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Renúncia - Para evitar cassação, políticos abdicam de cargo

Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Eleito presidente da Câmara dos Deputados em 15 de fevereiro de 2005, Severino Cavalcanti, deputado federal por Pernambuco, renunciou em 21 de setembro do mesmo ano ao mandato de presidente e de deputado devido aos fortes indícios de corrupção que pesavam contra ele e à consequente ameaça de cassação que sofria. Com a renúncia, Cavalcanti manteve seus direitos políticos.

Trata-se um recurso legal, isto é, que está de acordo com a lei, embora completamente ilegítimo, ou seja, que não encontra amparo no bom senso, na razão, na lógica, na moral e nos conceitos mais elementares de justiça.

Severino não foi o primeiro a recorrer a esse "expediente" - um procedimento antiético que o presidente Lula, antes de chegar ao poder, em 2003, costumava chamar de "maracutaia", isto é, ardil, artimanha, trambique, trapaça. O senador Antonio Carlos Magalhães (BA) e o deputado federal Jader Barbalho (PA) fizeram o mesmo em 2001, de modo que puderam candidatar-se novamente no ano seguinte - e se reelegeram.

Os labirintos do poder
Para o cidadão comum, não versado nos códigos labirínticos da política e do direito eleitoral, a situação só pode parecer absurda e é mesmo. Pior, não é a única das situações absurdas que vigoram entre as normas que regem a vida político-eleitoral do país. Um outro exemplo? O deputado Roberto Jefferson (RJ) teve o direito de votar na sessão que decidiu sobre sua cassação em 14 de setembro de 2005. Outros 18 deputados sobre os quais paira a ameaça de cassação terão o mesmo direito.

Como constata com ironia o analista político da "Folha de S. Paulo", Clóvis Rossi, "o réu sai do banco dos acusados, pula o estrado, senta-se ao lado do júri e ainda tem direito a voto". Por que isso ocorre? Os sociólogos chamam esse fenômeno de "corporativismo", ou seja, a defesa exclusiva dos próprios interesses por parte de uma categoria funcional ou profissional. Então, como são os próprios parlamentares (deputados e senadores) que fazem as leis - afinal, eles constituem o poder Legislativo -, costumam legislar em causa própria, em seu próprio favor nas questões que lhes dizem respeito.

Salários exorbitantes e mordomias
Enquadram-se nessa categoria absurda os salários exorbitantes, as aposentadorias precoces e mais um sem número de mordomias. Infelizmente, o problema é muito antigo no Brasil e transcende a esfera das disputas partidárias - na hora de se beneficiarem, os parlamentares são parlamentares, não importa se deste ou daquele partido. Para resolver essa questão, é necessária uma reforma política, ou seja a modificação das leis que regem essa matéria no país. No entanto, as propostas sérias de uma reforma política têm de partir dos próprios parlamentares e, via de regra, acabam trombando com o próprio corporativismo.

Além disso, projetos de reforma nesse sentido só costumam vir à tona em momentos de crise. Por isso mesmo, acabam se restringindo aos interesses de momento e às questões que detonaram a crise. Portanto, só uma pressão da sociedade civil sobre o Legislativo poderia ser eficiente e conduzir a mudanças. Quando os parlamentares se sentirem fiscalizados por seus eleitores, talvez se lembrem que não passam de representantes dos interesses deles - eleitores, ou seja, dos cidadãos do país.

Além disso, também há parlamentares bem intencionados no Congresso que lutam internamente para mudar pelo menos os casos mais flagrantes de corporativismo. Vale lembrar que há três deputados recolhendo assinaturas para emendar a Constituição de modo a permitir que o eleitorado se autoconvoque com vistas a realizar plebiscito destinado a revogar mandatos de quem não andar na linha.

Estar informado para saber votar
É bom lembrar que o fato de os meios de comunicação manterem os cidadãos informados, de o povo ter dado demonstrações recentes de que não está alheio às ações de seus representantes, não reelegendo políticos notórios pela desonestidade, por exemplo, tudo isso tem pesado para uma reformulação das leis que regem o comportamento dos políticos e é bem possível que o recurso de renunciar para evitar a perda dos direitos políticos esteja com seus dias contados.

Finalmente, convém lembrar que a renúncia ou a cassação de deputados é uma questão restrita ao âmbito interno do poder Legislativo. O fato de Severino Cavalcanti ter renunciado não impedirá que ele seja investigado pela polícia (ligada ao poder Judiciário) e, no caso de se comprovar a prática de atos ilegais, que o ex-deputado seja processado criminalmente e venha mesmo a ser preso, como aconteceu em 9 de setembro de 2005 com o ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, Paulo Salim Maluf.

Em tempo: "cassar", do latim "cassare", significa "anular, revogar, privar de". Já o verbo caçar, do latim vulgar "captiare" (pronunciava-se, provavelmente, "capciare"), quer dizer "perseguir para aprisionar ou matar". Portanto, a rigor, só animais e bandidos são caçados. Mas, a proximidade fonética entre os termos torna os trocadilhos inevitáveis quando se trata da política brasileira.

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