Crime organizado - No Brasil, fenômeno se originou na década de 70
A partir da noite de 12 de maio de 2006, a cidade de São Paulo se viu diante de uma situação inusitada por cerca de três dias: uma facção criminosa autodenomidada Primeiro Comando da Capital (PCC) conseguiu fazer a cidade parar, com uma série de atentados a policiais, a ônibus e a instituições bancárias, que geraram pânico na população e mudaram a rotina da metrópole.
Episódios semelhantes a esse já tinham acontecido nas regiões periféricas de São Paulo e, principalmente, em alguns bairros do Rio de Janeiro. O que diferenciou o epsiódio dos dias 13, 14 e 15 de maio foi a sua dimensão: a cidade inteira parou e não foi qualquer cidade, mas a maior do país.
Exatamente um mês depois, quando o Brasil estreou na Copa do Mundo enfrentando a Croácia, o episódio já parecia esquecido. Contudo, o governador do Estado de São Paulo, Cláudio Lembo, lembrou que outros levantes do gênero poderiam se repetir.
Crime organizado
O poder do PCC - uma das facções criminosas existentes no Brasil - não foi vencido, mesmo que a revolta tenha sido controlada, de maneira aliás polêmica: o governo do Estado atribui o controle da situação ao contra-ataque policial. Parte da oposição e da imprensa atribui a um suposto acordo entre o governo e o líder do grupo criminoso, Marcos William Herbas Camacho, o Marcola.
Antes de analisar aqui o episódio paulistano, é mais interessante procurar o fenômeno histórico e sociológico que está por trás dele: o surgimento do crime organizado no Brasil. Isso ocorreu ao longo da década de 1970 e vários fatores concorreram para que as quadrilhas se transformassem em verdadeiras corporações empresariais.
Na década de 60, começou a acentuar-se significativamente a urbanização do país, devido ao êxodo rural. No ano de 1970, 56% da população brasileira vivia em cidades. Dez anos depois, já eram 68%. Atualmente, passam dos 80%. A população do campo migrou para as grandes cidades - Rio e São Paulo num primeiro momento-, em busca de melhores condições de vida.
Crise econômica
Tratava-se de gente pobre, com pouco estudo e sem especialização profissional. Parte desse imenso contingente humano, ao longo dos anos 70, conseguiu seu lugar ao sol. A crise do petróleo no final da década e a estagnação econômica dos anos 1980 impediram que outra parte também se desse bem na vida, excluindo-os dos pequenos e flutuantes avanços da economia brasileira desde então.
Resultado: com a continuidade do êxodo rural somado à diminuição da renda, ao desemprego e às poucas oportunidades de trabalho, favelas e as regiões periféricas não só cresceram, como também se tornaram um território propício ao desenvolvimento do crime.
Por que propício? Porque se trata de um território menosprezado pelos governantes e onde o Estado não se fazia presente, prestando os serviços que prestar, como a segurança, para dar o exemplo mais óbvio.
Na verdade, durante os 21 anos do regime militar (1964-1985) e os 21 subsequentes de democracia, inexistiram políticas públicas sistemáticas voltadas para o setor de segurança. Os militares voltaram o aparato policial para os opositores do regime. Estes, por sua vez, ao chegarem ao poder, simplesmente ignoraram a questão.
Grupos de esquerda
Durante os governos militares, em especial no presídio Cândido Mendes do Rio de Janeiro, criminosos comuns entraram em contato com membros das organizações guerrilheiras de esquerda que combatiam a ditadura.
Estes, equivocadamente, viam os criminosos aliados em potecial, por serem de origem proletária. Assim transferiram para eles o know-how de organização. Não por acaso, a prmeira facção criminosa do Rio de Janeiro se autodenominou "Comando Vermelho", numa alusão à cor das bandeiras das organizações e partidos de esquerda.
