se órgãos do Poder Executivo puderem ter livre acesso às contas correntes de todos os cidadãos, o Governo "teria um poder de fogo e de pressão jamais visto, nem mesmo durante o período de exceção militar", segundo o advogado Ives Gandra da Silva Martins.
De fato, embora não tenha dado sua manifestação final sobre o assunto, esse tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal: o sigilo bancário só pode ser quebrado mediante a autorização de um juiz. Ponto final.
Nas palavras do ex-ministro do Supremo, Carlos Mario Velloso (aposentado em janeiro de 2006): "O sigilo bancário do contribuinte não pode ser quebrado com base em procedimento administrativo-fiscal, por implicar indevida intromissão na privacidade do cidadão, expressamente amparada pela Constituição Federal (art. 5º, X.) [...] Apenas o Poder Judiciário, por um de seus órgãos, pode eximir as instituições financeiras do dever de segredo em relação às matérias arroladas em lei."
Direito à intimidade e privacidade
O referido artigo reza que: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" e em seu inciso X diz que: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Esse entendimento da Constituição reforça as garantias do indivíduo e do cidadão contra eventuais arbitrariedades do governo. Ao mesmo tempo, revela como o equilíbrio entre os poderes - no caso Executivo e Judiciário - é fundamental para o regime democrático, onde as liberdades e os direitos individuais não podem ser desrespeitados pelo Estado sem justo motivo.
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