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Homofobia - preconceito, violência e crimes de ódio

A modelo transexual Viviany Beleboni protestou contra a homofobia durante a 19ª Parada do Orgulho LGBT, em SP, em junho de 2015 - Sérgio Castro/Estadão Conteúdo
A modelo transexual Viviany Beleboni protestou contra a homofobia durante a 19ª Parada do Orgulho LGBT, em SP, em junho de 2015 Imagem: Sérgio Castro/Estadão Conteúdo

Por Carolina Cunha

Da Novelo Comunicação

O atentado na boate Pulse ocorrido em junho, em Orlando, nos Estados Unidos, é considerado o maior ataque a tiros da história dos Estados Unidos. Usando um fuzil e uma pistola, Omar Mateen, cidadão americano, filho de afegãos, assassinou 49 pessoas e deixou 53 feridas antes de ser morto pela polícia no local.

Logo após o massacre, Mateen declarou ter agido em nome do Estado Islâmico, que mais tarde reivindicou a ação. Mesmo que se confirme a ligação do atirador com o grupo terrorista Estado Islâmico, o crime pode ser considerado um ato de homofobia, porque a boate Pulse era conhecida por ser frequentada pelo público LGBT. Depois do atentado, o presidente americano Barack Obama afirmou: "O lugar onde foram atacados é mais que uma casa noturna – é um lugar de solidariedade e empoderamento onde pessoas se reúnem para se informar, se expressar e lutar por seus direitos civis".

A palavra “homofobia” surgiu na década de 1960, deriva do grego e significa “medo ou terror de iguais”. Entende-se por homofobia a discriminação (e demais violências daí decorrentes) contra pessoas em função de sua orientação sexual e/ ou identidade de gênero.

Pessoas homofóbicas sentem grande desconforto e intolerância quando pensam em homossexualidade. Motivada pelo preconceito, a homofobia pode levar a violência física, institucional, psicológica e sexual contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis ou transexuais.

Brasil e os crimes de homofobia

A população LGBT constitui um grupo vulnerável, sendo alvo de inúmeras violações de direitos humanos em muitas partes do mundo. Em vários países, o afeto e as relações sexuais consentidas entre adultos do mesmo sexo são consideradas crime e punidas com prisão ou até com a pena de morte.

O Brasil é um dos países mais perigos para gays, lésbicas e transexuais. Em média, uma pessoa LGBT é morta a cada 27 horas. Segundo dados da organização Grupo Gay da Bahia, nos últimos quatro anos e meio, 1,6 mil pessoas morreram em ataques homofóbicos no país. Os números de mortes foram coletados com base em registros policiais e notícias. Em 2015, 318 pessoas foram mortas vítimas de homofobia.

Dados da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal revelam que, em 2013, foram registradas 1.965 denúncias de 3.398 violações relacionadas à população LGBT. O número pode ser ainda maior devido ao elevado índice de subnotificação (casos que não são relatados para a polícia). As denúncias incluem espancamentos, agressões e até os chamados “estupros corretivos”.

Proporcionalmente, as travestis e transexuais são as mais vitimizadas, apesar da população ser considerada pequena. O risco de uma “trans” ser assassinada é 14 vezes maior que um gay. Segundo a rede Transgender Europe, mais da metade dos homicídios registrados contra transexuais do mundo ocorrem no Brasil. De 2008 a 2015, ocorreram no Brasil 802 casos. Um dos motivos é que o grupo está em maior situação de vulnerabilidade social e marginalização.

Direitos e Leis

Em 2011, o IBGE identificou 67 mil casais homoafetivos vivendo juntos no país. Os números podem ser bem maiores, considerando que nem todos LGBT se declaram homossexuais nas pesquisas.

Nas últimas decádas, a visibilidade da população LGBT no Brasil é cada vez maior. A Parada Gay de São Paulo é hoje considerada a maior do mundo. E cada vez mais empresas estão apresentando seus produtos em propagandas que mostram casais formados por dois homens ou duas mulheres, para refletir os novos arranjos familiares.

No campo jurídico, o casamento homoafetivo é estendido a todo o Brasil desde 2013, quando entrou em vigor a Resolução 175, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que determina que cartórios de todo o país não podem se recusar a celebrar casamentos civis de pessoas do mesmo sexo. Antes disso, já havia decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que reconhecem que o cidadão deve ter direitos civis iguais.

O país, no entanto, está longe de acabar com o preconceito e a violência contra o público LGBT. São comuns relatos de casais do mesmo sexo que enfrentam diariamente constrangimentos e não se sentem seguros em manifestar o afeto em bares, restaurantes e locais de comércio. Nas ruas, enfrentam o assédio e ameaças verbais; no trabalho e nas escolas, adolescentes e jovens muitas vezes são vítimas de bullying.

