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Caça esportiva - Qual o limite entre a conservação natural e a barbárie?

ONG do Zimbábue afirma que o leão Cecil foi alvejado por arco e flecha e depois, alvo de tiros - Paula French/AP
ONG do Zimbábue afirma que o leão Cecil foi alvejado por arco e flecha e depois, alvo de tiros Imagem: Paula French/AP

Andréia Martins

Da Novelo Comunicação

Desde a pré-história, caçar sempre foi uma atividade relacionada à alimentação e sobrevivência humana, onde o homem caçava com pedras, armas primitivas ou flechas. Com o surgimento de atividades comerciais, os animais também começaram a ser caçados devido ao seu valor de mercado em itens como pele, chifres de marfim, barbatanas, óleo, entre outros. Ao longo dos anos, a caça predatória foi responsável pela extinção de diversas espécies, ou seja, o desaparecimento de animais de um determinado ambiente ou ecossistema.

Após o desenvolvimento da agricultura, da pecuária e da vida urbana, a prática da caça também começou a ser associada como uma atividade de lazer, chamada de caça esportiva, e ganhou outras funções. A caça científica, por exemplo, faz a colheita de espécimes para a sua identificação, enquanto a caça sanitária ou profilática visa controlar espécies que alcançam o status de pragas ou são focos de pestes.

Mas o episódio envolvendo a morte de Cecil, o leão símbolo do Zimbábue, em julho de 2015, colocou o tema da caça esportiva em destaque. Afinal, qual é o limite da caça esportiva? Seria ela realmente útil na conservação da natureza, como alegam seus defensores, ou é uma atividade bárbara voltada apenas ao entretenimento humano, como dizem os contrários à prática?

Cecil era considerado uma celebridade há 13 anos e sua vida teve fim ao ser decapitado pelo dentista norte-americano Walter Palmer, que pagou US$ 545 mil (R$ 1.930) para supostamente poder caçar o animal. Foi atraído para fora do parque onde vivia – e onde caçá-lo seria ilegal --, perseguido e abatido com um tiro. Sua cabeça foi arrancada e levada. Restou apenas a carcaça.

Ao contrário da caça de subsistência, a caça esportiva não visa à obtenção de alimentos. Esta atividade é geralmente administrada por um governo. Os caçadores pagam preços altos pelas caçadas e apenas um número reduzido de animais pode ser caçado. Este tipo de caça para troféus onde o animal morto é visto como prêmio é praticado tanto na América do Norte e na Europa como nos países em desenvolvimento, onde a infraestrutura de controlo da fauna selvagem é muitas vezes menos desenvolvida.

Os grupos de conservação, como o WWF, que apoiam a caça esportiva regulamentada argumentam que a atividade gera uma renda elevada que pode ser usada tanto para a conservação das espécies quanto para gerenciamento das populações, e cobra que as autoridades exijam que os caçadores escolham animais que perderam a capacidade de se reproduzir ou que possam inibir a reprodução de outros ao seu redor. A questão é que essas condições nem sempre são cumpridas.

Outro argumento defende a caça esportiva em partes do mundo onde existem muitos animais selvagens fora das áreas de proteção ambiental que dividem o mesmo espaço com comunidades. Nesses casos, entende-se que os animais selvagens podem afetar a população local – com danos físicos, às culturas e na competição pelo alimento. Sempre que a vida selvagem oferece poucos benefícios ou traz custos significativos para a população local, acaba por ser morta para alimento, obtenção de produtos com valor comercial ou por gerar problemas. Regulamentando a caça, tais práticas poderiam ser controladas e fiscalizadas.

No caso da África, por exemplo, a caça esportiva é na verdade um grande negócio. Dos 53 países, 23 permitem a caça por troféu de leões, leopardos, elefantes, búfalos e antílopes. Só na África do Sul estima-se que o lucro com essa atividade seja de US$ 500 milhões por ano.

Entidades de defesa dos animais questionam o repasse desses recursos para comunidades locais. Segundo a ONG International Fund for Animal Welfare (IFAW), apenas entre 3% e 5% desses recursos têm esse fim. Além da dúvida quanto ao uso da rende obtida com a caça esportiva, hoje, os leões selvagens são menos de 20.000 na África e a caça desenfreada em alterando de forma significativa essa população, principalmente a dos machos.

Cecil era pai de 12 filhos. Quando o leão macho morre, o leão que assumir o bando mata os filhotes do antecessor para fazer as fêmeas entrarem no cio e iniciar uma nova família. Com a morte de muitos leões machos durante caçadas, segundo a Unidade de pesquisa para a conservação de vida selvagem da Universidade de Oxford, que conduz estudos sobre os leões selvagens na África, os territórios foram ocupados por leões que migraram de áreas próximas e houve aumento na morte de filhotes.

A caça esportiva é liberada por lei em vários países como EUA, Canadá, Alemanha, Espanha, Austrália, Nova Zelândia, entre outros. No Brasil, até 2005, a prática era permitida apenas no Rio Grande do Sul e praticada com base em uma regulamentação rígida, determinando época, locais e espécies para a atividade. Após a pressão de grupos ambientalistas, a prática foi banida em todo o território nacional.

O que existe hoje aqui é a caça em comunidades ribeirinhas, indígenas e rurais, que utilizam a caça para obter alimento. Mas com autorização do poder público, é possível obter licenças para praticar a caça esportiva em situações específicas, descritas no Código de Caça. Há também liberações caso a caso. Em 2013 o governo brasileiro autorizou a caça de javali-europeu para conter danos à biodiversidade. Para isso, os caçadores precisam se registrar no Ibama.

A proibição da caça no país não inibe a captura e o tráfico ilegal de animais silvestres, o que acontece em diversas regiões como florestas ou próximas a unidades de conservação. Isso constitui uma grande ameaça à fauna brasileira, principalmente para mamíferos de médio e grande porte, como a anta, o tamanduá-bandeira, o tatu, a paca e a onça-pintada.

Segundo o Ibama, o comércio ilegal desses animais movimenta cerca de R$ 7 bilhões por ano no Brasil. Um dos maiores obstáculos para denunciar a caça ilegal em municípios brasileiros é o fato de a caça ainda ser vista em muitas comunidades como uma prática cultural e não como um crime ambiental.

O episódio do leão Cecil foi apenas um alerta sobre como a caça esportiva hoje está muito perto de se tornar sinônimo de caça ilegal. Seja pela incerteza de que a renda obtida com a prática seja revertida à pesquisa animal ou às comunidades locais, a falta de controle dos animais que podem ou não ser caçados e do acompanhamento de biólogos, bem como a ausência de uma legislação mais atuante que impeça a extinção dos animais através da caça.

Com o fato, há uma pressão para que os EUA incluam o leão africano no Ato das Espécies Ameaçadas, uma lei que protege espécies nativas e foi estendida para outras não norte-americanas, como o elefante e o guepardo africanos, proibindo a importação dos animais e partes de seu corpo. Curiosamente, os EUA são um dos principais países compradores de carcaça e das partes do corpo destes leões, como garras, crânios, ossos e genitais.

O homem por vezes esquece que todos os seres vivos dependem da natureza para sobreviver, para obter desde alimentos até remédios. Os animais são parte fundamental da cadeia. Se forem extintos ou se tornarem raros, comprometem todo o equilíbrio da natureza.

BIBLIOGRAFIA

Código de Caça, Lei nº 5.197. Disponível online

 

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