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100 anos de samba - Conheça as raízes do gênero musical que se tornou símbolo nacional

Carolina Cunha

da Novelo Comunicação

"Quem não gosta de samba bom sujeito não é", diz o refrão de uma famosa música brasileira. O samba é considerado o ritmo mais popular do país. Você sabia que em 2016 o samba completa 100 anos?

A data remete ao primeiro samba oficialmente registrado no país na Biblioteca Nacional. A música “Pelo Telefone” foi registrada em 1916 por Donga (1890-1974), mas foi composta coletivamente na casa de Tia Ciata (ver abaixo).  Com essa música, a palavra samba também apareceu pela primeira vez no selo de um disco de vinil.

“Pelo Telefone” é considerado um maxixe (ritmo fruto da fusão da polca europeia com o lundu de origem africana), mas que entrou para a história como o primeiro samba oficial do país. Apesar disso, muitos outros sambas foram compostos antes de "Pelo Telefone".

Herdeiros de Tia Ciata

No início do século 20 o Rio de Janeiro era um lugar efervescente. A República acabara de se proclamada e o país vivia os primeiros anos após a Abolição da Escravidão (1888). A cidade crescia e se modernizava, atraindo uma massa de trabalhadores negros e migrantes vindos de diversas regiões do país.

Na zona portuária da capital carioca se destacava a região da Pedra do Sal, considerada berço do samba carioca. Desde o século 18 funcionava no local um mercado de escravos, o Cais do Valongo, que entre 1769 e 1830 foi porta de entrada no Brasil para 500 mil escravos oriundos da África. No século 19, escravos vindos do Nordeste também desembarcam na cidade para trabalhar nas plantações de café do Vale do Paraíba e no interior paulista.

Após a Abolição, os escravos alforriados foram marginalizados e não houve uma política de integração dos libertos. Muitos foram viver nos arredores da praça Onze e da Pedra do Sal, local em que já existiam remanescentes de um quilombo. Soldados negros egressos da Guerra do Paraguai também foram viver nos morros próximos. Essa comunidade negra de diferentes origens passou a ser conhecida como “Pequena África”, onde hoje ficam os bairros de Santo Cristo, Saúde e Gamboa.

Era na Pedra do Sal, local simbolizado por uma rocha, que estivadores começaram a se reunir em rodas para cantar e dançar. Ali também eram realizadas rodas de capoeira e surgiram os primeiros ranchos carnavalescos, afoxés e rodas de samba.

A cultura afro-brasileira se formou a partir da cultura trazida pelos escravos com a mistura de influências europeias. Os batuques estavam presentes nas fazendas coloniais e em festas religiosas, em manifestações afro-brasileiras como o jongo, a umbigada, o tambor de criola e a congada.

Os gêneros musicais considerados ancestrais diretos do samba são o lundu e o maxixe, que ficaram muito populares no final do século 19 e no começo do século XX. O lundu trazia músicas com letras bem-humoradas e uma dança com caráter sensual. O maxixe usava flauta, violão e cavaquinho em sua formação e influenciou a criação do chorinho.

Um dos grupos mais numerosos de migrantes no Rio de Janeiro eram os negros que chegavam da Bahia.  Um grande fluxo de baianos foi viver em volta do cais e nos cortiços e velhas casas do centro, onde a moradia era mais barata e os homens podiam buscar emprego como estivadores.

As famílias baianas se organizavam em torno de tradições religiosas iorubás e sob a liderança de mães e pais de santo que criaram seus candomblés em casas da Pequena África. O famoso terreiro do babalorixá João Alabá atraia gente de toda a cidade. Esses centros desempenharam um papel fundamental para fortalecer a organização social daquela comunidade negra. 

As mulheres baianas eram conhecidas como “tias” e se destacavam pela rede de relações e pelo apoio que prestavam à comunidade e às famílias que chegavam ao Rio. Muitas eram donas de pensões e vendiam comida para os trabalhadores. Nos terreiros das casas das tias baianas aconteciam os ritos e celebrações religiosas, mas também festas que só terminavam na manhã seguinte.

Outra base de formação do samba carioca foi o samba de roda baiano, trazido pelos migrantes baianos. Com origem no século 19 no Recôncavo baiano, o samba de roda é uma manifestação cultural em que em que os homens tocam e as mulheres dançam uma de cada vez, ocupando o centro da roda.

