Estatuto do Desarmamento - novos projetos de lei buscam alterar o acesso a armas de fogo
Armas são produtos perigosos e dependem de regras para serem vendidas. A Lei do Desarmamento (10.826/03) traz normas que regulamentam a produção, a comercialização e o uso de armas de fogo. Em 2005, o Brasil realizou um plebiscito sobre a continuidade da venda de armas no país. Os brasileiros rejeitaram a alteração na lei. Como resultado, continuam em vigor as normas do Estatuto.
O Estatuto do Desarmamento voltou a ser discutido após o site do Senado Federal abrir uma consulta pública sobre o Projeto de Decreto Legislativo 175/17, que propõe a revogação do Estatuto. A consulta no site gerou grande repercussão nas redes sociais e deve permanecer aberta enquanto a proposta tramitar na Casa. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aguardando a avaliação.
O projeto do senador Wilder Morais (PP-GO) busca tornar menos rígida a legislação sobre o assunto. Ele propõe a realização de um plebiscito, junto com as eleições gerais do ano que vem, para que a população se manifeste sobre a liberação do porte de armas de fogo para cidadãos residentes em áreas rurais e a revogação do Estatuto do Desarmamento e sua substituição por um instrumento normativo que assegure o porte desse tipo de arma a qualquer pessoa que preencha os requisitos estipulados em lei.
O texto prevê a realização de campanha pela Justiça Eleitoral no rádio, na televisão e na internet para esclarecer a população sobre o plebiscito e garantir espaço idêntico para manifestações a favor e contra a revogação do Estatuto do Desarmamento e a liberação do porte de armas.
Outros projetos que tramitam no Congresso Nacional também buscam tornar mais fácil comprar armas no Brasil. O mais polêmico é o Projeto de Lei 3722/2012, de autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB/SC). O texto pretende liberar o porte de armas, reduzir a idade mínima para adquiri-las e eliminar a necessidade de renovação do registro de posse, que passaria a ser vitalícia (dispensando exames regulares como o psicológico). Segundo a proposta, apenas pessoas condenadas poderiam não obter a licença.
Quem pode ter armas no Brasil?
A Constituição Federal garante a todos os cidadãos “a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Com a crescente sensação de insegurança no país, cresce o debate sobre a liberdade de o cidadão poder se defender.
Quem é a favor do acesso a armas argumenta que o Estado não garante a proteção integral do cidadão. Diante da incapacidade do Estado em garantir a segurança pública em todos os lugares do país, o cidadão teria o direito de se defender em caso de assaltos, latrocínios, sequestro, exposição à violência e outros crimes.
“O direito à defesa em nada tem a ver com fazer Justiça com os próprios meios, a liberdade de acesso às armas inclui o direito à defesa, mas não se resume a ela. O fato de o cidadão poder se defender não tira da polícia ou do Estado nenhum direito. Nenhum cidadão armado vai cumprir mandado de busca e apreensão, vai sair perseguindo bandido, vai fazer inquérito, vai fazer papel de polícia”, argumenta o presidente do Instituto de Defesa, Lucas Silveira.
A atual legislação não proibiu a compra de armas pelo cidadão, mas restringiu o seu acesso. Quem é contra o Estatuto alega que existe muita burocracia e obstáculos para comprar e registrar uma arma.
Hoje é possível comprar uma arma para defesa pessoal, respeitando critérios da lei como ter no mínimo 25 anos, não estar sendo investigado por crimes graves, ter o Exame técnico por instrutor credenciado na Polícia Federal e comprovar a aptidão psicológica. As armas licenciadas devem ser cadastradas e registradas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm). Com o registro, a arma pode ser mantida em casa ou no local de trabalho do proprietário, já com o porte, o cidadão pode andar armado.
Mas quem pode andar armado nas ruas? A lei restringe a concessão de porte de arma apenas às categorias profissionais que dependem de armamento para o exercício de suas atividades (como policiais, integrantes das forças armadas e guardas prisionais) e pessoas autorizadas pela Polícia Federal (que precisam, comprovadamente, andar armadas).
Segundo as Nações Unidas, o Brasil tem 15 milhões de armas de fogo (8 para cada 100 habitantes) e ocupa a 75ª posição em um ranking que analisou a quantidade de armas nas mãos de civis em 184 nações.
Dados do Exército mostram que desde 2004, mais de 750 mil armas foram vendidas no Brasil e mais de 190 mil novos registros de arma foram concedidos a cidadãos comuns para defesa pessoal.
Apesar do maior controle, milhares de armas roubadas ou furtadas de cidadãos vão parar nas mãos de criminosos, contribuindo para a violência armada. No estado do Rio de Janeiro, um levantamento da Polícia Federal aponta que o armamento desviado representa cerca de 30% do volume disponível em todas as empresas de segurança.
A relação entre o Estatuto e o número de homicídios
As estatísticas existentes sobre o número de armas de fogo em circulação no Brasil são consideradas incompletas e pouco confiáveis por especialistas das áreas de segurança pública. Isso porque o mercado paralelo não é contabilizado. Quando se fala no impacto da violência, são analisadas as estatísticas da mortalidade que essas armas originam.
