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Confucionismo - China resgata pensamento do mestre do século 5 a.C.

Antonio Carlos Olivieri, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Com as Olimpíadas de Pequim, os olhos do mundo inteiro estão voltados para a China, para seu desenvolvimento econômico, sua capacidade de inserção na sociedade global contemporânea, para sua modernidade. A China parece ter-se tornado o país do futuro. No entanto, imbuído talvez de um sentimento nacionalista que busca as próprias raízes para afirmar sua identidade, o olhar da China tem se voltado para o passado.

Confúcio - um pensador chinês que viveu há 2.500 anos, cujo pensamento foi taxado de reacionário pelo Partido Comunista Chinês - está sendo reabilitado pelo regime do presidente Hu Jintao, que tem recorrido à ideia confuciana de uma "sociedade harmônica" para referir-se à China de hoje. O governo da província de Shandong anunciou em março de 2008 a construção da "Cidade Simbólica da Cultura Chinesa" em Qufu, a cidade natal de Confúcio, que abrigaria museus e instituições destinadas a preservar a memória e o ensinamento confucionista.

Além disso, a República Popular da China já está se encarregando de difundir a cultura chinesa - moldada pelo confucionismo - mundo afora. Em 27 de julho, por exemplo, foi firmado o convênio para o estabelecimento do Instituto Confúcio em São Paulo (SP), uma iniciativa que une o governo chinês, a Universidade de Hubei e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). O Instituto estará voltado para o ensino do mandarim, o idioma oficial chinês, e a difusão da cultura chinesa no Brasil.



Confucionismo

O fenômeno não se esgota aí. O confucionismo ganha espaço nos currículos educacionais chineses, é tema de debates em fóruns da internet e nas universidades do país. O mais recente sucesso editorial na China, com 10 milhões de exemplares vendidos, é uma reflexão sobre os ensinamentos de Confúcio.

Diante de tudo isso, é o caso de se perguntar, afinal, qual a importância das ideias de Confúcio. Em que medida elas conservam uma atualidade? Por que ressurgem com tanto vigor numa China que há cerca de sessenta anos tem se orientado pelo "Livro Vermelho dos Pensamentos de Mao-Tsé-Tung" e pela cartilha do marxismo, desde a revolução chinesa?

Em primeiro lugar, a doutrina de Confúcio lançou os fundamentos do pensamento chinês, no sentido de que ela significou um salto qualitativo na reflexão do ser humano acerca de si mesmo, bem como no fato de que todo o pensamento chinês posterior foi produzido tendo nela sua referência fundamental. Apesar de ter um caráter de certa forma menos religioso, os ensinamentos de Confúcio estão para a China assim como os de Buda estão para a Índia e o Japão, ou os de Cristo para o Ocidente.



Aperfeiçoamento

Confúcio apresenta uma concepção essencialmente ética do homem, cujo princípio pode ser resumido numa asserção aparentemente simples: "não faças aos outros, aquilo que não queres que te façam". Seguir a prescrição, porém, o mestre ensina, não é tão simples assim, uma vez que ela pressupõe romper com o egoísmo inerente a cada indivíduo. No entanto, o pensador chinês é um otimista e acredita na capacidade de aperfeiçoamento da natureza humana. Para ele, o homem é capaz de se aperfeiçoar continuamente, até atingir um estágio superior, que pode ser comparado à santidade.

A base para isso é o aprendizado. Confúcio concebe o aprender como uma experiência dinâmica, que se pratica, que se compartilha com os outros e que é fonte de alegria e prazer. Mais do que adquirir conteúdo intelectual, trata-se de desenvolver as aptidões de cada um, de modo que é mais importante "saber como", do que "saber o quê". Trata-se também de exigir o melhor de si mesmo.

Aprender, para Confúcio, significa aprender a fazer de si um ser humano, o que ocorre no relacionamento com os outros. O objetivo do aprendizado é formar um indivíduo capaz de, no plano político, servir a comunidade; no plano moral, de tornar-se um homem de bem. Para isso, é preciso saber se comportar observando um ritual de conduta, em agir cerimoniosamente, com muito respeito ao outro.



Sinceridade

Isso não significa estar atento a etiquetas ou protocolos, a atitudes exteriores. Conquanto essa atitude cerimoniosa tenha inegavelmente um caráter formal, o ritualismo a que Confúcio se refere compreende uma harmonia entre a delicadeza da forma exterior e a sinceridade da intenção interior.

Vale destacar também o aspecto político do pensamento confuciano: o mestre concebe a política a partir do relacionamento harmônico entre os seres humanos, baseado no aprendizado e na cerimônia. O aprender a se comportar no interior da família deve se estender a círculos maiores até chegar à sociedade, que é vista, por assim dizer, como uma família ampliada. Portanto, o governante deve ter como inspiração a figura de um bom pai, que age para promover o bem de sua família.

Diante do que se vê na política do Brasil contemporâneo, a concepção de Confúcio pode parecer excessivamente otimista ou ainda ingênua. Os próprios contemporâneos de Confúcio estariam de acordo com isso. Não por acaso o mestre ficou conhecido entre eles como "aquele que se obstina em querer salvar o mundo, mesmo sabendo que isso é tempo perdido".

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