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Opus Dei - Obra de Dan Brown revela propensão para crer em mitos

Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

A Opus Dei se tornou recentemente o centro das atenções do grande público devido ao sucesso de "Código Da Vinci", uma obra de ficção, escrita por Dan Brown e depois adaptada para as telas do cinema, com Tom Hanks no papel principal, sob a direção de Ron Howard.

Enquanto ficção narrativa, o "Código" é uma obra cuja proposta é desmitificar a figura de Jesus.

Paradoxalmente, o livro se baseia em uma série de mitos modernos, como as célebres teorias da conspiração, segundo as quais, supostamente, diversas entidades -do governo norte-americano às mais mirabolantes sociedades secretas- já puseram em andamento planos maquiavélicos com objetivos terríveis, como dominar o mundo ou controlar a mente de seus habitantes.

O "Código da Vinci" trata de um imaginário casamento de Jesus com Maria Madalena, que o catolicismo e a Opus Dei, em particular, procurariam esconder da sociedade para lhe impor um credo essencialmente falso e dominá-la (certamente com a colaboração de outras seitas cristãs, como o luteranismo, o calvinismo, o anglicismo, o presbiterianismo e o pentecostalismo, que Brown deixa de lado).

Heróis e vilões
Como todo "thriller", "O Código da Vinci" tem seus heróis e vilões e foi justamente nestes últimos que o autor carregou nas tintas, apresentando como realidade uma série de mitos sobre a organização religiosa cristã Opus Dei ("Obra de Deus", em latim).

A entidade foi fundada pelo padre espanhol Josemaría Escrivá de Balaguer, em 1928. Atualmente, transformada em prelazia pessoal -status religioso que a coloca sob o comando de um prelado, que responde diretamente ao papa-, a Opus Dei está presente em 61 países, conta com 85 mil membros, dos quais 98% são leigos e apenas 2% sacerdotes.

Por sacerdotes, entenda-se padres e não monges, como o personagem Silas do livro de Brown. Na Opus Dei não pode haver lugar para monges - religiosos que se dedicam ao isolamento e à vida meditativa - uma vez que o propósito essencial da organização é se integrar à sociedade para tentar torná-la efetivamente cristã. Com esse intuito, a organização mantém inclusive um site na Internet.

Estrutura e obrigações
A Opus Dei se estrutura de maneira hierárquica e seus membros se dividem em três categorias. Em primeiro lugar, vêm os numerários que detêm os postos de liderança e promovem a formação espiritual dos outros integrantes. São também responsáveis pela expansão do grupo, fundando novos centros da organização. Os numerários vivem nesses centros e fazem voto de castidade. Podem trabalhar, mas seus salários alimentam os cofres da instituição.

Depois, há os supernumerários, que constituem cerca de 70% dos membros do grupo. Eles vivem em suas próprias residências e são livres para casar. Contribuem financeiramente com a Opus, mas possuem patrimônio próprio. Finalmente, existem os associados, que embora vivam em suas casas, também fazem voto de abstinência sexual.

Um vilão sob medida
O voto de castidade e outras práticas ascéticas -isto é, a abstinência, o desconforto e o sofrimento autoinfringido- tornaram a Opus Dei uma organização muito adequada ao papel de vilão que Brown precisava lhe atribuir. Para a sociedade do século 21, que se tornou essencialmente laica, isto é, não-religiosa, certas práticas causam tanta estranheza quanto a liberdade sexual da atualidade causaria aos homens do início do século 20.

Na Opus Deis, é comum o uso do cilício, uma corrente de metal com pontas que se usa na coxa duas horas por dia, e a "disciplina", uma corda com nós que o fiel usa para se golpear nas costas ou nas nádegas, uma vez por semana, enquanto faz suas orações.

Para uma sociedade como a nossa, que cultua o prazer sob todas as suas formas, a procura do aperfeiçoamento espiritual a partir dessas práticas ascéticas pode parecer uma forma de neurose, uma manifestação de puro masoquismo.

Mito e realidade
Historicamente, porém, o ascetismo se manifestou em diversas civilizações do oriente, muito antes de Cristo. A iluminação de Sidarta Gautama (563 a.C-483 a.C), o Buda, teria acontecido após a sua convivência com um grupo de ascetas hindus. O hinduísmo via na mortificação do corpo uma maneira de manter os desejos e as paixões sob controle.

Levando-se em conta essas considerações, vê-se que a intenção de "O Código da Vinci" de revelar uma verdade supostamente escondida não passa mesmo de ficção. Para funcionar enquanto ficção, porém, ela precisa ser verossímil, ou seja, parecer real. Mas as aparências enganam.

A compreensão da realidade não é nem um pouco simples, a simplificação esquemática de um thriller como o de Dan Brown, via de regra, só cria novos mitos. E é muito fácil crer em mitos, tomando a ficção por realidade. Em épocas de Copa do Mundo, por exemplo, os brasileiros acreditam piamente que são invencíveis nos gramados...

Maomé, o fundador do islamismo, sabia bem dessa dificuldade de ver a realidade como ela é. Por isso, fazia uma prece que é sem dúvida um exemplo de sabedoria, por trás de sua aparente singeleza. Nela, diz o profeta muçulmano: "Senhor, mostra-me as coisas como elas são". É um senhor pedido, independentemente de se crer num Deus ou não.

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