O estudo mais confiável sobre violência homicida no Brasil é o Mapa da Violência. No país, 71% dos homicídios são cometidos por arma de fogo, enquanto 16% são causados por objetos cortantes ou penetrantes. Por ano, morrem cerca de 40 mil pessoas vítimas de arma de fogo no Brasil (dados de 2014).
Os críticos do Estatuto avaliam que a lei não resultou na redução dos índices de criminalidade e na taxa de homicídios por armas de fogo no Brasil. Segundo o Mapa da Violência, se matou 1,36% mais no Brasil nos anos posteriores ao Estatuto e que se utilizou 7% mais armas de fogo nesses crimes.
Porém, ao considerar o crescimento dos homicídios por armas de fogo ao longo das últimas décadas, entre 1980 e 2003, a pesquisa avalia que o crescimento foi sistemático e constante, com um ritmo acelerado: 8,1% ao ano. O pico foi em 2003, com 36 mil mortes. A partir de 2004 (já com o Estatuto), os homicídios continuaram a crescer, porém, numa taxa menor. Desde então, o índice caiu para 2,2% ao ano.
Segundo o Instituto Sou da Paz, o Estatuto ajudou a frear a taxa de homicídios e caso aja mais armas nas ruas, muito mais pessoas serão mortas em nosso país. “É absolutamente irresponsável por parte do governo achar que armas nas mãos de cidadãos resolverão os problemas de segurança”, comenta Ivan Marques, diretor-executivo da entidade.
A questão das políticas públicas de segurança
Analistas de segurança avaliam que são necessárias verdadeiras ações de enfrentamento contra o crime, como o aumento do policiamento, o funcionamento correto do sistema judiciário e a melhoria de políticas públicas de segurança.
Em 2013, a pesquisa "Evolução e determinantes da taxa de homicídios no Brasil", do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sugeriu que um maior policiamento e prisões são uma medida eficiente para reduzir o homicídio. Para fazer o estudo, os pesquisadores produziram um banco de dados e analisaram indicadores do período de 2003 a 2009 de 26 estados e do Distrito Federal.
“De maneira geral, nossos resultados comprovam que prender mais bandidos e aumentar o policiamento são armas válidas para reduzir a taxa de homicídios, independentemente do que ocorra com outras variáveis socioeconômicas”, diz o estudo.
No estudo foi feita uma projeção: um aumento de 10% de PMs nas ruas provocaria queda de 3,4% em mortes do próximo ano. Em cinco anos, o efeito acumulado poderia variar de 3,3% a 13,9%.
O número de prisões realizadas também pode influenciar nas estatísticas. A pesquisa do Ipea defende que o aumento de 10% na taxa de presos num ano reduz em 0,5% o número de vítimas fatais do ano seguinte.
Andar armado significa menor risco?
É comum a crença de que a arma de fogo em mãos do cidadão o expõe a um menor risco de vida. Para especialistas em segurança, a probabilidade de uma pessoa ter condição de se defender usando uma arma de fogo em casos de violência é muito pequena.
Uma pesquisa de segurança pública feita na cidade de São Paulo, quando ainda era permitido andar armado, avaliou que nos casos de latrocínio (o roubo seguido de morte), entre as vítimas armadas, 27% conseguiram evitar o crime, 26% ficaram feridas e 46% foram mortas.
Mesmo policiais treinados têm um alto índice de mortalidade quando reagem a um assalto e estão à paisana. Uma pesquisa do Instituto Sou da Paz mostra que, no município de São Paulo, entre os anos de 2013 e 2014, 30% dos policiais assassinados foram vítimas de latrocínio, sendo que 45% destes policiais reagiram a roubo.
Os defensores do Estatuto do Desarmamento alegam que mais armas significam mais mortes. Se a população tiver um fácil acesso a armas, aumentariam as chances de acontecer o mau uso do armamento e disparos acidentais, acarretando a morte de inocentes e a motivação de um crime por motivos fúteis ou banais (como resultado de uma discussão, por exemplo).
O caso das áreas rurais
No Congresso Nacional, a bancada ruralista pressiona para flexibilizar as regras de porte de armas para moradores de áreas rurais. Os defensores dessas medidas alegam que as áreas rurais são consideradas as mais vulneráveis no Brasil. Esses territórios estão distantes dos postos policiais e do patrulhamento, o que deixa seus moradores mais vulneráveis a ataques de criminosos e animais silvestres.
Para o senador Wilder Morais “num país de dimensões continentais como Brasil, com milhares de pessoas morando em áreas rurais, não pode se abster de discutir o direito do cidadão de possuir uma arma de fogo para defesa da sua família, propriedade e intempéries do ambiente”.
O Projeto de Lei 6717/16, em análise na Câmara dos Deputados, disciplina o porte rural de arma de fogo no País. Segundo o projeto do deputado Afonso Hamm (PP-RS), a licença para o porte rural de arma de fogo teria regras claras. Ela seria concedida ao proprietário e ao trabalhador maiores de 25 anos de idade residentes na área rural que dependam do emprego de arma para a defesa pessoal, familiar ou de terceiros e ainda patrimonial. A proposta já foi aprovada em comissão especial e será encaminhada ao plenário da Câmara dos Deputados.
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