Existe ainda o formato em que o casal ocupa o centro da roda, acompanhados por canções e palmas. Os músicos tocam tamborins, cuícas, pandeiros, viola, reco-recos e agogôs. Acredita-se que o gênero teria surgido inspirado pelo “semba”, ritmo africano.

Os baianos também estavam à frente dos ranchos negros, que promoviam festas em datas religiosas com batuques, danças e cortejos pelas ruas do centro do Rio de Janeiro. Os chamados “ranchos” são considerados importantes para a origem dos desfiles de carnaval e podem ser comparados aos atuais blocos carnavalescos, com fantasias e enredos próprios.

Uma das baianas mais famosas foi Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata. Nascida em Santo Amaro da Purificação, ela foi mãe de santo, costureira e doceira. Vendia quitutes e doces no tabuleiro pelas ruas do centro. Em sua casa na praça Onze, Tia Ciata atuava como uma verdadeira agitadora cultural e promoveu lendários bailes que atraiam visitantes de diferentes partes da cidade e que formaram uma nova geração de músicos cariocas.

O samba passou a usar inovações melódicas e instrumentos musicais como a flauta, o cavaquinho e o violão, instrumentos que vão fundar a base do chorinho. Na sala de Tia Ciata, o choro e o maxixe eram tocados por grupos instrumentais. No quintal, aconteciam as rodas de samba num formato mais livre.   

A palavra samba era utilizada inicialmente como sinônimo de festa e não como um gênero musical: “Vamos a um samba na casa de Tia Ciata”. As letras nasciam nas rodas e os versos eram improvisados por todo o grupo, com o público marcando o ritmo na palma das mãos.  Ainda não existia o rádio e essas festas também serviam para divulgar sambas novos.

Pela casa de Tia Ciata passaram grandes nomes da música negra brasileira como João da Baiana, Pixinguinha, Sinhô e Donga, considerados por muitos sambistas como os grandes mestres do gênero. Em 1916, reunidos na casa da Tia Ciata, Donga e outros músicos compuseram “Pelo Telefone” em uma roda de samba.

A morte de Tia Ciata, em 1924, é considerada como o símbolo do fim de uma época - o nascimento do samba carioca.  Mas a Pedra do Sal se tornou um tradicional ponto de encontro de sambistas e admiradores deste estilo musical e hoje é um dos principais locais de memória e resistência da cultura afro-brasileira.

Em 1928 é fundada no Rio de Janeiro a "Deixa Falar", considerada a primeira escola de samba da história. Ela deu origem à atual Escola Estácio de Sá. Seus integrantes são considerados pais do formato clássico do samba - com ritmo mais dançante (menos influenciado pelo maxixe) e introdução do uso de cuíca, surdo e tamborim no ritmo.

A partir de 1930 o samba conquistaria espaço no mercado cultural e passa a tocar em rádios até se tornar popular e ser difundido por todo o país. Nas próximas décadas, outros gêneros seriam criados a partir do samba, como partido-alto, pagode, samba-enredo, samba-rock e a bossa nova.

O samba abriu as portas para que a música abertamente negra fosse aceita no cenário cultural. Com o tempo, o samba passou a ser um dos maiores símbolos da identidade brasileira, assim como o futebol e o carnaval.

A origem da palavra samba

A palavra “samba” é de origem africana. Seu primeiro registro no Brasil remonta ao ano de 1838, na revista “O Carapuceiro”, de Pernambuco. No entanto, ainda não existe um consenso entre os historiadores sobre suas possíveis origens. Segundo o pesquisador Nei Lopes, seria a etnia quioco, na qual samba significa brincar, divertir-se como cabrito. Há quem diga que vem do quimbundo “semba”, com o significado de “umbigo” ou “oração”. O quimbundo é uma língua banto falada na Angola. Para muitos povos bantos, a música era um elemento religioso e a umbigada se referia a danças sagradas, em uma espécie de ritual de fertilidade e conexão com as forças do universo.

No Brasil, o batuque de umbigada é uma forma de dança e música que se desenvolveu partir do século XVI, trazido pelos escravos de origem banto, povos vindos de regiões como o Congo e Angola. O batuque é caracterizado pela troca de umbigadas entre os casais participantes, dispostos em fila, dançando ao som do toque de tambores.
 

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