Política - o que faz um presidente perder o mandato?
No dia 2 de agosto, a Câmara dos Deputados votou contra o envio da denúncia para que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgasse o presidente Michel Temer (PMDB) pelo crime de corrupção passiva. Segundo a Procuradoria-Geral da República, Temer recebeu propina da empresa de carnes JBS em troca de favores políticos.
Foi a primeira vez na história política brasileira que um presidente é formalmente acusado de cometer um crime durante o mandato. Com a decisão, a denúncia pelo crime de corrupção poderá ser eventualmente analisada após Temer deixar o cargo.
O grito de “Fora Temer” fez parte de diversas manifestações da opinião pública. O fenômeno começou em agosto de 2016, após o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Após Dilma perder o mandato, Temer, então vice-presidente, assumiu o seu lugar, em meio a um cenário de profunda crise política.
Muita gente acredita que houve um processo irregular para tirar a presidente da Presidência. Essa narrativa também foi o mote usado pela sua defesa e por militantes que acreditam que Dilma foi vítima de um golpe parlamentar, orquestrado por deputados, senadores e empresários. Apesar de polêmico, o Judiciário entendeu que pelo menos do ponto de vista institucional, o processo de Dilma seguiu as regras e os ritos previstos pela Constituição Federal.
O processo de impeachment
A estrutura do Estado Democrático brasileiro é formada pela divisão dos Três Poderes: Judiciário, Legislativo e Executivo. Em âmbito nacional, o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
O chefe do Poder Executivo é o Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado. Ele é eleito pelo povo e sua destituição é muito grave. Ela só deve ocorrer em circunstâncias excepcionais expressas na lei.
O impeachment é um mecanismo do Legislativo criado para evitar a má-conduta e remover funcionários públicos do alto escalão que tenham cometido alguma irregularidade. Mas o que pode fazer um presidente da República ser alvo de um processo de impeachment?
O sistema presidencial brasileiro entende que a estabilidade política do País é necessária. A falta de apoio parlamentar, uma crise econômica ou a impopularidade perante a população não são motivos suficientes para tirar um presidente do poder. O mandato só pode ser interrompido caso ele cometa um crime de responsabilidade durante seu governo.
O chamado “crime de responsabilidade” só pode ser atribuído a agentes públicos, como resultado da atuação pública no exercício do mandato. A Constituição estabelece quais infrações cometidas por um presidente da República se enquadram nessa categoria. Como punição, os condenados podem sofrer uma sanção política, como ter a perda imediata do mandato ou direitos políticos cassados.
A denúncia contra um presidente pode ser feita por qualquer cidadão brasileiro e é encaminhada à Câmara dos Deputados. Parlamentares decidem se há procedência no caso e se a denúncia for acatada pelo presidente da Casa, a acusação é formalizada e o processo segue para o Senado, onde é feito o julgamento, sob a supervisão do STF.
O caso Dilma
O pedido de afastamento de Dilma Rousseff foi solicitado pelos juristas Hélio Bicudo, Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior. Dilma foi acusada de crime de responsabilidade por cometer manobras fiscais durante sua gestão, com base na interpretação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O argumento jurídico central da defesa e da presidente é de que as pedaladas fiscais e manobras orçamentárias não configuram crime de responsabilidade e que também teriam sido praticadas por gestões anteriores.
O pedido de impeachment foi acatado pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Depois, foi instalada uma comissão especial para analisar o pedido, que seguiu para votação no Plenário. Dois terços dos 513 deputados votaram a favor. Com o aval da Câmara, a abertura do processo seguiu para a análise do Senado, onde também foi aprovado.
Após votação final no Senado, Dilma foi condenada por crime de responsabilidade.
O caso Temer
No caso de Temer, o inquérito seguiu vias diferentes do de Dilma. A Constituição Federal entende que as práticas classificadas como “crimes comuns” atribuídas a um presidente no exercício do cargo devem ser conduzidas e julgadas por um procedimento diferente de um impeachment.
