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Participação social - Brasil ainda enfrenta obstáculos para a democratização da gestão pública

Andréia Martins

da Novelo Comunicação

Logo após a reeleição da presidenta Dilma Rousseff (PT), o Congresso aprovou um projeto que veta o decreto 8.243/2014 proposto pela própria petista e que criava novas instâncias de participação popular por meio da instituição da Política Nacional de Participação Social (PNPS).

Segundo o texto, o objetivo é “consolidar a participação social como método de governo” e, para isso, sugere que órgãos governamentais e agências reguladoras e de serviços públicos promovam consultas populares.

Direto ao ponto: Ficha-resumo

Entre os tipos de consultas populares que poderiam ser utilizadas, o decreto cita nove: conselhos de políticas públicas, comissão de políticas públicas, conferência nacional, ouvidoria pública federal, mesa de diálogo, fórum interconselhos, audiência pública, consulta pública e ambiente virtual de participação.

Para a oposição, a proposta é "bolivarianista" e fere prerrogativas do Congresso Nacional. Para o governo, a medida estimula a criação de estruturas de participação social. Outros críticos alegam que o decreto é até “tímido” já que não traz muitas alterações em relação ao que está na Constituição de 1988. A polêmica levantou a necessidade de se debater a democracia participativa e a forma como entendemos e de como deve ser, de fato, a participação social.

Democracia: da Grécia ao mundo moderno

Como regime político, a democracia é caracterizada pela participação popular, que pode ser direta (quando todos os indivíduos manifestam sua opinião sobre os assuntos relevantes para eles em assembleias, plebiscitos ou referendos) ou representativa (onde a coletividade vota em seus representantes a quem é delegado o poder para tomar as decisões).

Dizemos que uma sociedade é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes, respeito à vontade da maioria e das minorias, ela institui algo que é condição de seu próprio regime político: direitos.

O berço do conceito de democracia é a Grécia antiga. Naquela sociedade, criou-se a tradição democrática com a instituição de três direitos: igualdade, liberdade e participação no poder.

Quantos aos dois primeiros vale lembrar que as mulheres, os escravos e os estrangeiros não eram considerados cidadãos e, por isso, estavam excluídos das grandes decisões. No entanto, como observaram Aristóteles e Karl Marx, embora a instituição desses direitos não os garantissem imediatamente, abria campo para a criação da igualdade e sua consolidação real.

Já quanto à participação, era dado a todos os cidadãos o direito de participar das discussões e deliberações da cidade. A política era considerada uma ação coletiva.

A partir do século 18, as revoluções burguesas que derrubaram as monarquias absolutistas, como a Revolução Americana (1776) e Revolução Francesa (1789), foram dando novas bases para a criação de um conceito moderno de democracia. O princípio básico dessa democracia moderna é o direito dos cidadãos de eleger seus representantes pelo voto.

Enquanto a democracia ateniense era direta, a moderna é representativa, o que deixou o direito de participação mais limitado ao pleito, na visão de boa parte dos cidadãos. Mas, por definição, a democracia espera uma participação social e popular que vá além do voto. 

A participação social

A definição de democracia no Dicionário de Políticas Públicas do NUPPS (Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da USP) é “não existe democracia sem democratas, isto é, pessoas comuns que aceitam conviver com as outras no ambiente de tolerância e cooperação que caracteriza a democracia e que alimentam, mesmo quando desejam aperfeiçoar o regime, sentimentos, atitudes e comportamentos favoráveis a ele; para isso, a participação é fundamental, assim como a disposição de corrigir distorções como a corrupção”.

Com a Constituição de 1988, que veio após a ditadura militar, o direito à participação foi elevado a princípio constitucional, resultado da demanda por uma maior participação e controle público, consolidando o que ficaria conhecido como “democracia participativa”.

A democracia participativa tem como componente básico a defesa da participação direta dos cidadãos na tomada de decisão dos políticos e órgãos públicos. Ela ganha força com a necessidade de novas formas de diálogo entre o poder público e a sociedade, através de canais e mecanismos de participação social.

