Legal highs - Mais destruidora, nova geração de drogas sintéticas exige novas estratégias de combate
As primeiras drogas que os homens consumiram tinham origem em plantas com psicotrópicos como a maconha, ayahuasca, cogumelos e o peiote, usados principalmente em cerimônias espirituais.
Foi a partir do século 19, com o avanço da química, que drogas de todos os tipos começaram a ser fabricadas. Durante o século seguinte, o mundo conheceria invenções como a cocaína, o LSD (ácido lisérgico), a heroína, o ecstasy e a metanfetamina.
No entanto, desde início dos anos 2000 uma nova geração de drogas sintéticas, também chamadas de “legal highs” (drogas legais), apareceu, vista como mais potente e perigosa do que as anteriores. E ainda: elas são mais fáceis de produzir e precisam de um investimento menor.
As drogas sintéticas são aquelas produzidas a partir de uma ou várias substâncias químicas psicoativas. Há ainda as chamadas semissintéticas, feitas a partir de drogas naturais quimicamente alteradas em laboratórios. Segundo o Relatório Mundial de Drogas de 2015, levantamento do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em 2014 um total de 541 novas substâncias psicoativas foram catalogadas.
As legal highs são fármacos criados ou modificados em laboratórios a partir de alterações na estrutura molecular de substâncias ilegais, que reproduzem os efeitos das drogas comum, sem perder os efeitos psicotrópicos. O problema é que esses compostos não são listados como produtos controlados pela lei, facilitando o acesso do usuários.
Embora muitos acreditem que essas drogas viciem menos e provoquem menos danos aos usuários, o que se vê são efeitos tão devastadores quanto o de outras drogas pesadas. Em 2013, por exemplo, um jovem britânico matou a mãe a facadas e cortou o próprio pênis com a mesma arma. Segundo a polícia, ele havia usado Meow Meow (a tradução em português seria Miau-Miau), uma nova droga que começava a se tornar uma mania no Reino Unido.
Essa história sinistra revela um dos casos mais extremos do efeito dessas novas drogas sintéticas. A Meow Meow tem como princípio ativo a mefedrona, estimulante de ação rápida cuja sensação no corpo seria a de um coquetel de cocaína com ecstasy. Seu abuso pode provocar paranoia extrema e alucinações, ataques cardíacos e surtos de esquizofrenia, especialmente se o usuário sofre de doença mental.
Foi em 2010 que a mefedrona apareceu como novidade, fabricada por laboratórios caseiros e vendida pela internet. Nos Estados Unidos, a substância se popularizou com um novo produto apelidado de “sais de banho” devido à aparência de cristais que lembram os sais convencionais usados em banheiras.
O mais surpreendente: esses sais de banho não traziam substâncias ilegais, mas reproduziam efeitos semelhantes a narcóticos proibidos. Ou seja, são “drogas disfarçadas”, feitas a partir de produtos químicos permitidos pela lei e vendidas pela internet.
Os ingredientes ativos mais comuns dos sais de banho são variações sintéticas do estimulante natural catinona, encontrado no khat, arbusto popular na África e no Oriente Médio e parecido com as folhas de coca da Bolívia. Na indústria química, esse estimulante é usado na fabricação de fertilizantes e repelentes. Hoje são mais de 40 tipos classificados de catinona sintética, como a mefedrona, a metilona, a metilenodioxipirovalerona, a flefedrona e a nafirona.
A chamada “maconha sintética” também é outra criação dos bioquímicos. Ela é encontrada na forma de um incenso de ervas que lembra a maconha tradicional. Seu uso é indicado pelos fabricantes para perfumar ambientes ou ser usado como fertilizante. As embalagens geralmente trazem a frase “imprópria para consumo humano”. Mas se o usuário fumar o incenso, é liberada a substância ativa da droga, um canabinoide sintético chamado de CP 47497.
Os canabinoides são usados pela indústria farmacêutica na pesquisa de novos medicamentos. Começaram a ser ingeridos como drogas recreativas há poucos anos, com a criação de produtos à base de maconha sintética, chamados “spices” (tempero, em inglês).
Posteriormente foram parar em lojas dos Estados Unidos e Europa. Médicos afirmam que a maconha sintética é mais potente que a sua versão natural e seus efeitos aumentam em 30 vezes a chance de internação. Além disso, ela altera o equilíbrio psicológico e pode causar quadros como derrame cerebral, convulsões, alucinações, crises de pânico e psicose.
Krokodil: a droga canibal
Na última década, muitos jovens do subúrbio de cidades da Rússia estão adoecendo e morrendo a uma velocidade impressionante. O motivo é uma nova droga injetável chamada de Krokodil (crocodilo em russo). O nome foi batizado pela aparência escamosa e a cor esverdeada da pele dos usuários, assemelhada ao couro do crocodilo. É descrita como a droga que mais letal do mundo e extramente dependogênica.
Classificada quimicamente como desomorfina, a droga se tornou popular na Rússia a partir de 2003 e foi apelidada pela imprensa de “devoradora de carne humana” porque corrói a pele do usuário por dentro, deixando-o com uma aparência similar aos zumbis dos filmes de terror.