Se a imputação se referir a atos realizados antes de o presidente tomar posse, ele só será investigado depois que concluir o mandato. Se o crime ocorreu durante o mandato, a coleta de provas deve ser feita pela Polícia Federal, com acompanhamento do Ministério Público e supervisão do Supremo. Isso porque o presidente tem foro privilegiado.
Cabe ao procurador-geral da República realizar uma acusação formal ao Supremo. A partir daí, o caso deve ser remetido à Câmara dos Deputados. Para que o processo criminal seja aberto pelo Supremo, dois terços dos deputados precisam votar sua autorização.
Se o processo passar pelo crivo dos deputados e for encaminhado ao Supremo, o presidente pode ficar afastado do cargo. Se condenado após julgamento pelo STF, ele deixa a Presidência e cumpre a pena.
Em junho de 2017, Temer ainda enfrentou outro processo, dessa vez, julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Uma ação movida pelo PSDB acusava a chapa PT-PMDB de receber recursos de campanha provenientes do pagamento de propina da Petrobrás. O processo foi julgado pelo TSE, que absolveu Temer. Se ele fosse condenado, Temer poderia ser afastado do cargo e quem assumiria seria Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente da Câmara dos Deputados.
O processo do TSE trouxe uma “confusão” jurídica quase inédita. Caso Temer fosse condenado, a linha sucessória contaria com os presidentes das casas do Legislativo. Porém, Rodrigo Maia e o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), poderiam ser impedidos de assumir a presidência porque ambos respondem por denúncias de corrupção. Nesse caso, Carmén Lúcia, presidente do STF, assumiria o cargo.
O apoio fundamental do Congresso
No sistema atual, o presidente precisa compor com uma maioria estável no Congresso para conseguir governar, como aprovar medidas, projetos e leis. Apesar dos diversos mecanismos jurídicos previstos na Constituição, o andamento de um processo contra um presidente da República também depende do aval de parlamentares.
Na prática, para que o impeachment ocorra, a primeira condição necessária é que o presidente da Câmara aprove sua tramitação. Depois, uma parcela significativa do legislativo precisa votar pela destituição do presidente (pelo menos dois terços). O processo é considerado lento e demorado.
No impeachment de Dilma, o contexto político foi determinante para o avanço do processo contra ela. Durante o segundo mandato, Dilma havia formado um governo que contava com ampla maioria. Apesar das manifestações populares nas ruas, que pressionavam por mudanças políticas e pediam a saída da presidente, a coligação seguia unida.
Mas em 2015, houve uma reviravolta. O então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aceitou o pedido de impeachment. As motivações dele não são claras, mas especula-se que ele tenha aceitado o pedido para que o governo barrasse a Operação Lava-Jato, na qual foi condenado posteriormente.
Ao longo do processo, muitos parlamentares e partidos também mudaram de lado, deixaram de ser aliados do governo e votaram a favor da saída de Dilma da presidência.
No caso do governo Temer, desde o início ele conseguiu a governabilidade, o apoio da maioria do Congresso. Além de contar com a maior parte dos deputados federais, ele também é aliado dos presidentes da Câmara e do Senado.
O apoio parlamentar é fundamental para que processos contra o presidente sejam barrados desde o início. Michel Temer atualmente acumula 17 pedidos de impeachment contra ele. O mais conhecido é o formulado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que alega que o presidente cometeu crime de responsabilidade. Ele teria agido de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo em razão de sua relação com a empresa JBS. Todos os pedidos estão sob a análise de Rodrigo Maia.
Durante a recente votação da Câmara para avaliar o processo da PGR que acusava Michel Temer de corrupção passiva, a manutenção da estabilidade política e econômica do país foi o argumento mais usado pela base aliada para justificar o voto.
Já a oposição acusa Temer de ter feito uma espécie de “Vale Tudo” para conseguir os votos a seu favor. O presidente teria liberado bilhões de reais em emendas parlamentares para os deputados federais, entre junho e julho deste ano. Também teria feito promessas de cargos a partidos e atendido aos interesses da bancada ruralista, que possui grande força no Congresso.
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