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Segurança Pública - Governo decreta intervenção federal no estado do Rio de Janeiro

Danilo Verpa/Folhapress
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação

O presidente Michel Temer assinou no dia 16 de fevereiro, um decreto para realizar uma intervenção federal no estado do Rio de Janeiro. A medida também foi aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado tem como objetivo “pôr termo a um grave comprometimento da ordem pública no Estado”.

A decisão foi tomada em meio a uma onda de escalada da violência na capital carioca. “O crime organizado praticamente tomou o controle da cidade”, defendeu Temer.

Segundo ele, o problema ameaça a tranquilidade de toda a população. “As polícias e as Forças Armadas estarão nas ruas, nas avenidas, nas comunidades e, unidas, combaterão, enfrentarão e vencerão naturalmente, aqueles que sequestram do povo as nossas cidades”, finalizou o presidente.

O decreto legislativo tem validade imediata e autoriza a União a intervir diretamente no Rio de Janeiro até o dia 31 de dezembro de 2018.  Durante esse período, as Forças Armadas podem realizar uma série de ações para coibir o crime organizado e promover a segurança na capital, na Região Metropolitana e no interior do Estado do Rio. 

O general do Exército Walter Braga Netto, do Comando Militar do Leste, foi nomeado como interventor do estado para assumir o controle da Segurança Pública. Sua função será administrativa e ele terá plenos poderes sobre as polícias Militar, Civil e Bombeiros. O militar não poderá intervir em questões que não estejam ligadas à segurança.

O que diz a Constituição Federal

O que é uma intervenção federal? Essa é uma medida do governo federal para debelar momentos de crises institucionais. O instrumento está previsto no artigo 34 da Constituição Federal e prevê um poder excepcional para a União intervir nos Estados ou no Distrito Federal como uma medida emergencial.

A intervenção só se justifica em casos graves, pois se configura como uma violação política e administrativa na autonomia dos estados. Ela é considerada uma medida extrema, porém menos grave do que o Estado de Defesa e o Estado de Sítio.

A Constituição prevê o uso do instrumento de intervenção nas seguintes situações: para manter a integridade nacional, para repelir invasão estrangeira ou de uma unidade federativa em outra, para pôr termo a um grave comprometimento da ordem pública (caso do Rio) e para reorganizar as finanças de uma cidade.

Isso quer dizer que o Rio teve uma intervenção militar? Há quem comparasse a operação no Rio com o golpe militar de 1964. Mas a origem da recente intervenção é de um governo civil. Neste caso, a União passa a ser responsável por todos os atos feitos pelo interventor designado, um general do Exército, que terá poderes dentro da segurança pública. "Não há nenhum risco à democracia quando [o ato] se dá a partir da Constituição. Pelo contrário: nós temos o reforço da democracia", afirmou o ministro da Defesa, Raul Jungmann.

O decreto de Temer é a primeira intervenção na área de segurança que ocorre no Brasil desde 1988, com a vigência da atual Constituição Federal. Antes disso, o governo militar de Castelo Branco interveio no estado de Goiás (1964) e Alagoas (1966), ações que tiveram o aval dos parlamentares. 

Apesar do ineditismo da intervenção federal, a presença das Forças Armadas no Rio de Janeiro não é uma novidade. A cidade já foi ocupada militarmente por tropas federais diversas vezes. Desde 1992, o Rio já foi alvo de 36 operações das Forças Armadas.

Como consequência da Intervenção, o decreto terá impacto na tramitação de propostas de emenda à Constituição (PECs). A lei diz que não pode haver alteração da constituição enquanto durar a intervenção federal. Esse mecanismo serve para coibir alterações da Carta Magna em períodos de anormalidade ou instabilidade no país. 

Aumento da criminalidade no Rio de Janeiro

Nos últimos meses, os cariocas presenciaram um aumento nos índices de criminalidade.  A sensação de insegurança é grande. De janeiro de 2017 a janeiro de 2018, o número de tiroteios na região metropolitana aumentou em 117%. Em 2017, o número de mortes violentas no estado chega a 6.731, um aumento de 44% em apenas cinco anos.

Principal destino turístico do país, o Rio foi criticado pelo carnaval deste ano, marcado pela violência. Foram registrados arrastões, saques e assaltos em importantes pontos da cidade. Segundo o governo, o evento foi o estopim para a decisão de realizar a intervenção, que já estava sendo planejada há alguns meses.

O maior problema da cidade é a disputa das facções pelo controle de drogas. Grupos armados como o Comando Vermelho e o Terceiro Comando da Capital possuem alto poder de fogo e realizam uma verdadeira guerra do tráfico. Existe ainda uma expansão da atuação de milícias pelo controle de territórios.

