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Clima - Combate à poluição aumenta mais a temperatura da Terra

Reinaldo José Lopes, da Folha de S.Paulo

Parece que o progresso tecnológico colocou a humanidade em mais uma encruzilhada do aquecimento global. Se tornarem seus combustíveis e máquinas menos poluentes, as nações do planeta estarão empurrando cada vez mais a mudança climática para níveis catastróficos até 2100.

A conclusão vem de um estudo na edição desta quinta-feira (30/06) da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com) e refere-se especificamente ao papel dos aerossóis --as partículas em suspensão na atmosfera, que podem ter fontes naturais mas também são emitidas em grande escala por automóveis e indústrias.

Tudo indica que esses aparentes vilões estão, na verdade, impedindo que a Terra fique ainda mais quente do que já se tornou por causa da emissão desenfreada de gás carbônico. A substância é o principal causador do efeito estufa, impedindo que o calor do Sol escape do planeta.

Agora, a má notícia: quando se leva em conta a diminuição de aerossóis por causa do uso de tecnologias menos poluentes, os pesquisadores calculam que, até em cenários otimistas, a temperatura subiria mais de 6ºC até 2100. "Seria uma mudança tão grande quanto a que aconteceu no fim da Era do Gelo, mas acontecendo com rapidez dez vezes maior", declarou à Folha Peter Cox, diretor científico de mudança climática do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido.

Cox é um dos autores do trabalho, ao lado do biogeoquímico Meinrat "Andi" Andreae, do Instituto Max Planck de Química (Alemanha) e de Chris Jones, do Centro Hadley de Previsão e Pesquisa do Clima, também no Reino Unido. Jones comparou a atual situação a dirigir um carro com o acelerador e o breque acionados ao mesmo tempo. "Agora estamos tirando o pé do breque, mas não sabemos que velocidade vamos acabar atingindo."

A afirmação se refere às incertezas que ainda cercam o papel dos aerossóis no clima. Ninguém sabe que parcela do aquecimento a presença atual deles na atmosfera ajudou a deter: há só estimativas, mas o trabalho sugere que até as mais modestas se refletem numa contribuição significativa.

Simplicidade
O grupo estava interessado em saber qual a possível influência dos aerossóis sobre a chamada sensibilidade climática. O conceito se refere ao aumento de temperatura global que ocorreria caso as concentrações mundiais de gás carbônico dobrassem em relação às que vigoravam na era pré-industrial. (Em números, trata-se de um aumento de 280 ppm, ou partes por milhão, para 560 ppm. O nível atual é de 380 ppm.)

Segundo Andreae, o grupo tentou simular matematicamente o problema com um modelo que era, de propósito, simples. "Não levamos em conta padrões complexos como a circulação dos ventos na atmosfera ou a chuva", afirma o pesquisador. O que eles examinaram, no entanto, foi como a sensibilidade climática responderia de acordo com a capacidade dos aerossóis de "forçar" o clima. As partículas podem rebater a luz solar, diminuindo a radiação que aquece o planeta, ou gerar mais nuvens do que o normal, o que também diminui o calor vindo do Sol.

As análises computacionais mostraram que a sensibilidade climática pode ultrapassar 4ºC, chegando mesmo a 10ºC, em alguns casos. Para o valor médio estimado hoje para o peso dos aerossóis, emergeria o aterrador número de 6ºC.

Para o físico Paulo Artaxo, da USP, "este é sem dúvida um dos artigos mais importantes da "Nature" neste ano". Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), concorda. "Há um movimento mundial de eliminação do enxofre nos combustíveis [eles geram aerossóis de sulfatos, que causam sérios problemas respiratórios]. Se os eliminarmos totalmente nos próximos 30 a 50 anos, o efeito represado do aquecimento global irá aparecer totalmente", diz ele.

O mais urgente agora, segundo os cientistas, é quantificar para valer a influência dos aerossóis no clima global, usando, por exemplo, medições por satélite. "Isso é bem difícil de fazer de forma quantitativa, mas é o único jeito", diz Andreae. Isso sem falar num plano mais ambicioso de redução das emissões de gás carbônico, a única verdadeira saída.

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