Presos políticos - Golpe e repressão no Brasil, na Argentina e no Chile
(Atualização em 7/3/2014, às 20h09)
O filme "Zuzu Angel", de Sérgio Rezende, que tem Patrícia Pillar interpretando a personagem-título, trata de um das centenas de episódios trágicos de torturas e mortes ocorridos durante o regime militar brasileiro, implantado por meio de um golpe de Estado, em 31 de março de 1964: a prisão e o desaparecimento de Stuart Angel Jones, filho da estilista e militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) durante a violenta repressão do regime ditatorial dos militares.
O filme aborda também a morte da própria Zuzu Angel em um acidente de carro no Rio de Janeiro, sob circunstâncias não esclarecidas. O evento pôs fim à sua cruzada para denunciar a repressão política no Brasil e recuperar o corpo do filho.
Se na ditadura brasileira houve tortura e morte, além de cassação de direitos, exílio, censura, entre outras medidas, por que ainda algumas pessoas chamam o golpe de revolução?
O golpe militar
A deposição do presidente eleito João Goulart (PTN) por forças políticas e militares caracteriza um golpe de Estado. Na época, o país passava por um momento de instabilidade política e Jango, como era conhecido o presidente, era associado pelas elites dominantes e pelas Forças Armadas como uma ameaça de esquerda. Quem era a favor do regime ditatorial e quem o apoiou politicamente, fazia questão de chamar o golpe de "Revolução Redentora".
Em geral, são golpes de Estado que marcam o início de revoluções. Por exemplo, foi um golpe de Estado em novembro de 1922 (outubro pelo calendário russo), com a deposição do premiê Kerensky, que marcou o início da Revolução russa. A revolução russa, propriamente dita, se estendeu até o início do governo de Josef Stálin.
Mas o que caracteriza uma revolução não é o modo pelo qual ela começa. É o seu desenvolvimento, com a introdução de uma nova ordem social, política e econômica. De fato, o golpe militar de março de 1964 não modificou a ordem socialno Brasil. Pelo contrário, ele aconteceu para conservar a velha ordem, que, na opinião dos golpistas, se encontrava ameaçada pelo avanço dos grupos políticos de esquerda no governo João Goulart, fossem esses grupos comunistas, populistas ou simplesmente antiamericanistas (vale lembrar que se estava no contexto da Guerra Fria).
Contabilidade macabra de mortos e desaparecidos
Outra questão que não deve ser esquecida foi levantada pelo cientista político Anthony Pereira, da Universidade de Tulane (Nova Orleans), estudioso da história recente da América do Sul. Ele se perguntou por que ocorreu uma diferença muito grande na quantidade de presos políticos, mortos e/ou desaparecidos, e exilados nas ditaduras do Brasil, da Argentina e do Chile. Vale a pena mencionar os números, antes de apresentar a resposta de Pereira.
No Brasil, em 21 anos de regime militar, houve cerca de 300 mortos e/ou desaparecidos, 25 mil presos políticos e 10 mil exilados. Na Argentina, em sete anos de ditadura (1976-1983), os mortos e/ou desaparecidos foram 30 mil, assim como os presos políticos, e os exilados 500 mil. Finalmente, no Chile, em 17 anos da ditadura Pinochet, morreram ou desapareceram 5 mil pessoas, houve 60 mil presos políticos e 40 mil exilados. Vale lembrar que os dados podem variar conforme as fontes*.
O papel do Judiciário
Segundo Pereira, o que torna a contabilidade menos trágica para a ditadura brasileira é o fato de o governo militar ter feito do Poder Judiciário um braço da repressão, ao aplicar a Lei de Segurança Nacional contra os "inimigos do Estado". Isso não aconteceu nos tribunais militares "de guerra" do Chile e muito menos na repressão argentina, que ocorreu clandestina e extrajudicialmente.
O fato de o Poder Judiciário não ter sido simplesmente posto de lado pelo regime militar brasileiro garantiu que parte significativa dos presos políticos tivessem seu paradeiro rastreado e algum espaço para a defesa, ainda que limitada. A medida foi fundamental para a sobrevivência de cerca de 7.400 presos que sofreram processos políticos no Brasil.
Os números, entretanto, não diminuem a dor das famílias de torturados, mortos e desaparecidos. Casos como os de Stuart Angel Jones, do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho, mortos pela repressão, mostram como a ditadura militar pode ser violenta.
*Os dados da tese de Anthony Pereira foram extraídos de entrevista por ele concedida à "Folha de S. Paulo", em 5 de abril de 2004.
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