Guerrilha do Araguaia - Memórias de uma guerra suja
(Atualização em 9/3/2014, às 23h23)
Trinta e quatro anos depois, novos fatos sobre a Guerrilha do Araguaia (1972-1975) relevam detalhes sobre um dos períodos mais obscuros da história contemporânea do Brasil, além de contribuírem para pressionar autoridades pela abertura de arquivos até hoje mantidos em segredo.
A guerrilha foi o maior movimento armado contra a ditadura militar (1964-1985) promovido pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), que, à época, estava na ilegalidade.
Um grupo de 98 guerrilheiros - 78 jovens das grandes cidades e 20 camponeses recrutados no Araguaia - enfrentou o Exército durante três anos na floresta amazônica, na região entre os estados do Pará e Tocantins. Desse total, 68 foram mortos, incluindo um "justiçado" pelos próprios colegas. Outros 11 militares morreram em conflitos ou por "fogo amigo".
O Exército deslocou um efetivo de aproximadamente 5 mil homens, na maior mobilização militar no país desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em três campanhas. Somente a última campanha obteve sucesso, com a ajuda de mateiros da região e militares infiltrados entre os moradores.
Tudo isso, no entanto, ocorreu sem que a população brasileira soubesse de nada. Os veículos de comunicação estavam sob censura do regime militar e não podiam relatar a guerra que acontecia no meio da selva amazônica.
Com o fim da guerrilha, os militares firmaram um pacto de silêncio e os documentos referentes às ações foram mantidos, desde então, em sigilo, deixando as famílias sem saber em que condições os militantes foram mortos e onde os corpos foram enterrados.
Campos de extermínio
Em reportagem em 2009, o jornal "O Estado de S. Paulo" revelou que 41 guerrilheiros - de um total de 67 mortos pelos agentes do governo - foram executados após terem sido rendidos e amarrados em bases militares na Amazônia. Os dados confrontam as informações oficiais, que davam conta da execução sumária de apenas 25.
Sebastião Curió, conhecido como Major Curió, que foi denunciado por crimes contra ditadura
A matéria do jornal foi baseada nos arquivos do tenente-coronel da reserva do Exército, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o "major Curió", um dos personagens mais famosos da história do Araguaia. Ele participou da terceira campanha militar que dizimou a guerrilha.
As revelações são importantes porque confirmam uma política de extermínio adotada pelo Exército. "A ordem superior era não deixar rastros da guerrilha, para poupar o Brasil de uma guerrilha, de uma Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia], um movimento montonero [guerrilha urbana argentina], um Sendero Luminoso", disse o major Curió em entrevista ao jornal, se referindo a outras organizações comunistas que recorreram à luta armada na América Latina.
De acordo com os relatos, somente adolescentes que se renderam foram poupados pelos militares.
Pela primeira vez, em detalhes, foi exposto o método de extermínio empregado pelas Forças Armadas na região. Segundo as anotações do militar, os prisioneiros eram levados a pé ou de helicóptero para clareiras na mata, onde eram mortos e deixados em valas. As informações, agora, podem ajudar na busca por restos mortais dos combatentes.
Roda viva
Para a juventude atual, nascida no Brasil pós-ditadura, pode parecer loucura a atitude de estudantes universitários que deixaram suas casas para pegar em armas e se embrenhar na mata, na defesa de um ideal.
Mas nos anos de 1960, o objetivo dos guerrilheiros de implantar um regime comunista, nos moldes da China, era uma alternativa viável à ditadura militar, que tinha apoio dos Estados Unidos e era sustentada pelo "milagre econômico".
A luta armada só foi usada como método porque foi a única opção que restou, depois que o decreto AI-5 (Ato Institucional nº 5), publicado em 1968, endureceu a repressão contra os movimentos político e estudantil. Com o AI-5, o Congresso foi fechado e as garantias constitucionais dos cidadãos, suspensas.
Neste período, dezenas de políticos, artistas, professores, sindicalistas e estudantes foram presos e torturados no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), criado para reprimir os adversários do regime, enquanto outros foram exilados do país. Os casos de tortura foram posteriormente documentados no livro "Brasil: Nunca Mais".
Foi neste contexto que, mal preparados e armados, os militantes começaram a chegar na região do Araguaia em 1966. Eles se misturaram à população local de pequenos agricultores, conquistando aliados entre a comunidade. Além dos nativos recrutados, outros 158 camponeses deram abrigo, alimento e informações aos guerrilheiros. Parte dos moradores vítimas das campanhas militares já foram indenizados por determinação da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Os desaparecidos
No começo dos anos de 1980, com o início das lutas pela redemocratização do Brasil, familiares de integrantes da milícia comunista começaram a cobrar, via Justiça, a abertura dos arquivos militares. Eles queriam localizar os restos mortais dos guerrilheiros mortos.
O caso chegou até a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que em março de 2009 apresentou uma queixa formal contra o Brasil pelas prisões, torturas e mortes ocorridas no Araguaia, incluindo a recusa do governo em abrir os arquivos da ditadura.
Em 29 de abril, o então ministro da Defesa Nelson Jobim assinou uma portaria criando um grupo para localizar e identificar as ossadas. A Lei da Anistia, promulgada em 1979, impede que crimes de guerra cometidos no período da ditadura sejam julgados, mas uma interpretação jurídica entende que crimes de tortura constituem uma exceção. Isso, em parte, explica a relutância em tornar públicas as informações sobre o Araguaia.
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