Diversos países adotam leis específicas contra crimes de ódio, aqueles cometidos quando o criminoso seleciona intencionalmente a sua vítima em função de esta pertencer a um certo grupo. Na Espanha, Suécia, Canadá e Inglaterra, por exemplo, o Código Penal prevê punições para crimes motivados pelo ódio e incluem a orientação sexual na lista de motivações da violência.

A lei nº 7.716 decreta que serão punidos “os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Movimentos sociais buscam incluir na Constituição outros tipos de crimes de ódio e que atentam contra a dignidade humana.

Apesar dos recentes avanços nos direitos LGBT, a prática da homofobia não é tipificada como crime no Brasil. Projetos de leis nesse sentido foram apresentados no Congresso Nacional e buscam criminalizar as manifestações de homofobia e os crimes de ódio contra os homossexuais.

Defensores dessas propostas entendem que a Constituição tipifica crimes de intolerância, aqueles praticados por preconceito ou discriminação. Mas na legislação ainda não há enquadramento específico para a discriminação sexual, ao contrário da lei que pune crimes raciais, por exemplo. Como não há uma lei que determine a homofobia como crime, não existe punição. Uma lei específica poderia ajudar no combate a essas agressões e ter uma função “educativa” ou que seja um instrumento de prevenção.

A lei 7716/89 deu à prática do racismo a tipificação de crime inafiançável e definiu como crime, dentre outras questões, quando a pessoa negra é proibida de entrar em locais públicos ou quando alguém tenta impedir, por qualquer meio ou forma, o casamento ou a convivência familiar e social em razão da cor da pele.

Em 2006, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto da deputada Iara Bernardi que criminaliza a homofobia. O PLC (projeto de lei complementar) 122 alterava a Lei do Racismo, que prevê punição para discriminação ou preconceito por causa de raça, cor, etnia, religião ou nacionalidade. Para esses crimes, a pena pode chegar a cinco anos de prisão. Caso houvesse a aprovação da proposta, seriam incluídos na lei crimes de ódio por gênero, sexo, orientação sexual ou identidade sexual. Porém, em 2015 a PLC-122 foi arquivada ao chegar ao Senado.

A tentativa de criminalizar homofobia pode voltar por outras propostas legislativas. Um dos mais recentes é o projeto de autoria da deputada Maria do Rosário, que tipifica crimes de ódio e intolerância contra diferentes grupos.

Grupos evangélicos e cristãos estão entre os principais críticos de leis que criminalizam a homofobia, alegando que elas poderiam impor uma “mordaça” aos líderes religiosos ao ameaçar a liberdade de expressão dos fieis. Outro argumento é que já existem leis que punem homicídios e agressões físicas no Brasil. Porém, esse pensamento não leva em conta as formas de violência mais sutil, como a verbal e a psicológica.

Motivações da Homofobia

A orientação sexual se refere a desejos e atrações sexuais de um indivíduo. No passado, a homossexualidade já foi considerada uma doença. Hoje, o Conselho Federal de Psicologia a entende como uma variação normal da orientação sexual humana. Em 1990, a Organização Mundial da Saúde tirou a homossexualidade da lista de doenças ou transtornos.

A homofobia tem raízes na cultura da nossa sociedade. Tradicionalmente, a nossa cultura se assenta numa estrutura “heteronormativa”. O termo significa que a norma, o padrão ou o considerado “normal” em uma sociedade é que a pessoa seja heterossexual (sinta atração pelo gênero oposto). Nesse sentido, todas as outras formas de variações de comportamento e orientação sexual seriam consideradas “antinaturais”, como o homossexual (aquele que sente atração pelo mesmo gênero), o bissexual (atraído pelos dois gêneros) ou o assexual (que não tem desejo sexual).

Pessoas homofóbicas acreditam que a heteronormatividade é o correto, e quando elas são confrontadas com outras formas de sexualidade, não as toleram e podem sentir raiva, vontade de agredir o outro ou aversão total à aprovação de direitos individuais LGBT. Ou seja, não se trata apenas de aceitar ou não uma orientação sexual, mas de se colocar de maneira hostil e agressiva a ela, sem o respeito ao outro e às diferenças.

Casos extremos de homofobia trabalham com a “lógica do extermínio” e podem ser comparados ao sentimento de terroristas muçulmanos quererem matar ocidentais porque não têm as mesmas crenças. Ou ainda, ao preconceito de brancos contra negros durante o período do apartheid na África do Sul, que acreditava na divisão racial.

Pontos-chave

- Homofobia é a discriminação (e demais violências daí decorrentes) contra pessoas em função de sua orientação sexual e/ ou identidade de gênero.

- O Brasil tem uma morte de LGBT a cada 27 horas. Segundo dados da organização Grupo Gay da Bahia, nos últimos quatro anos e meio, 1,6 mil pessoas morreram em ataques homofóbicos no país. 

- No Brasil, apesar dos recentes avanços em direitos LGBT, a prática da homofobia não é tipificada como crime.

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