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100 anos de Durkheim - conheça o pensamento de um dos pioneiros da sociologia

O sociólogo francês Émile Durkeim - Reprodução
O sociólogo francês Émile Durkeim Imagem: Reprodução

Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação

O que é uma sociedade? Como nos relacionamos com o outro? O sociólogo é o cientista que estuda e analisa a sociedade e seus fenômenos. Um dos pioneiros da Sociologia foi o pensador francês Émile Durkheim (1858-1917). Este ano, completa-se 100 anos de sua morte.

Os estudos de Durkheim trouxeram um novo olhar sobre as várias dimensões da vida em sociedade. Suas pesquisas contribuíram para que a Sociologia ganhasse uma reputação científica e fosse considerada uma verdadeira ciência social.

Nascido em 1858, em Épinal, na França, Durkheim era filho de judeus e iniciou seus estudos filosóficos na Escola Normal Superior de Paris, concluindo-os na Alemanha. Durkheim foi um professor pioneiro: iniciou a primeira cátedra de ciências sociais em uma universidade francesa, foi Professor de Sociologia e Pedagogia na Sorbonne e líder da chamada Escola Sociológica Francesa.

No século 19, a sociedade tentava se reorganizar após a Revolução Industrial (revolução econômica e consolidação do capitalismo) e a Revolução Francesa (revolução política). Os problemas da sociedade, o conflito de classes e a emergência de novas crises despertavam o interesse de pensadores da época.

As principais obras de Durkheim foram escritas entre os anos de 1880 e 1917. É a época da chamada Modernidade, marcada pela urbanização, o crescimento populacional, a tecnologia e as rápidas transformações da sociedade.

Conheça algumas ideias centrais desse pensador:

A sociologia como uma ciência

O filósofo Auguste Comte (1798-1857) criou o termo “sociologia” a partir da organização do curso de Filosofia Positiva em 1839. Ele acreditava na superioridade da ciência e no seu poder de explicação dos fenômenos de maneira desprendida da religiosidade, como era comum se pensar naquela época.

Herdeiro do positivismo de Augusto Comte, Durkheim acreditava que os acontecimentos sociais poderiam ser observados como coisas (objetos), pois assim seria mais fácil de estudá-los. Ele propôs regras de observação e de procedimentos de investigação que fizessem com que a Sociologia fosse mais “científica”. Por isso, muitos sociólogos o consideram como o verdadeiro fundador dessa área de conhecimento.

Durkheim pregava a objetividade na análise dos fatos sociais. Para ele, ao analisar uma sociedade, o pesquisador deve manter certa distância de seu objeto, ocorrendo com isso a neutralidade científica. Assim, ele deve perder o olhar subjetivo com relação aos fatos (ser isento de sentimentos como paixão, desejo ou preconceito) e, a partir disso, mensurar e observar a realidade social em questão.

Segundo Durkheim, o sociólogo deve ter como instrumentos para o desenvolvimento de seu trabalho a integração de análises quantitativas (uso da matemática e estatística) e qualitativas, complementados com observação, mensuração e interpretação.

Os fatos sociais

Para Durkheim, o objeto de estudo de um sociólogo é o que ele chamou de fato social. Fato social é tudo o que é coletivo, exterior ao indivíduo e coercitivo. Eles têm existência própria e não dependem daquilo que um indivíduo faz em particular.

Ele atribui três características que caracterizam os fatos sociais. É a partir desses elementos que a sociedade impõe sobre o indivíduo um padrão de comportamento. Um fato que reúna essas características é denominado social e pode ser estudado pela Sociologia.

Por exemplo, a grande maioria das pessoas pensa em casar e ter uma família. Então podemos dizer que o casamento e a constituição de uma família são fatos coletivos ou gerais, pois existem pela vontade da maioria de um grupo ou de uma sociedade.

Veja as três características dos fatos sociais segundo Durkheim:

Coercitividade- a força exercida sobre os indivíduos, obrigando-os, através do constrangimento, a se conformarem com as regras, normas e valores sociais vigentes. Os indivíduos são “obrigados” a seguir o comportamento estabelecido pelo grupo.

Exterioridade- algo exterior ao indivíduo. As ações coletivas e individuais acontecem independentes da vontade individual, são consequências de outros acontecimentos sociais como o governo, a religião, a educação e a geografia.

Generalidade- a manifestação de um fenômeno que permeia toda a sociedade.

O indivíduo é fruto de uma sociedade

Durkheim acredita que as ações das pessoas não acontecem por acaso. Apesar de existir uma consciência individual que dá a forma aos indivíduos pensarem e interpretarem a vida, o indivíduo seria fruto da sociedade, ou seja, suas ideias, condutas, concepções, valores e maneira de agir são influenciados pelo meio em que vive.

Para ele, a existência de uma sociedade só é possível a partir de um determinado grau de consenso entre seus membros constituintes. Durkheim acredita que dentro dos grupos sociais o que prevalece é a consciência coletiva, ou seja, o conjunto de crenças e sentimentos de uma mesma sociedade que serve para orientar a conduta de cada um de nós. Portanto, os fenômenos individuais podem ser explicados a partir da coletividade.

Função social

Para Durkheim, é impossível um indivíduo realizar todas as atividades de uma sociedade. As tecnologias e avanços estão em constante evolução, o que seria caracterizado pelo aumento dos papéis sociais ou funções.