Muitos sociólogos ou filósofos de direita e até alguns de esquerda encamparam essa tese, mas ela somente não dá conta do fenômeno como um todo. Não basta ter aprendido os rudimentos de organização na cadeia. A organização, aliás, não parte necessariamente do contato com esquerdistas.
Organizar-se ou morrer
Muitos presos se organizaram a partir da explosão populacional nas cadeias e das condições de vida precária que nelas vigorava. Organizar-se era uma forma de se proteger, evitando assassinatos e estupros por outros presos. Era também uma maneira de tentar dialogar com as autoridades e reivindicar melhores condições de vida na prisão.
Mas o elemento que parece ter sido decisivo para a organização do crime no Brasil foi o tipo de negócio com que ele se envolveu, um tipo de negócio altamente lucrativo: o tráfico de drogas. Maconha e cocaína alavancaram o crime organizado por aqui, assim como ocorreu com o álcool clandestino em Chicago, durante a lei seca (1920).
Lucrativo devido à expansão do consumo, o tráfico de drogas exige uma estrutura complexa para ser levado a bom termo. Ele implica o plantio e a colheita da maconha e da coca, inclui o tratamento das plantas em estado bruto (no caso da cocaína, o refino é feito a partir de outras substâncias químicas), abrange a estocagem, o transporte e a distribuição - no atacado e no varejo.
Na falta da força da lei, a lei da força
Como o negócio não é regulamentado por leis, muito pelo contrário, a garantia de segurança para todas as etapas do processo são as armas. Assim, a violência se torna parte integrante do negócio.
Dessa forma, o tráfico de armas passou a se desenvolver paralelamente ao de drogas, num círculo vicioso em que uma forma de tráfico alimenta a outra e a violência se multiplica e potencializa. Além disso, gera ainda a necessidade de as atividades criminais se diversificarem, entrando pelo campo do roubo de veículos e de cargas, por exemplo. Sem falar que os chefões dos negócios se veem forçados a lavar o dinheiro que ganham, isto é, dar um jeito para justificar legalmente a sua origem.
Vale notar que o aumento da população pobre e da exclusão social não foi mencionada aqui como causa da criminalidade. Quando muito, a pobreza e a exclusão oferecem seu território e seus integrantes para os exércitos do crime, mas não explicam o crime, nem podem ser consideradas como causa diretamente relacionadas a ele.
Basta lembrar que a pobreza e a miséria atingem em cheio a maior parte da imensa população da Índia. Nem por isso o país é marcado pela violência criminal. Lá, a violência que existe se liga à rivalidade entre religiões. Admitindo-se essa hipótese, cabe perguntar então que outros elementos, além dos mencionados, explicam a explosão do crime no Brasil.
Certeza da impunidade
Talvez se possa falar de vários outros, mas dois são certamente unânimes entre os estudiosos da questão. Em primeiro lugar, vem a certeza da impunidade. Os grandes criminosos, em sua maioria, sabem que podem dispor de recursos para contratar advogados que, por sua vez, encontrarão as mais diversas brechas numa legislação muito longe de ser a ideal para lidar com o crime organizado.
Em segundo lugar, está a degradação dos valores morais, num país onde a ideia de vencer na vida a qualquer preço tornou-se uma espécie de missão de cada indivíduo. Principalmente porque as pessoas já se acostumaram a ver o exemplo disso ser dado pelas próprias autoridades governamentais: quantos deputados e senadores, por exemplo, não foram recentemente acusados de crimes graves e o que aconteceu com eles?
É bom lembrar que o crime organizado não está ligado somente ao tráfico de armas e drogas. Uma de suas principais atividades em território nacional é o desvio de dinheiro público e, nesse caso, os que se juntam para fazê-lo são em geral aqueles que deveriam cuidar para que isso não acontecesse.
O caso mais recente foi revelado pela Polícia Federal na chamada Operação Sanguessuga, que descobriu a venda de ambulâncias superfaturadas do Oiapoque ao Chuí...
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