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Desigualdade - O que o bairro onde você mora, sua cor e sua renda dizem sobre isso?

Andréia Martins

Da Novelo Comunicação

Você já deve ter escutado em algum lugar a frase “O Brasil não é pobre, é desigual”. O que isso significa? Que temos uma economia que produz riqueza, mas que não é distribuída igualmente. 

A pobreza é um problema presente em todos os países, pobres ou ricos, mas a desigualdade social é um fenômeno que ocorre principalmente em países não desenvolvidos. As causas estruturais da pobreza não estão ligadas apenas ao nível de renda. É por isso que o conceito de desigualdade social compreende diversos tipos de desigualdades: de oportunidade, de escolaridade, de renda, de gênero ou acesso a serviços públicos, entre outras. 

A má notícia é que o mundo deve ficar mais desigual.  A tendência é de concentração de riqueza, ou seja, que os ricos fiquem ainda mais ricos, distanciando-se ainda mais das classes de base. Segundo a Oxfam, organização de combate à pobreza, em 2016 os bens e patrimônios acumulados pelo 1% mais rico do planeta ultrapassarão a riqueza do resto da população, 99%.

A desigualdade prejudica a luta contra a pobreza e leva instabilidade às sociedades. A ONG lista uma série de medidas para reduzir o abismo entre ricos e pobres, desde a promoção dos direitos e a igualdade econômica das mulheres, ao pagamento de salários mínimos justos, a contenção dos salários de executivos e o objetivo de o mundo todo ter serviços gratuitos de saúde e educação. 

Outra conclusão desanimadora vem de um estudo dos pesquisadores americanos Douglas Massey, da Universidade de Princeton, e Jonathan Rothwell, do Instituto Brookings, de que o local onde um indivíduo vive seus primeiros 16 anos de vida é determinante para o seu futuro social e econômico. Ou seja, mesmo que uma pessoa nascida em um bairro pobre mude para um lugar melhor (mobilidade social), isso não será suficiente para que ele tenha uma ascensão econômica e social. 

Segundo os pesquisadores, os bairros pobres tendem a ter taxas mais altas de desordem social, crime e violência. As pesquisas mostram cada vez mais que a exposição a este tipo de violência e ambiente de segregação não tem somente efeitos de curto prazo, mas também de longo prazo na saúde e na capacidade cognitiva de seus habitantes. 

Outro dado mostra como o ambiente em que se mora interfere na sua vida social. A chance de jovens negros com idade entre 12 e 18 anos morrerem assassinados no Brasil é quase três vezes maior (2,96) que a de um jovem branco. Os meninos correm risco 11,92 vezes superior ao das meninas. Os dados são do Programa de Redução da Violência Letal contra Adolescentes e Jovens.

Os números mostram uma situação de fragilidade dos negros, cuja maioria da população no Brasil ainda vive em bairros periféricos ou mais pobres. Assim, podemos entender que, na maioria dos casos, cor e o habitat se mostram determinantes para vida social e econômica dos indivíduos.

O primeiro intelectual a falar sobre a desigualdade entre as classes foi o alemão Karl Marx. Para ele, a desigualdade social era um fenômeno causado pela divisão de classes. Por haverem as classes dominantes, estas se utilizavam da miséria gerada pela desigualdade social, graças ao lucro e acúmulo de propriedades, para dominar as classes dominadas, numa espécie de ciclo.

O economista francês Thomas Piketty, autor de "O Capital no século XXI", coloca o tema da desigualdade como questão central da economia de hoje. Piketty diz que, independente do capitalismo -- contrariando Marx para quem o capitalismo era responsável por aumentar a desigualdade de renda –, "a desigualdade é uma função das forças econômicas e das políticas públicas em jogo em cada país". 

No cenário estudado pelo francês, aqueles que possuem propriedades têm ficado mais ricos do que os demais cidadãos, que não conseguem se aproximar da classe A com seus salários mínimos. Para ele, apenas o investimento em políticas públicas determinadas a reduzir essa distância e a taxação de grandes fortunas poderiam combater a desigualdade.

