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Conflito em Mianmar - ONU denuncia limpeza étnica e diáspora do povo rohingya

ADAM DEAN/NYT
Imagem: ADAM DEAN/NYT

Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação

Desde agosto deste ano, o exército de Mianmar (antiga Birmânia) luta contra rebeldes muçulmanos no noroeste do país asiático. A violência atingiu a população civil e provocou uma nova fuga da minoria muçulmana rohingya.

Segundo a ONU, a repressão militar contra o povo rohingya possui características de uma verdadeira limpeza étnica, tendo como consequências um êxodo em massa e um possível genocídio.

No início de dezembro, a organização Médicos Sem Fronteiras estimou que mais de 6 mil pessoas da etnia rohingya morreram entre agosto e setembro deste ano. A violência levou mais de 600 mil pessoas a fugir para o vizinho Bangladesh.

A crise começou no fim de agosto, quando os rebeldes do Exército de Salvação Rohingya de Arakan (ARSA, na sigla em inglês), que afirmam defender os direitos da minoria muçulmana, atacaram dezenas de delegacias de polícia. Como resposta, o exército birmanês realizou uma violenta campanha de repressão.

A Birmânia considera o ARSA uma organização terrorista. Apesar de sua recente fundação (o primeiro registro de atuação é de 2013), o grupo armado já é responsável por alguns ataques de pequena escala e suspeita-se que tenha vínculos com grupos fundamentalistas islâmicos.

Minoria sem pátria

O Mianmar é um país de maioria budista (90% da população de 60 milhões segue a religião). A etnia rohingya é uma minoria mulçumana que vive em Rakhine, uma área pobre e remota do país.

A origem da etnia rohingya ainda é incerta e gera controvérsias. Eles se autodeclaram um povo tradicional ou indígena e possuem um dialeto próprio. Outros apontam que, na verdade, são mulçumanos de origem bengali que migraram para Mianmar durante a colonização britânica. 

Durante a independência do país, em 1948, muitos rohingya foram considerados cidadãos birmaneses. A partir de 1962, a Junta Militar que governou o país começou a cortar os direitos da comunidade. Em 1982, com a Lei de Cidadania, os rohingya tiveram a nacionalidade birmanesa negada e hoje constituem a maior população apátrida do mundo.

Essa condição os coloca à margem de muitos direitos de cidadãos como ter acesso a escolas, votar, usar hospitais e direitos no mercado de trabalho. Eles também não têm o direito de possuir terra ou propriedades e são proibidos de viajar sem permissão.

Há décadas essa minoria é vítima de perseguição e desconfiança. Tanto que a população rohingya possui um histórico de imigração para países como Bangladesh, Arábia Saudita e Índia. 
Nos últimos anos, o avanço do nacionalismo budista aumentou a hostilidade e a discriminação. Para o líder budista Ashin Wirathu, os rohingyas devem ser expulsos do país porque são “imigrantes ilegais trazidos pelo Império britânico” e protagonistas de “uma invasão mulçumana”. Em vídeos, monges radicais se referem à etnia como “cobras” e “piores que cachorros”.

Em 2012, grupos budistas extremistas atacaram comunidades rohingya no Estado de Rakhine. A população rohingya acusou as autoridades birmanesas de não agir para defendê-los. Como consequência, 100 mil pessoas ficaram desabrigadas.

Êxodo, violência e estupros

A atuação do exército birmanês tem sido criticada pela ONU e por organizações humanitárias.   Para o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al-Hussein, a tese da repressão dos rebeldes não se sustenta, pois existem provas de que os civis foram claramente o alvo. "Há indícios credíveis de que esta campanha de violência foi levada a cabo contra os rohingyas precisamente porque eram rohingyas, na sua base étnica e religiosa, e possivelmente baseado em ambos", declarou.

Um recente relatório da ONU concluiu que existe uma operação sistemática para expulsar definitivamente a população da região. "Os ataques brutais contra os rohingyas na parte setentrional do estado de Rakhine foram organizados, coordenados e sistemáticos, com a intenção não apenas de expulsar a população de Mianmar, mas também de impedir seu retorno para casa", conclui o relatório.

As conclusões da investigação da ONU apontam abusos destinados a "incutir um medo profundo e maciço" entre a população rohingya. Os relatos de refugiados contam que militares incendiaram vilarejos, espalharam minas terrestres na fronteira com Bangladesh, realizaram assassinatos em massa de civis e estupros contra mulheres e meninas.

ONGs de direitos humanos relatam que a violência sexual se tornou uma arma sistemática e premeditada do Exército na campanha de limpeza étnica. Além da violência, mulheres desapareceram de vilas, possivelmente vítimas de tráfico sexual.

Os ataques também acontecem com o apoio de grupos budistas armados do estado de Rakhine. Segundo a ONU, “em alguns casos, antes e durante os ataques, megafones foram usados para anunciar: 'Você não é daqui - vá para Bangladesh. Se você não for, vamos queimar sua casa e matá-lo".

O governo birmanês nega todas as acusações de assassinatos e estupros e declarou que a ação do Exército foi uma resposta proporcional aos ataques do ARSA. O governo também afirma que os incêndios de vilas estão sendo provocados pela própria população.

O êxodo em massa da população rohingya nos últimos dias não tem precedentes. Segundo a ONU, esse é o êxodo mais rápido de pessoas desde o genocídio de Ruanda, que ocorreu em 1994.

Antes da explosão da violência, quase um milhão de muçulmanos rohingyas viviam em Mianmar, muitos deles há várias gerações. Desde agosto, metade dessa comunidade mulçumana fugiu para Bangladesh e milhares de pessoas estariam a caminho do país vizinho.

Além de cruzarem a fronteira a pé, os refugiados também tentam fugir pelo rio Naf, que estabelece a fronteira entre Bangladesh e o extremo sudeste de Mianmar. Prevê-se que a população total desses assentamentos em breve superará um milhão. Segundo a Unicef, cerca de 60% dos novos refugiados são crianças.

Bangladesh mantem uma política de acolhimento aos refugiados. Não há previsão de que os acampamentos sejam desmantelados nos próximos meses, apesar de um acordo de repatriação já assinado entre os Governos de Mianmar e Bangladesh.

O silêncio de Aung San Suu Kyi

A birmanesa Aung San Suu Kyi é considerada a principal líder do país. Ela é conhecida no mundo por ser ganhadora do Nobel da Paz em 1991, sendo apelidada de a “Mandela da Ásia”. Durante 50 anos Mianmar foi uma ditadura militar e ela se tornou símbolo da luta democrática no país, tendo também ganhado reconhecimento internacional pela defesa dos direitos humanos.

Suu Kyi é a atual ministra de Relações Exteriores de Mianmar e tem sido muito criticada no exterior por seu silêncio sobre o destino da minoria rohingya. Para a líder, existe um "grande iceberg de desinformação" que, segundo ela, dá uma visão equivocada da crise. Aung San Suu Kyi defende a ação do Exército e rejeita a acusação de genocídio. 

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