A participação social se dá nos espaços e mecanismos do controle social como conferências, conselhos, ouvidorias, audiências públicas, entre outros, que atuam no controle, a fiscalização, o acompanhamento e implementação de políticas públicas, bem como para um diálogo mais frequente entre os governos e a sociedade civil.

Os conselhos de políticas no Brasil têm sua origem nas lutas sociais travadas no período de democratização política brasileira, pós-ditadura militar. Segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo, hoje há no Brasil 40 conselhos e comissões de políticas públicas, formados por 668 integrantes do governo e 818 representantes da sociedade.

Eles reúnem representantes de entidades empresariais, organizações da sociedade e governo, eleitos por voto ou outro mecanismo, acordado com o grupo. Alguns têm décadas de funcionamento, como o Conselho Nacional de Saúde, instituído em 1937. Outros foram institucionalizados em 1988.

Sua atribuição não é de veto a uma lei ou decisão (um conselho não pode vetar uma decisão do Congresso, por exemplo), mas de levar para diferentes setores e perfis o debate.

Nessa linha, é importante diferenciar participação social de popular. A participação popular corresponde a formas mais independentes e autônomas de atuação, organizadas em movimentos sociais, associações de moradores, entre outras. Aqui, as formas de luta são mais diretas, com a realização de marchas, ocupações, protestos (os de junho de 2013, por exemplo), ente outros.

No Brasil, embora tenhamos visto avanços, como orçamento participativo (que permite que a população participe da decisão dos investimentos em obras e serviços a serem realizados a cada ano na cidade, com os recursos do orçamento da prefeitura) e o congresso das cidades, bons exemplos da participação social, a democratização da gestão pública ainda apresenta muitos desafios.

“De fato, constatamos uma participação restrita a poucos segmentos sociais com capacidade de organização e expressão política, cujo risco é exatamente reforçar o círculo vicioso de produção e reprodução das enormes desigualdades já existente, em razão da crescente dificuldade de organização e expressão política dos segmentos sociais em situação de vulnerabilidade ou exclusão social”, escreve o sociólogo Orlando Alves dos Santos Jr. no texto "Dilemas e desafios da governança democrática".

Este é um dos desafios da participação social. Estaríamos preparados para participar desse debate? O número de pessoas ligadas a associações civis representa a diversidade de indivíduos e necessidades? As práticas são éticas e desvinculadas de partidos e figuras políticas? Ou seja, outras questões também estão ligadas a essa participação.

No entanto, ela abre caminho para um diálogo mais próximo entre sociedade e governo. Cabe a essas estruturas serem idôneas, éticas, representarem diferentes setores, e ao governo (federal, municipal ou estadual), cabe oferecer possibilidades para que tais estruturas participativas sejam criadas e não seja apenas “uma cidadania por decreto”, onde a voz do povo, chamado ao debate, de nada vale.

DIRETO AO PONTO


A polêmica em torno do veto por parte do Congresso brasileiro ao decreto 8.243/2014 proposto pela presidenta Dilma Rousseff, em maio deste ano, e que criava novas instâncias de participação popular levantou a necessidade de se debater o status da democracia participativa e a forma como entendemos e de como deve ser, de fato, a participação social.

 

A participação social se dá em espaços como conferências, conselhos, ouvidorias, audiências públicas, entre outros. Essa forma de atuação organizada é fundamental para o controle, a fiscalização, o acompanhamento e implementação de políticas públicas, bem como para um diálogo mais frequente entre os governos e a sociedade civil.

 

Poder ser no formato de conselhos de políticas públicas, comissão de políticas públicas, conferência nacional, ouvidoria pública federal, mesa de diálogo, fórum interconselhos, audiência pública, consulta pública e ambiente virtual de participação.

 

Para que elas sejam possíveis, deve haver diálogo para a sua criação, implantação e execução. E por outro lado, para fazer valer a democracia, é preciso oferecer bases e oportunidades para que tais estruturas de participação social existam.

 

 

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