A divisão de trabalho (profissões e atividades) indicaria o “grau de evolução” de uma sociedade (primitiva ou complexa). As sociedades modernas seriam caracterizadas pela hiperfragmentação do trabalho. Nós dependemos de infinitas categorias de trabalhadores e a divisão do trabalho social acaba provocando uma crescente interdependência entre os indivíduos.

Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica

Uma Teoria Sociológica é a visão de realidade de um cientista social. Durkheim é considerado um dos fundadores do Funcionalismo, corrente que estuda a relação entre as funções exercidas por cada parte da sociedade para a manutenção do equilíbrio social.

Durkheim entende sociedade como um corpo organizado, assim como a Biologia que compreende o corpo humano e todas suas partes em pleno funcionamento. A sociedade seria a soma de partes em operação e cumprindo suas funções.

O funcionalismo entende que as sociedades organizam-se, necessariamente, como um todo orgânico, em que cada uma das suas instituições atua de modo a conferir coesão (unidade, estabilidade) ao conjunto. A sociedade seria um organismo em adaptação onde se busca encontrar soluções para a vida social.

Para Durkheim, as sociedades se organizam sob tipos de solidariedade. Ele classificou as sociedades por solidariedade mecânica e por solidariedade orgânica.

As sociedades organizadas sob a forma de solidariedade mecânica seriam aquelas nas quais existiriam poucas identidades sociais. Nessas sociedades, os membros viveriam de maneira semelhante e, geralmente, ligados pela consciência coletiva. Neste tipo de sociedade existiria pouco espaço para individualidades, pois qualquer tentativa de ir contra a corrente seria percebida e corrigida pelos demais membros. Um exemplo seria a organização de aldeias indígenas e de Estados totalitários, como a Coreia do Norte.

Nas sociedades de solidariedade orgânica existem muitos papéis sociais. Diante da existência de uma maior diversidade de papéis, diminui o grau de controle da sociedade sobre cada pessoa. Neste contexto, o pleno exercício da individualidade e a falta de controle facilitam o alcance de posições de destaque dentro da sociedade. Para Durkheim, essa é uma das principais características da sociedade moderna, onde também emerge o egoísmo.

Estados normais e patológicos

Até que ponto é possível a coexistência do indivíduo e a coletividade? Para Durkheim, uma sociedade apresenta estados normais e patológicos.

Um fato social normal é aquele que se encontra generalizado na sociedade desempenhando papel importante na adaptação e evolução dessa. Assim, como no corpo humano, se algo não funcionar bem, em “ordem”, significa que está doente.

Os fatos sociais patológicos são os que estão fora dos limites permitidos pela ordem e pela moral da sociedade, são doenças que põem em risco a harmonia do grupo e são vistos como transitórios e passageiros.

Se elementos da sociedade com funções específicas como a família, a igreja, o Estado, a escola, as empresas ou grupos da sociedade civil venham a falhar no cumprimento de seus propósitos, surge no corpo da sociedade uma patologia que ameaça sua estabilidade.

As sociedades podem atravessar períodos de anomia. Como diferenciar os fatos sociais considerados "normais" daqueles considerados patológicos? Para Durkheim, mesmo sendo negativo, o crime, por exemplo, é um fato social tido como normal, pois é encontrado em todas as sociedades, integrando as pessoas do grupo social através de uma conduta de valor moral que busca punir o comportamento errado. O crime só se torna um fato social patológico quando assume proporções exageradas.

Suicídio

Durkheim realizou o primeiro estudo sociológico sobre o suicídio, um fenômeno complexo. Ele tentou fazer conexões entre causas e consequências. Para ele, mesmo sendo resultado de uma escolha individual, o suicídio seria um fenômeno social. Ele seria um aspecto patológico (uma disfunção, ou uma doença) característico das sociedades modernas.

Segundo Durkheim, há três tipos de suicidas: egoísta, altruísta e anômico. Sociólogos poderiam fazer correlações entre taxas de suicídios e fatores sociais externos.

Nos casos de suicídio “altruístas”, um indivíduo valoriza a sociedade mais do que a ele mesmo (e se dispõe a morrer por ela). É o caso dos terroristas do Oriente Médio que fazem atentados com bombas presas no corpo.

Já o suicídio egoísta, segundo Durkheim, acontece quando a falta de redes de convívio ou limites para a ação poderia levar a pessoa a desejar ilimitadas coisas ou não veja mais sentido na vida, não tenha mais razão para viver. Caso a tal pessoa não consiga realizar os seus desejos, a frustração poderia levá-la a um suicídio.

Já o suicídio por anomia acontece por causa de mudanças sociais, quando a pessoa perde seus objetivos e sua identidade. Por exemplo, taxas de suicídio são altas durante épocas de guerra, recessão econômica e desemprego. Também se elevam em períodos de desintegração social e instabilidade política.

Esse tipo de suicídio é muito influenciado pelo fator da “desconformidade” com o que seria tido como ideal na sociedade. Por exemplo, no Japão, o índice de suicídio é alto entre jovens que não conseguem ser aprovados no vestibular. A não aprovação de um indivíduo no ingresso da universidade seria um exemplo de ‘desconformidade’ com os valores dessa sociedade.

BIBLIOGRAFIA

Da Divisão Trabalho Social, Emile Durkheim, Martins Fontes, 2010
As regras do Método Sociológico, Emile Durkheim, Martin Claret, 2001
O Suicídio, Emile Durkheim, Martins Fontes, 2000

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