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Pena de morte - Em vigor em mais de 50 países, medida não reduziu criminalidade

O brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira na Indonésia após ser condenado por tráfico de drogas.  - Beawiharta/REUTERS
O brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira na Indonésia após ser condenado por tráfico de drogas. Imagem: Beawiharta/REUTERS

Andréia Martins

Da Novelo Comunicação

Em janeiro de 2015, os brasileiros ficaram chocados com a notícia do fuzilamento de Marco Archer, brasileiro que foi preso em 2004 na Indonésia e condenado à morte por tráfico de drogas depois de tentar entrar no país com cocaína dentro dos tubos de uma asa-delta. 

Logo após a prisão de Archer, outro brasileiro, Rodrigo Gularte, foi condenado à execução em 2005 por ingressar na Indonésia com cocaína escondida em pranchas de surf. Hoje, o país tem 133 prisioneiros que aguardam a execução no corredor da morte. 

A maioria dos países aboliu a pena de morte, mas de acordo com a Anistia Internacional, hoje 58 países mantêm a punição para crimes comuns. Os motivos mais passíveis dessa condenação incluem homicídios, espionagem, falsa profecia, estupro, adultério, homossexualidade, corrupção, tráfico de drogas, não seguir a religião oficial ou desrespeitar algum padrão de comportamento social ou cultural.

Cada país possui métodos de execução do condenado. Na lei islâmica, quem trai o marido ou a mulher deve ser morto por apedrejamento. Em países asiáticos, o fuzilamento é o mais usado, e nos Estados Unidos a cadeira elétrica ou a injeção letal são usadas em caso de homicídios qualificados e atos de terrorismo. 

A China é campeã nesse ranking. Estima-se que em 2013 o país realizou pelo menos 4.106 execuções de penas capitais para crimes como fraude fiscal, corrupção e tráfico de drogas. Segundo a Anistia Internacional, sem contar os dados da China, 1.925 pessoas foram condenadas à morte no mesmo ano, 788 foram executadas --um aumento e 15% em relação a 2012 – e 23.392 aguardavam a execução. Os países que mais efetuaram execuções foram Irã, Iraque, Arábia Saudita e Estados Unidos. 

O Brasil não entra nesta lista. Aqui, a pena de morte foi abolida para crimes comuns em 1988. No entanto, a nossa Constituição ainda prevê a pena para crimes de guerra. O Código Penal Militar poderá condenar um combatente por infrações como traição (pegar em armas contra o Brasil), covardia (fugir na presença do inimigo) ou incitar a desobediência militar. Nesses casos, o Presidente da República deve aprovar a execução, que ocorre por fuzilamento. Para especialistas, para dar início a conversas na tentativa de acabar com a pena de morte em outros países, seria de bom tom se o Brasil eliminasse esse artigo da Constituição.

Quem defende que a pena de morte seja aplicada acredita que ela possa dissuadir uma pessoa a cometer o delito. Mas diversas organizações de direitos humanos afirmam que não existem quaisquer provas de que a pena de morte tenha um efeito redutor no que diz respeito à criminalidade, assim como ela não intimida pessoas ligadas ao terrorismo.

Outro argumento é que a pena de morte seria antiética e exagerada para crimes considerados banais. Seria ético um Estado que mata? Seria a justiça uma forma de vingança? A pena de morte é a ação do Estado legitimada por uma lei que a autorize. Existe ainda outro aspecto, o mais grave: a irreversibilidade da pena caso a inocência do réu seja comprovada.

O governo brasileiro tenta reverter a pena aplicada a Gularte, diagnosticado com esquizofrenia, na Indonésia usando como argumento uma diretriz internacional do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos que veta a aplicação da pena de morte em algumas situações, entre elas, quando o réu apresenta um diagnóstico de doença mental ou é menor de 18 anos. No entanto, muitos países desconsideram essa diretriz. 

Pelo mesmo pacto, a aplicação da pena de morte decorrente de crimes relacionados com drogas viola a lei internacional. O pacto sugere que nos países que não tenham abolido a pena de morte, ela só seja imposta para os crimes mais graves.

O problema é que a interpretação do que são crimes graves varia e nem sempre estão listados na Constituição. É o caso da Indonésia, onde a legislação permite a pena de morte para “crimes graves”, mas sem especificar quais seriam esses crimes. Além da Indonésia, China, Irã, Malásia, Arábia Saudita e Singapura são alguns dos países que executam pessoas por praticarem crimes relacionados com drogas.