A recente crise fiscal agravou o cenário. O Rio de Janeiro viveu um colapso fiscal em 2017, o que acarretou na precarização dos serviços públicos em geral. Policiais trabalham com salários atrasados, equipes desfalcadas, equipamento obsoleto e carros em más condições.

Os problemas também foram amplificados pela crise política. O estado foi vítima de um esquema de corrupção que derrubou a cúpula do governo local e levou para o presídio o ex-governador Sérgio Cabral e o deputado estadual Jorge Picciani, presos pela Operação Lava Jato.

Outro sinal de alerta é o fracasso da política de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que buscava retomar o controle de território em comunidades dominadas pelo tráfico.  Em outubro de 2017, José Beltrame, então secretário de Segurança do Rio e implementador do projeto, pediu demissão do cargo após afirmar que os esforços não eram suficientes para resolver a situação da criminalidade.

A intervenção resolveria o problema da criminalidade?

Especialistas acreditam que a intervenção possa ter algum resultado prático, mas sem reforma estrutural, pode ser apenas uma medida paliativa. Para atacar a raiz do problema, seriam necessárias ações de longo prazo como aumentar o efetivo de policiais, aprimorar o trabalho de investigação e a ocupação das áreas de baixa renda com serviços públicos e ações sociais.

A intervenção federal também é criticada pela curta duração do processo, de apenas dez meses. Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança, Renato Sérgio de Lima, o decreto é "igual a um anestésico para ajudar a limpar a ferida, mas a ferida não será cicatrizada com essa medida".  Existe ainda o temor de que acuada, a criminalidade possa migrar progressivamente para regiões vizinhas, como a Baixada Fluminense e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

"Essa intervenção atua, como não pode deixar de ser, nas consequências, e não nas causas desse caos. É, portanto, uma ação paliativa. Além da intervenção federal, é fundamental reformar as polícias, rever conceitos e metodologias. Segurança Pública 'boa e barata' não existe", acredita o inspetor Francisco Chao, ex-presidente do Sindicato dos Policiais Civis do RJ.

Os partidos de oposição a Temer acreditam que a intervenção seja uma manobra política em ano eleitoral. A ação seria eficiente para aumentar a popularidade do presidente e angariar a simpatia de um determinado eleitorado que pede medidas mais rígidas para a segurança.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, também acredita que a criminalidade no Rio de Janeiro não será resolvida com uma intervenção federal. “Você precisa de inteligência, planejamento e ocupação social dos espaços que o Estado perdeu. Portanto, se alguém imaginar que uma intervenção de três, seis ou nove meses pode resolver o problema do Rio, está totalmente enganado. O problema do Rio tem que ser um programa patriótico e suprapartidário de enfrentamento do que hoje é o total descontrole na segurança pública”. 

Segundo o Instituto Sou da Paz, é necessário um investimento na boa gestão da polícia e no sistema como um todo. “Apesar de o governo federal seguir insistindo na estratégia do uso das Forças Armadas para combater o crime, acreditamos que a forma mais eficaz de combater a metástase da violência continua sendo a promoção da boa gestão, robusta e prioritária, de políticas públicas de segurança e do sistema de justiça criminal. Enquanto o fuzil for a única resposta do governo federal para os problemas de segurança pública, que vão muito além do Rio de Janeiro, dificilmente o Brasil verá solução para o mal do crime e da violência”, diz a nota.

O perigo da violação de Direitos Humanos

O cerco a comunidades levanta o medo de que as operações cometam abusos e violência contra a população, viole direitos garantidos pela Constituição e infrinja a legislação estadual.
Após o anúncio da intervenção federal, diversas instituições ligadas a direitos se pronunciaram.  O Conselho de Direitos Humanos, entidade ligada ao Ministério dos Direitos Humanos, o decreto "concede uma espécie de 'licença para matar' aos militares”.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) cobrou um detalhamento do decreto presidencial e reprova a possibilidade de flexibilização de direitos, como mandados de busca e apreensão sem especificação de destinatários, afirmando que se trata de ilegalidade.

O Ministério Público também questionou se as operações seguirão as leis. "Mandados em branco, conferindo salvo conduto para prender, apreender e ingressar em domicílios atentam contra inúmeras garantias individuais, tais como a proibição de violação da intimidade, do domicílio, bem como do dever de fundamentação das decisões judicial", diz a nota da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a Câmara Criminal do MPF.

Para acompanhar as ações militares no Rio, o Ministério dos Direitos Humanos criou o Observatório de Direitos Humanos da Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (ObservaRIO). O objetivo do observatório é "acompanhar as ações e medidas executadas durante a intervenção federal”.

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