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Ciência - técnica pode tornar realidade a produção de "bebês sob medida"

Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação

Pontos-chave

  • Uma nova técnica de edição do DNA conhecida como CRISPR promete grandes avanços na biologia e na medicina, mas desperta polêmica pelo potencial de alterar genes humanos e produzir “bebês sob medida”.

Uma nova técnica de manipulação do genoma conhecida como CRISPR/Cas9 (pronuncia-se “crísper-cás-nove”) vem conquistando cientistas ao redor do planeta. Criada em 2012, hoje ela se popularizou e promete impulsionar descobertas nas áreas de biologia e medicina.

A expectativa é que no futuro o uso da CRISPR/Cas9 em pesquisas possa curar doenças genéticas alterando o DNA (conjunto de moléculas que carrega a informação genética de todos os seres vivos). Mas essa técnica abre caminho para outra possibilidade: realizar uma “edição” do genoma de maneira barata, fácil e precisa.

A CRISPR (sigla em inglês para “clustered regularly interspaced short palindromic repeats”; em português, repetições palindrômicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas) é um mecanismo de defesa do corpo humano. Trata-se de uma parte do sistema imunológico bacteriano, que mantém partes de vírus perigosos ao redor para poder reconhecer e se defender dessas ameaças no futuro.

A segunda parte desse mecanismo de defesa é um conjunto de enzimas chamadas Cas, que podem cortar precisamente o DNA e eliminar vírus invasores. Existem diversas enzimas Cas, mas a mais conhecida é chamada Cas9. Ela vem da Streptococcus pyogenes, uma bactéria conhecida por causar infecção na garganta.

Como funciona o método

O método usa uma proteína (enzima chamada Cas9) guiada por uma molécula de RNA que corta as fitas de DNA em pontos específicos e ativa vias de reparo. É possível desativar, ativar ou inserir novos genes. Embora tenha sido descoberta em 2012, a técnica tornou-se mais popular nos últimos dois anos. Uma justificativa para isso é que ela permite que a modificação de genomas com uma precisão nunca antes atingida.

“É como um canivete suíço que corta o DNA em um local específico e pode ser usado para introduzir uma série de alterações no genoma de uma célula ou organismo”, diz a definição da técnica da bióloga Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia, em Berkeley (EUA), uma das pioneiras na aplicação do mecanismo. 

Ao retirar partes defeituosas do genoma, pesquisadores estão conseguindo eliminar mutações em células de animais e plantas. Em janeiro deste ano, cientistas norte-americanos utilizaram a técnica para cortar a parte de um gene defeituoso em ratos com distrofia muscular de Duchanne, doença genética rara. O experimento permitiu que as células dos animais produzissem uma proteína essencial para os músculos. A pesquisa foi o primeiro caso de sucesso da CRISPR/Cas9 em mamíferos vivos.

Cientistas já estão encontrando novas formas de aplicações da técnica, como desenvolver terapias que ajudem na cura de doenças como câncer, leucemia e hemofilia. Algumas pesquisas testam limites éticos da ciência e reavivam os debates sobre experimentos com embriões humanos e mutações nos genes humanos.

Com a técnica, seria possível “forçar” organismos a repassarem certos traços genéticos hereditários, sejam naturais ou inseridos pelo método. O temor é que essa possibilidade abra precedentes para a criação de “bebês sob medida”.

Por exemplo, cientistas poderão editar genes para gerar bebês com características físicas específicas, como a cor dos olhos, do cabelo ou da pele. A possibilidade do “design” de bebês ainda não foi comprovada, mas novas pesquisas podem avançar nessa questão.

Em 2017, o Instituto Karolinska de Estocolmo, na Suécia, obteve aprovação para testar a técnica em embriões humanos. Eles esperam que, por meio da desativação de determinados genes, seja possível compreender melhor os primeiros estágios do processo de desenvolvimento humano. O objetivo é melhorar a eficácia dos tratamentos de fertilização.

O primeiro teste em humanos

No final de 2016, cientistas chineses já anunciaram testes de engenharia genética com embriões humanos. A equipe queria consertar um gene defeituoso, causador da talassemia beta. O resultado da edição não obteve sucesso --os genes modificados sofreram mutações aleatórias.

No estudo chinês, foram utilizados embriões não viáveis, que nunca poderiam gerar um bebê. Agora os cientistas do Instituto Karolinska estão usando zigotos sadios que estavam congelados em clínicas de fertilização, mas seriam descartados.

No Reino Unido, o uso da CRISPR/Cas9 foi aprovado recentemente para pesquisas em embriões humanos que buscam melhorar a qualidade das fertilizações in vitro e reduzir o número de abortos.

Os especialistas afirmam que a edição em linhagens germinativas (óvulos e espermatozoides) apresenta barreiras como o risco de edição imprecisa, dificuldade de prever efeitos danosos e dificuldade de remoção da modificação. Serão necessários inúmeros experimentos para conseguir a possibilidade da alteração de forma precisa e segura.

Outro temor da comunidade científica é que, em mãos erradas, a tecnologia que edita o DNA possa reavivar ideologias perigosas como a eugenia, que prega a “melhoria genética” das populações humanas. Durante a Segunda Guerra Mundial, o nazismo usou a eugenia para justificar o genocídio dos judeus e de minorias. O Estado buscou eliminar da sociedade alemã qualquer tipo de pessoa que não fosse ariana ou que apresentasse alguma deficiência mental ou física.
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No entanto, o design de bebês ainda é realidade muito distante. Além da falta de pesquisas que asseguram a estabilidade do processo, o tema deve passar por uma forte regulação judicial. Atualmente, muitos países proíbem estudos com embriões humanos. No Brasil, a lei de biossegurança brasileira, de 2005, deixa claro ser proibida a “engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano”.

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