Engenharia genética - Banho de ouro cria vírus precioso
Parece ficção científica: cientistas brasileiros estão usando nanotecnologia e engenharia genética, nos EUA, para criar substâncias inteligentes, capazes de levar remédios até as células doentes do corpo e entregá-los somente para elas. O plano é construir táxis biotecnológicos com dois componentes jamais reunidos: nanoesferas de ouro e um tipo de vírus.
O vírus é mortal, mas só para bactérias. Ele mata os germes obrigando-os a produzir inúmeras cópias de si mesmo. É por isso chamados de bacteriófago ("fago", no apelido), um antigo cavalo-de-troia dos geneticistas.
Foi com base nos fagos que um casal de pesquisadores brasileiros do Centro de Câncer MD Anderson da Universidade do Texas, Renata Pasqualini e Wadih Arap, criou uma tecnologia comparável ao sistema de CEP, ou código de endereçamento postal. Depois de descobrir que tecidos doentes, como tumores e vasos danificados, exibem moléculas peculiares e únicas na superfície de suas células, eles conseguiram montar moléculas complementares a esses receptores nos fagos.
Os complementos na superfície do vírus funcionam como um CEP. Injetados no organismo, os fagos procuram e só vão acoplar-se às células que reconheçam o código. Nos últimos anos, Pasqualini e Arap já haviam demonstrado a possibilidade de acoplar esses CEPs a moléculas assassinas, que matam a célula assim que passam pela sua membrana. Mísseis teleguiados, por assim dizer.
Entre os vários projetos em exame no laboratório do casal estava o de usar os próprios fagos como veículos. Mas injetar vírus num organismo é coisa capciosa. Melhor manter alguma forma de controle sobre essas entidades.
Foi aí que entrou em cena outro brasileiro, o físico-químico Glauco Ranna de Souza, 35. Mais precisamente, brasileiro-americano, pois só fez até o ensino médio em Brasília, mudando-se então para os EUA. Ele e sua prima Pasqualini, na companhia de Arap e de outra pós-doutoranda brasileira, Fernanda Iamassaki Staquicini, 28, assinam um artigo relatando a pesquisa no periódico "PNAS" (www.pnas.org) de 31 de janeiro.
Souza é especialista no uso de nanopartículas de ouro como ferramentas de diagnóstico, em que têm um papel análogo ao de contrastes em técnicas de radiografia.
A ideia inicial era modificar a estrutura do próprio vírus, incluindo nela partículas de ouro para poder rastreá-las dentro do corpo. Mas Souza percebeu que poderia tirar proveito da interação entre as cargas elétricas das proteínas do vírus e as das nanoesferas para estabilizá-los numa espécie de rede, que aprisiona as bolinhas de ouro entre as fibras alongadas dos vírus como se elas fossem peixes.
"Foi um avanço importante", comentou Souza por e-mail, "porque pudemos então usar o fago como ele é e fazer bactérias sintetizarem um polímero muito complexo, que pode funcionar como um endereçamento de tecidos programável no interior da estrutura do nanotáxi."
Embora seja ainda só um conceito, o grupo sonha com a possibilidade de injetar em pacientes essa matriz carregada de células-tronco, ou de drogas poderosas. Com os CEPs corretos, ela seria capaz de achar um tecido cardíaco danificado, por exemplo.
"Os fagos podem reproduzir-se quando em contato com bactérias, mas o próprio nanotáxi não se reproduz", diz Souza
"Essa é a nossa visão do futuro e tudo precisa ser mais estudado e traduzido em aplicações clínicas", ressalvou Arap.
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