Transpacífico - Riscos e metas do acordo de comércio global
A existência do comércio livre entre as nações é uma das características da economia contemporânea e ajudou a moldar o final do século 20 com a expressão “a era da globalização”.
Com o fim da Guerra Fria, após queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética, começou um novo período da economia internacional, capitaneado por novos tratados de comércio. Geralmente, esses acordos buscam oferecer um maior dinamismo à economia internacional com a redução de práticas protecionistas e barreiras alfandegárias entre os países signatários.
O avanço da fragmentação da produção em escala mundial, com a formação de cadeias globais de valor que organizam os processos produtivos envolvendo vários países, vem aumentando consideravelmente a interdependência econômica entre as nações.
Fatores como a redução dos custos do transporte internacional de bens e mercadorias e tarifas, as revoluções tecnológicas, o aprofundamento da divisão internacional do trabalho e a expansão das empresas multinacionais facilitaram esse avanço e levaram àquela que é considerada uma das principais características do comércio no século 21: a dispersão das diferentes etapas envolvidas na produção de um determinado bem em diferentes países.
Por essa lógica, insumos, partes, peças, serviços – ou seja, cada etapa ou tarefa envolvida na produção de um bem final – são produzidos onde quer que estejam disponíveis os materiais e as habilidades necessários, desde que tenham um preço e qualidade competitivos.
Com isso, a relação entre grandes e pequenas economias se intensificou – nem sempre da maneira mais justa devido a casos de exploração de mão de obra e a outras questões- e tornou-se importante estabelecer diferentes parcerias, acordos e negócios com determinados países, buscando sempre mais benefícios para os envolvidos.
Esse cenário permitiu, a partir dos anos 2000, um crescimento dos acordos regionais de comércio. Somente entre 2000 e 2010 foram assinados 241 acordos regionais de comércio, segundo a OMC (Organização Mundial de Comércio). São exemplos desses acordos o NAFTA, Mercosul, União Europeia, entre outros.
Esse fenômeno, conhecido como a “terceira onda de regionalismo” (ou acordos regionais), caracterizou-se pela pulverização de acordos com a criação de regras e mecanismos de integração que vão além do regime multilateral de comércio e das regras impostas pela OMC.
O diferencial desses novos acordos é que eles aprofundam ainda mais o conceito de comércio, incorporando padrões trabalhistas e ambientais à agenda e tratando da regulação sobre investimentos e direitos de propriedade intelectual.
O Acordo de Associação Transpacífico (TPP, em sua sigla em inglês) nasce querendo ser a principal referência desse tipo de acordo comercial.
Acordo Transpacífico reúne 40% da riqueza do mundo
Em 2015, mais um bloco econômico foi formado. Estados Unidos, Japão, México, Peru, Chile, Canadá, Malásia, Cingapura, Vietnã, Brunei, Austrália e Nova Zelândia assinaram em outubro o Acordo de Associação Transpacífico (TPP, em sua sigla em inglês). Segundo o presidente norte-americano Barack Obama, o tratado é “o marco comercial do século 21”. Isso porque ele reúne 40% do PIB global, com números que podem equilibrar ou desequilibrar a balança econômica mundial.
A história desse acordo começa em 2005, com o objetivo de estreitar as relações econômicas entre Brunei, Chile, Cingapura e Nova Zelândia. Ao longo dos anos foi gerando interesse em outros países e passou a ter mais membros, até chegar a um novo grupo com 12 países, numa tentativa de promover uma área de livre comércio entre países da região do Oceano Pacífico, tanto da Ásia como das Américas.
O empenho dos EUA em aderir ao TPP é visto por muitos especialistas como uma tentativa indireta de enfraquecer a economia chinesa no continente asiático. Desde o início do século 21 a China se mostra um dos maiores mercados consumidores e zonas de investimentos do cenário internacional, embora esteja passando por um momento desaceleração econômica, e tornou-se o maior rival dos EUA na região.
Oficialmente, o TPP pretende eliminar ou reduzir as barreiras alfandegárias entre os países membros, facilitar o acesso a mercados de bens, serviços e investimentos, bem como criar um mecanismo de ajuste e atenuação de problemas comerciais. A princípio, não difere do objetivo de outros acordos entre países.
No entanto, no papel, este novo bloco pretende ir além de outros acordos comerciais ao ser classificado como um megabloco e inserir em seu texto questões que vão desde convergência regulatória, intercâmbio de informações e de propriedade intelectual, estabelecimento de princípios trabalhistas e medidas de conservação ambiental, além de pensar em uma nova estrutura de governança para o funcionamento da produção fragmentada.