A desigualdade social no Brasil

Para historiadores, a desigualdade no Brasil é herança do período colonial e se deve a fatores como a influência ibérica, os padrões e posses de latifúndios e a escravidão, que colaboraram para a formação de uma sociedade muito desigual nos quesitos social e econômico. 

No Brasil, o dado mais recente sobre desigualdade mostra um cenário razoavelmente estável. Com relação à renda, em 2013, o indicador referente ao rendimento dos domicílios brasileiros ficou em 0,5, número estável dentro do índice de Gini, que mede a desigualdade de renda em um país. Quanto mais próximo de 0 e mais distante de 1, menor desigualdade. 

De 2012 para 2013, o rendimento dos domicílios no Brasil teve aumento real de 5,7%, passando para R$ 1.681 por trabalhador. No entanto, a renda média aumentou mais no topo da pirâmide (6,4%) do que na base (3,5%), não contribuindo para diminuir a desigualdade.

Hoje o país ocupa a 79ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, que avalia saúde, educação e renda) em uma lista de 187 nações.

Rousseau e a desigualdade

Sobre o tema, o filósofo Jean Jacques-Rousseau (1712-1778) produziu uma importante reflexão no seu “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade”, publicado em 1755. Para o filósofo, a desigualdade se baseia na noção de propriedade particular criada pelo homem, na necessidade de um superar o outro. Essa busca pela superioridade teria iniciado os conflitos entre homens de uma mesma tribo e, depois, entre cidades e nações. 

Enquanto o homem vivia em tribos, como comunidade, produzindo o que precisava para sobreviver, estava feliz, segundo o filósofo. Mas as comunidades passam a se enxergar, a se reconhecerem e se compararem. Com o surgimento da agricultura e da metalurgia, cria-se a divisão do trabalho, a noção de propriedade se enraíza e passam a existir homens ricos e homens pobres.

Segundo Rousseau, o maior problema da desigualdade é que ela tende a se acumular. Os que vêm de família mais simples têm, em média, menos probabilidade de obter um nível alto de instrução e, consequentemente, um trabalho de prestígio e bem remunerado. 

O trabalho, aliás, tem peso na desigualdade. Embora seja natural que indivíduos mais bem preparados e com amplo acesso à formação acadêmica obtenham trabalhos mais bem remunerados e de visibilidade, a divisão de trabalho por si só implica na estratificação social. 

Para teóricos como Kingsley Davis (1908-1997) e Wilbert Moore (1914-1987), autores da teoria da estratificação Davis-Moore, essa desigualdade é inevitável e necessária, pois não seria possível motivar os indivíduos a ocuparem posições elevadas se elas não viessem acompanhadas de recompensas, como a riqueza, o poder e o prestígio. Geralmente, essas três recompensas vêm juntas, mas há exceções onde uma ou outra podem alavancar a vida de um indivíduo abrindo novas oportunidades.

Contra a tese Davis-Moore, o sociólogo Melvin Tumin (1919-1994) defendia que esses estímulos ao preenchimento dos papéis sociais poderiam ser praticados, desde que não provocasse a desigualdade de posições na sociedade. 

A ideia de que a desigualdade seria um incentivo ao trabalho e ao enriquecimento já havia sido abordada pelo economista Adam Smith (1723-1790), autor da teoria da “mão invisível” -- se cada homem buscasse seu próprio interesse, “uma mão invisível” garantirá que todos sejam beneficiados.  Mas, o elemento invisível (oferta e procura) e um artigo na Constituição não foram suficientes para garantir igualdade entre as pessoas. 

Hoje, os fatores sociais e econômicos servem para rotular pessoas e isso define muito das oportunidades que elas encontrarão pela frente. A pesquisa de Massey e Rothwell, bem como a projeção da Oxfam, não são cenários irreversíveis, mas mostram que medidas rápidas e efetivas são necessárias para evitar que o abismo entre ricos e pobres se torne intransponível e que, por consequência, outras formas de desigualdade se aprofundem.

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