A Krokodil pode ser feita com ingredientes de fácil acesso, a partir da síntese tradicional da codeína, alcaloide que se encontra de forma natural no ópio e usado pela indústria farmacêutica em sedativos e analgésicos comuns. Depois, a desomorfina é cozinhada com produtos como gasolina, solventes de tinta, enxofre, iodo e fósforo vermelho de munição.
Além de ser de 8 a 10 vezes mais potente que a morfina, nos laboratórios caseiros, a desomorfina é adicionada a substâncias ácidas e tóxicas que causam necrose e gangrenas no tecido e podem corroer ossos e músculos. Enquanto a expectativa de vida de um usuário de heroína em Moscou é de quatro a sete anos, a de um usuário de Krokodil chega a apenas dois anos de uso.
Apesar do perigo, o sucesso da Krokodil na Rússia tem duas explicações: ela é dez vezes mais barata que a heroína e causa efeitos similares à droga. O país é um dos maiores consumidores de heroína do mundo. Para piorar o cenário, os russos são vizinhos do Cazaquistão, que escoa o ópio produzido no Afeganistão – as plantações de papoulas afegãs são responsáveis por mais de 90% da produção de ópio mundial.
Com a crise econômica dos últimos anos, usuários russos buscam alternativas mais em conta e migram para a nova droga. Segundo estimativas, apenas em 2011 mais de 100 mil pessoas usaram a droga na Rússia.
Novas drogas no Brasil
Foi após o ano 2000 que o Brasil viu o crack se espalhar por todos os cantos do país e se tornar uma epidemia em algumas cidades, atingindo populações cada vez mais jovens. Estima-se que o Brasil tenha um milhão de usuários de crack.
Desde 2011, uma nova droga preocupa o governo brasileiro: o óxi, substância considerada cinco vezes mais potente que o crack. Derivada da cocaína, sua composição é à base de coca oxidada, cal virgem, querosene ou gasolina.
A droga está sendo tratada pelos médicos como mais letal que o crack e com maior capacidade de vício. Pesquisa feita com 100 usuários no Acre em 2011 constatou que um terço deles morreu antes de completar um ano de uso.
Embora ainda não existam estatísticas de apreensão, diversas drogas sintéticas já chegaram ao Brasil. Para especialistas, os números só não são maiores porque há dificuldade em identificar as substâncias.
Em 2014, um estudante morto na USP teve overdose em uma festa e morreu afogado. Laudos mostram que ele fez uso de NBOMe, droga que compartilha características com o LSD, apesar de ser uma metanfetamina. É vendido em ampolas, pílulas ou em blotters (um papel embebido com um líquido). Possui propriedades alucinógenas, mas com efeitos mais potentes do que o LSD.
Em agosto de 2011 a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proibiu a comercialização da mefedrona no país. À lista, somaram-se outras substâncias como os tipos de canabinoides sintéticos, de catinonas e de NBOMe, após solicitação da Polícia Federal.
Um combate difícil
Em relação a drogas, o aumento de consumo é sempre relacionado ao aumento do tráfico. Enquanto existir demanda, vai existir o comércio ilegal. A forma de combate tradicional do comércio ilegal de drogas como a cocaína ou o crack é geralmente pela repressão policial e a prisão dos envolvidos.
Mas o combate às novas drogas sintéticas enfrenta novos obstáculos. O principal é a produção de substâncias a partir de componentes químicos legais. As catinonas sintéticas, na forma de sais de banho, usam o rótulo de agrotóxico e repelente para burlar a lei.
Por serem feitas em laboratórios clandestinos (geralmente em países como a China e a Índia) e misturadas a substâncias que não são enquadradas como entorpecentes é difícil fiscalizar a sua venda e rastrear a existência de substâncias a olho nu.
Soma-se a isso o fato de algumas destas drogas nem serem detectadas em exames toxicológicos e nem serem conhecidas por pesquisadores. Ao aparecer em exames como a urina e sangue, fica difícil estudar todos os seus efeitos na saúde do usuário. A grande preocupação é que não exista na rede pública de saúde nenhum programa específico para o tratamento dos transtornos gerados por esse tipo de consumo.
Uma alternativa para o combate a esses narcóticos é a proibição da venda de substâncias químicas que fazem parte da fórmula de sintéticos.
Recentemente, diversos estados dos EUA baniram substâncias recorrentes nas novas drogas, como a mefedrona e o CP-47 497. No Brasil, algumas destas drogas já estão na lista de substâncias proibidas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Mas os traficantes parecem estar sempre a um passo à frente. Quando uma substância é proibida, outro novo componente parece surgir e criar novas variações de drogas do composto original.
Outro problema é a ineficiência do Estado em recuperar o dependente químico e oferecer o tratamento ambulatorial e psicológico. As ações de políticas públicas não conseguem ser realizadas na mesma velocidade em que a droga se propaga. Na era das drogas de laboratório, basta uma nova combinação para uma nova droga chegar ao mercado.
BIBLIOGRAFIA
- Lista de substâncias proibidas pela Anvisa
- Artigo Legal highs: um problema de saúde pública. Cadernos de Saúde Pública, vol.30 nº2 (2014). Disponível online
- Artigo Risco cultivado no consumo de novas drogas, Susana Henriques. Sociologia, Problemas e Práticas, nº 40 (2002). Disponível online
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