No Egito, por exemplo, a punição com a morte pela violência se mistura com a repressão aos opositores do governo. Em fevereiro deste ano, um juiz condenou 183 pessoas à pena de morte pela morte de 13 policiais durante os protestos, em 2013, depois que forças militares mataram mais de 700 pessoas, todos simpatizantes do presidente deposto Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana.

É a segunda condenação de manifestantes pró-Irmandade, o que vem preocupando ONU e outras organizações que defendem julgamentos justos, sem que critérios religiosos, políticos e diferenciados sejam usados para uns casos, e outros não. A expectativa das organizações de direitos humanos é de que a pena não seja cumprida.

O país, que hoje voltou a ser governado por militares, é um exemplo de como o aumento da radicalização religiosa e conflitos violentos dificultam o desenvolvimento de um ambiente social que permita o abandono da pena de morte e de sua execução.

Pena de morte varia entre culturas

Na Idade Média, as execuções eram vistas como espetáculo público e a pena significava a retribuição do mal pelo mal. O objetivo era ferir a moral do indivíduo e de sua família, tanto que as execuções eram feitas em praças públicas.

Nesse período, a morte pela fogueira se disseminou com a criação dos tribunais da Inquisição. A sentença valia para crimes religiosos, bruxaria ou por crimes de natureza sexual. No ritual, o fogo tinha caráter de purgação. Uma das personagens mais importantes da história, Joana D´Arc, heroína francesa da Guerra dos Cem Anos, foi condenada à morte por heresia e bruxaria e queimada viva em 1431. No século 20, ela teve a condenação anulada e foi canonizada.

Ao longo dos séculos, as formas de execução foram mudando. A decapitação, por exemplo, foi praticada na Europa até o fim do Antigo Regime. Depois, entre os séculos 18 e 19, a guilhotina foi muito usada.

Um importante teórico sobre a questão foi o jurista italiano Cesare Beccaria (1738-1794), cujas obras, especialmente o livro "Dos Delitos e Das Penas", são consideradas as bases do direito penal moderno. Ele argumentava que a pena de morte seria insuficiente e desnecessária. Para o jurista, se uma série de crimes de pesos diferentes for punida com a pena de morte, não haverá critério e a população não compreenderia a gravidade de um ou outro delito.

Além disso, Beccaria acreditava que "a perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade". Ou seja, a severidade da pena não inibiria um indivíduo a cometer um delito, mas a certeza da punição sim.

Hoje, alguns países ainda repetem os modos de execução operados antigamente. Enquanto nos Estados Unidos houve uma tentativa de “humanizar” – se o termo é possível -- a execução ao trocar o enforcamento e a cadeira elétrica pela injeção letal, o modo usado na maioria dos Estados norte-americanos que permitem a pena de morte, os países do Oriente utilizam meios mais violentos e antigos, como fuzilamento, enforcamento, apedrejamento e decapitação.

Na Arábia Saudita, por exemplo, a decapitação continua sendo uma das formas de execução, feita com o uso de uma espada. O enforcamento ainda é praticado em países como Afeganistão, Bangladesh, Botsuana, Cingapura, Egito, Irã, Iraque, Malásia, Coreia do Norte, Japão, Gaza, Síria, Sudão e Sudão do Sul, assim como o apedrejamento, executado no Afeganistão, Irã, Nigéria e Sudão, principalmente, como condenação para homossexualidade e adultério.

As organizações humanitárias, em especial a Anistia Internacional, seguem na campanha para reverter essa pena nos países em que ela é executada. No entanto, a briga é mais difícil quando a sentença é mais aplicada para punir a quebra de valores morais, religiosos e culturais do que por crimes reais. Pois a questão passa a ser transformar toda uma cultura e crença, e não apenas a legislação criminal.

Há também governantes que entendem que essa é a melhor política no combate ao crime e não abrem espaço para conversa. A morte de Archer e de outros condenados no início deste ano aconteceu após um hiato de quatro anos nas execuções na Indonésia. O novo presidente do país, Joko Widodo, que tomou posse no final de 2014, afirmou que a guerra às drogas seria sua prioridade. A previsão é de que, em breve, novas execuções aconteçam.

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