A OMC é quem controla o funcionamento do sistema multilateral de comércio internacional. Essa estrutura visa garantir a livre competição entre os países membros, eliminar os obstáculos ao comércio global e permitir o acesso cada vez mais amplo de empresas ao mercado externo de bens e serviços. Para quem defende mudanças, como os EUA, a organização não avança em novas questões e fica muito presa ao tema da agricultura e às negociações levadas às Rodadas de Doha.
Mega-acordos como o TPP buscam aprofundar os compromissos assumidos no plano multilateral ou que nunca foram objeto de disciplina neste sistema. Nesse sentido, há quem avalie que o acordo pode bater de frente com a OMC, e por isso as críticas ao TPP, que assim seria mais um negócio político do que comercial, tentando impor novas regras ao comércio global.
Há ainda críticas sobre privacidade individual e patentes e serviços prestados na internet, por exemplo. Uma cópia do que se alega ser uma versão intermediária do texto do acordo sobre este tema foi publicado pelo site WikiLeaks em novembro de 2013. O fundador, Julian Assange, declarou que pontos importantes do acordo vêm sendo negociados em segredo e que podem representar uma ameaça às liberdades individuais e à propriedade intelectual por trazer implicações especialmente no que se refere às patentes da área farmacêutica e às normas de copyright de conteúdo veiculado e transmitido via internet.
A negociação de acordos regionais é quase sempre marcada por forte assimetria de poder entre as partes. No caso desse, chama atenção a heterogeneidade entre os participantes. O receio é que os países mais fortes exerçam sua força para estabelecer regras de acordo com as suas necessidades e interesses.
O novo acordo de livre mercado para a região ainda deverá ser ratificado pelo Congresso dos EUA. A ideia é formalizar completamente o TPP já no ano de 2016.
Impacto sobre o Brasil e economias emergentes
É provável que o TPP prejudique, por exemplo, as exportações de países que não pertencem ao bloco, como o Brasil. A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) projetou um cenário futuro em que o Brasil poderá perder competitividade na indústria. Porém, a exportação de commodities (matérias-primas) não será prejudicada com o acordo. Atualmente produtos agrícolas e minérios representam a maior fatia das exportações brasileiras.
Críticos avaliam que o acordo deixa o Brasil ainda mais isolado no protagonismo global. Ao contrário de outros países, os governos brasileiros não acompanharam a tendência de acordos comerciais regionais. Nas últimas décadas, o país priorizou a inserção multilateral em detrimento da assinatura de acordos regionais e bilaterais de comércio, com exceção do Mercosul. Em 2014, o Mercosul movimentou 55 milhões de dólares. Com a estagnação econômica e o baixo crescimento dos países-membros, o bloco ainda é visto como tímido na economia global.
E quanto aos Brics? Ao contrário do que muitos pensam Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul não compõem um bloco econômico, mas sim um bloco de países com índices de desenvolvimento e situações econômicas parecidas. Eles formam uma espécie de aliança que busca ganhar força no cenário político e econômico internacional defendendo interesses comuns e buscando formalizar acordos e medidas.
Em entrevista à imprensa, Armando Monteiro, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, disse que uma saída para Brasil em relação aos impactos do TPP seria uma aproximação entre o Mercosul e a União Europeia. Conversas entre delegações dos dois blocos já estão acontecendo para um novo acordo de cooperação acontecer.
Por outro lado, a convergência regulatória entre os membros do Transpacífico pode resultar em benefícios para países externos, especialmente se vier acompanhado de simplificação das normas, aumento da transparência e redução de tarifas, inclusive o Brasil.
BIBLIOGRAFIA
Parceria Transpacífico: Um acordo megarregional na fronteira da regulação do comércio internacional, de Flavio Lyrio Carneiro (Ipea, 2015). Disponível online
O Brasil e as grandes tendências do comércio internacional no século 21, de Rafael Henrique Dias Manzi. Boletim Meridiano 47, UnB (2014). Disponível online
Acordos comerciais internacionais: o Brasil nas negociações do setor de serviços financeiros, de Neusa Maria Pereira Bojikian (Editora Unesp; 2009)
O Brasil e a economia internacional, de Paulo Nogueira Batista Junior (Elsevier Editora; 2005)
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