Guerra do gás - Moscou pune calote de vizinho e afeta toda Europa
O que fazer quando uma briga entre vizinhos deixa todo o condomínio às escuras, sem energia elétrica? É mais ou menos o que está acontecendo hoje na Europa, mas com relação ao gás. Por conta de um desentendimento comercial, a Rússia interrompeu no Ano Novo o fornecimento do produto para a vizinha Ucrânia, prejudicando o abastecimento em toda região.
O problema é que a Ucrânia redistribui, por meio de seus gasodutos, 80% do gás russo vendido para Europa - sendo que um quarto de todo gás europeu provém da Rússia. Como resultado, a briga entre os dois países ganhou dimensão internacional.
O impasse afeta diretamente a população, uma vez que o gás garante a calefação das casas no inverno europeu, que registra temperaturas abaixo de zero. Além disso, a falta do hidrocarboneto nas empresas pode prejudicar ainda mais as finanças, em tempos de crise econômica mundial.
Pelo menos 15 países europeus já foram afetados e, em alguns casos, tiveram o abastecimento reduzido em até 90%. Entre as nações atingidas estão Hungria, Polônia, Romênia, Turquia, República Tcheca, Bulgária, Áustria, Croácia, Bósnia, Grécia e Macedônia. Países da Europa Ocidental, como Alemanha, França e Itália, também sofreram cortes no fornecimento.
Na Bulgária, por exemplo, 92% do gás consumido são de origem russa. O país anunciou que as reservas se esgotam em um mês, caso o abastecimento não seja regularizado.
A União Europeia, em seu papel de "síndica" do condomínio, exigiu que as empresas de gás de Ucrânia e Rússia cheguem a um entendimento, mas evitou tomar partido de um dos países. Estão previstas novas rodadas de negociações.
Dívidas
Toda a confusão aconteceu porque Moscou acusou o vizinho de dar um calote, além de desviar o produto comprado por outros clientes. Há também interesses políticos em jogo, que ainda não foram totalmente esclarecidos pelos Estados.
A Gazprom, empresa que detém o monopólio do gás na Rússia, é a maior exportadora de gás natural do planeta. Ela acusa a Ucrânia de roubar, todos os dias, 65,3 milhões de metros cúbicos de gás destinado a países do bloco. Os ucranianos negam a acusação de roubo.
Mas o principal motivo das torneiras fechadas diz respeito ao contrato comercial entre as empresas de energia. A Naftogaz, firma de gás ucraniana, oferece US$ 201 (R$ 437) por mil metros cúbicos de gás, contra os U$ 250 (R$ 544) que a Rússia quer receber a partir deste ano. A Gazprom recusou a oferta.
A Naftogaz apresentou então uma contraproposta de US$ 235 (R$ 514), e ainda aguarda uma resposta da gigante russa.
Já a tarifa de trânsito, ou seja, a taxa cobrada pela redistribuição de gás natural russo pelos gasodutos ucranianos, hoje é U$ 1,76 (R$ 3,83) por mil metros cúbicos a cada 100 km. A Naftogaz quer aumentar o valor para U$ 2,05 (R$ 4,46).
A Ucrânia alega que a crise econômica tornou difícil atender às expectativas comerciais do vizinho. Enquanto a Rússia diz que os preços são os melhores da praça.
Além disso, a empresa russa cobra o pagamento de uma dívida de US$ 2 bilhões, referente a multas de atraso em pagamentos.
Diariamente, a Rússia envia 326 milhões de metros cúbicos de gás para a Europa. Em 2006, uma briga semelhante levou a Ucrânia a barrar a passagem do combustível por seus gasodutos.
Monopólios
A política da energia, preponderante em boa parte das relações comerciais entre governos, também é fonte de conflitos no Oriente Médio e América Latina. O monopólio de derivados do petróleo por alguns países pode causar desde um simples desgaste nas relações diplomáticas até intervenções armadas, como no caso dos Estados Unidos em países árabes.
Em 2006, por exemplo, a nacionalização das reservas de gás natural na Bolívia pelo presidente Evo Morales levou à ocupação de refinarias estrangeiras, incluindo a Petrobrás. A atitude provocou uma crise com o Brasil, que depende do produto boliviano para abastecer seu parque industrial.
Na Venezuela, o petróleo é o principal motor da economia e também, nas mãos de Hugo Chavez, uma poderosa arma política para negociações.
Mas esse panorama geopolítico vai mudar nas próximas décadas. A escassez de petróleo, somada a questões como o aquecimento global e crise econômica, deverá gradualmente aumentar os investimentos em fontes alternativas de energia (como os biocombustíveis, além do Sol, do mar e do vento), que não são exclusividades de algumas nações.
Limpo e barato
O petróleo e o gás natural são chamados combustíveis fósseis, que são aqueles formados no processo de decomposição de animais e plantas que leva milhares de anos. Para quase tudo dependemos do petróleo e seus derivados, desde o carro que nos leva ao trabalho até o plástico em que carregamos o lanche.
Mas há um porém: são recursos escassos que, uma vez esgotados, não podem ser fabricados artificialmente. É preciso esperar outros milhões de anos para que a natureza os deposite novamente no subsolo.
A tendência é que o combustível fique cada vez mais raro e caro. E, como o preço do petróleo puxa os demais, dispara a inflação, as pessoas consomem menos, a produção cai e aumenta o desemprego.
Por isso, além de motivos ecológicos óbvios (a emissão de poluentes), há fortes razões econômicas para o mundo investir em fontes de energia mais baratas.
E, diferente de petróleo e gás, todo país conta com uma reserva própria de energia renovável, vinda do litoral ou do Sol. Portanto, conflitos como os que ocorrem atualmente por conta do gás europeu serão, num futuro próximo, coisas do passado.
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