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Publicidade infantil - deve ou não ser proibida? O Superior Tribunal da Justiça sugere que sim

As propagandas antigas dirigidas às crianças causariam muita polêmica hoje. Um dos comerciais de TV mais famosos é o da tesoura escolar com desenho do Mickey Mouse, de 1992. Nele, um menino desdenha "Eu tenho, você não tem", ostentando o produto. Quem quer ver seu filho humilhando um colega na escola?

Nos últimos anos, organizações que defendem os direitos da criança e do consumidor vêm pressionando órgãos legisladores para acabar com a publicidade infantil. Em 2014, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) publicou a Resolução 163 que reforça o entendimento presente no Código de Defesa do Consumidor (CDC) que proíbe a publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e da falta de experiência da criança. Ela define como abusiva toda a publicidade e comunicação mercadológica direcionada à criança com a intenção de persuadi-la para a compra de um produto ou serviço.

Em março de 2016, veio uma decisão histórica. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a publicidade infantil como abusiva e determinou como ilegal o uso de publicidade destinada a esse público. A decisão foi baseada na campanha “É Hora de Shrek”, que condicionava a compra de relógios de pulso à aquisição de biscoitos Bauducco.

O processo foi aberto tendo como origem uma ação civil pública do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) com base em uma denúncia do Instituto Alana. Além de se dirigir às crianças, o comercial da empresa se configurava como venda casada, prática considerada abusiva pelo CDC. A prática de vender alimentos com brinquedos é comum em redes de fast-food e produtos como chocolates e ovos de Páscoa.

Pela primeira vez o tema da abusividade de publicidade voltada ao público infantil chegou a um tribunal superior. Mas isso quer dizer que agora toda publicidade destinada a esse público vai ser proibida? Não, pois a decisão do STJ não tem poder de lei. Apesar disso, ela deve influenciar futuras decisões de juízes de primeira instância e servir como precedente para todo o mercado alimentício. É provável que a repercussão influencie na atuação das empresas no país (para evitar processos) e dê mais força para ações judiciais movidas por consumidores.

A legislação brasileira é considerada muito avançada em relação à proteção à infância. O artigo 227 da Constituição Federal diz que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente a proteção a toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O conteúdo exibido pela mídia e pela publicidade comercial tem regulação em artigos do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No entanto, ainda faltam legislações específicas que regulem a questão da publicidade infantil, o que daria mais solidez e orientação para as empresas sobre como proceder.

A publicidade infantil deveria ser proibida?

Para defensores da proibição, as crianças precisam ser protegidas porque estão mais vulneráveis e suscetíveis à persuasão da mensagem publicitária para o consumo. Isso porque elas vivenciam uma fase peculiar de desenvolvimento psicológico e as mensagens provenientes da mídia possuem um grande peso na formação dos referenciais de mundo de uma criança. 

O comportamento das crianças seria fortemente influenciado pelos comerciais, que levariam a um excesso de consumo e na reprodução de conceitos e valores não-éticos. Esses estímulos poderiam trazer problemas como baixa estima, erotização precoce, bullying, reprodução de estereótipos e padrões de beleza, aumento da obesidade, estresse familiar, banalização da agressividade, entre outros.

O aumento da obesidade infantil é o tema de maior visibilidade associado diretamente à propaganda. Pesquisas no mundo inteiro mostram que a publicidade de alimentos com alto teor de sódio, gordura saturada, gordura trans e bebidas com baixo valor nutricional está associada ao aumento da obesidade entre os pequenos.

A venda de alimentos com brinquedos vem sendo criticada em todo o mundo por influenciar a educação alimentar das crianças e as estimular a consumir produtos excessivamente calóricos. No Brasil, dados do Ministério da Saúde indicam que 30% das crianças brasileiras estão com sobrepeso e 15% já estão obesas e podem ter problemas de coração, respiração, depressão e diabetes. Para reduzir a influência da publicidade, as cidades de Belo Horizonte e no Rio de Janeiro proibiram a venda de lanches com brindes para crianças em estabelecimentos comerciais.

As crianças também são assediadas pelo mercado como eficientes promotoras de vendas de produtos direcionados também aos adultos. Uma pesquisa de 2003 revelou que as crianças brasileiras influenciam 80% das decisões de compra de uma família (TNS/InterScience) e que os pais apresentam dificuldade em impor limites aos seus desejos. E muitas vezes os pais não tem condições de comprar o produto.

O que diz o setor publicitário

Os críticos da proibição da publicidade infantil argumentam que cabe somente aos pais orientar seus filhos sobre o que é possível consumir ou não. Para as agências de publicidade, a proibição da propaganda infantil fere o direito de liberdade de comunicação, ao privar crianças de até 12 anos de qualquer informação.

Como solução, as agências defendem a autorregulamentação do setor de propaganda. Hoje o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) é a instituição responsável por acatar abusos e problemas éticos realizados na propaganda brasileira. Ela tem como missão ouvir as denúncias e opinião do público e impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ou prejuízo a consumidores.

O Conar possui um Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e que apresenta cláusulas com restrições a que se refere especificamente à publicidade de produtos e serviços destinados a crianças. Se uma propaganda é veiculada na mídia, o Conar pode pedir que ela saia do ar. No entanto, por se tratar de um órgão privado, seu código não tem força de lei e ele não tem poder para garantir punições mais severas e indenizações financeiras.

Outra preocupação do setor publicitário é o impacto econômico do fim da publicidade infantil. Um estudo realizado em 2014 pela consultoria GO Associados e encomendado pela Mauricio de Sousa Produções indica que a economia brasileira sofreria um impacto negativo de R$ 33,3 bilhões e 700 mil empregos estariam em risco caso existam restrições à publicidade infantil.

Alguns setores já começam a criar restrições voluntárias à suas estratégias de marketing. Neste ano, a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (Abir) anunciou que pretende impor um limite para a publicidade infantil. A proposta é que as marcas não possam realizar ações de marketing e publicidade em programas de televisão quando mais de 35% da audiência for composta de crianças com até 12 anos. Isso afeta diretamente os canais infantis de TV a cabo, por exemplo, que passariam a não veicular propagandas de refrigerantes ou sucos artificiais.

Em diferentes países existem limitações ao uso da propaganda para crianças. No entanto, a proibição total ocorre apenas em uma província do Canadá (Quebec). Na Suécia, estão proibidos os comerciais na TV aberta. No Chile e Peru estão proibidos anúncios de determinados alimentos e bebidas. Na Grécia, anúncios de brinquedos só podem ser anunciados na TV aberta em horário adulto.

 

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