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Greve - Uma forma de luta dos trabalhadores com três séculos de história

Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Cerca de 13 mil servidores da Polícia Federal iniciaram uma greve de 72 horas, em 22 de maio de 2007, por divergências com o governo sobre seu reajuste salarial. A greve é uma forma de luta utilizada há no mínimo três séculos por trabalhadores no mundo todo. Conhecer sua história e delimitar com maior precisão o conceito de greve pode ajudar a compreender melhor os movimentos grevistas que ocorrem e ocorrerão em nossa sociedade.

Essencialmente, fazer ou entrar em greve é parar uma atividade, de forma voluntária, com um objetivo determinado. É isso que ocorre, por exemplo, no caso de uma greve de fome, em que um indivíduo ou grupo pára de ingerir alimentos, ou de uma greve estudantil, quando os estudos são interrompidos até que as reivindicações dos estudantes sejam atendidas.

Quando se trata de uma greve de policiais federais, metroviários, bancários, professores, operários, etc., fala-se especificamente da paralisação de uma categoria trabalhista, de um movimento coletivo, organizado na maior parte das vezes por sindicatos que representam os trabalhadores assalariados.

Derrubar governos ou causar prejuízos
Os objetivos das greves trabalhistas, em geral, é a obtenção de benefícios (ou evitar a sua perda), como aumento de salário e melhoria de condições de trabalho. Mas uma greve também pode ter objetivos políticos. Foi o caso da greve dos trabalhadores Gdansk, na Polônia, conduzida por Lech Walesa, em 1980, que derrubou o governo ditatorial daquele país e, depois, contribuiu para a queda dos governos comunistas do Leste europeu.

No âmbito trabalhista, normalmente, a greve é utilizada como último recurso durante as negociações entre empregados e patrões. Cruzando os braços e deixando de produzir, os trabalhadores causam um prejuízo imediato à(s) empresa(s). Com isso, forçam os empregadores a atender suas reivindicações ou, no mínimo, a lhes fazer concessões.

Paris e Chicago
A palavra portuguesa "greve" vem da francesa "grève", que tem o mesmo sentido. Ela ganhou esse significado, pois a antiga Place (praça) de Grève, em Paris, às margens do Sena, era um porto para onde iam os homens sem trabalho, em busca de um serviço temporário como carregador. Daí "ir à Grève" significava estar sem trabalhar.

Foi durante a Revolução industrial que as greves se consolidaram como forma de luta dos operários. Na maioria dos países, tornaram-se rapidamente ilegais, já que os proprietários das fábricas tinham mais poder político do que os trabalhadores. Porém, grande parte dos países ocidentais legalizou parcialmente as greves no início do século 20.

Em 1o de maio de 1886, uma greve operária em Chicago, nos Estados Unidos, desencadeou uma repressão brutal da polícia contra os trabalhadores e resultou na morte de alguns deles. Esta greve tinha como objetivo o estabelecimento de uma jornada de trabalho de oito horas (contra as 13 horas habituais).

Em função de seu saldo sangrento, o 1 o de maio transformou-se num símbolo da luta dos trabalhadores e, posteriormente, em dia do trabalhador e do trabalho.

As greves no Brasil
No início do século 20, com o crescimento industrial e urbano, surgiram bairros operários em várias cidades brasileiras, formados em sua maioria por imigrantes. As más condições de vida e de trabalho dos operários eram agravadas pela falta de leis trabalhistas, que garantissem descanso semanal, férias e aposentadoria, por exemplo.

As primeiras manifestações grevistas surgiram sob influência das ideias anarquistas e socialistas, que moviam as lutas operárias internacionais. Lutava-se tanto por melhores condições de trabalho, quanto pela implantação de uma sociedade teoricamente mais igualitária.

A organização dos trabalhadores resultou na fundação de associações sindicais e de jornais operários. Surgiram manifestações e greves em vários Estados, destacadamente em São Paulo, onde se concentrava o maior número de indústrias do país. Em 1907, a cidade de São Paulo foi paralisada por uma greve que reivindicava a jornada de oito horas diárias de trabalho. A manifestação acabou atingindo diversas cidades do estado, como Santos, Ribeirão Preto e Campinas.

Cotonifício Crespi
Em julho de 1917, outra grande greve teve início em São Paulo, na maior tecelagem do país: o Cotonifício Crespi, na rua dos Trilhos, no bairro da Moóca. A morte de um sapateiro pela polícia resultou na ampliação do movimento, que contou com a adesão de 50 mil pessoas, incluindo servidores públicos, e fez parar a capital paulista.

Os patrões consideraram a greve não como uma questão social, mas como caso de polícia, embora o prefeito de São Paulo, Washington Luís - futuro presidente da República - tenha procurado a conciliação. Para defender e representar os grevistas foi organizado um Comitê de Defesa Proletária, que teve no militante anarquista Edgar Leuenroth, editor do jornal "A Plebe", um dos seus principais líderes.

A partir daí, o movimento foi reconhecido e nas décadas seguintes as organizações operárias passaram a ser vistas como instâncias legítimas e representativas, o que garantiu as negociações com os patrões. No entanto, as maiores conquistas dos trabalhadores brasileiros durante a primeira metade do século 20 decorreriam da política trabalhista imposta por Getúlio Vargas, no Estado Novo.

Partido dos Trabalhadores
Durante o regime militar, entre 1964 e 1985, as greves foram proibidas no Brasil. Foram consideradas subversão ao regime e quem dela participasse estava sujeito aos rigores da Lei de Segurança Nacional. Somente a partir do final dos anos 1970 movimentos grevistas tornaram a acontecer, em virtude da degradação da conjuntura política e econômica do país.

Nesse contexto, em 1980, uma greve dos metalúrgicos do ABC paulista, que durou 41 dias, marcou o início das manifestações de massa contra o regime militar. Nela, delineou-se uma nova estratégia de ação sindical e política no Brasil.

A partir desta greve, as lideranças sindicais partiram para uma luta que ia além das reivindicações trabalhistas. Dentre elas, destacava-se um torneiro mecânico pernambucano, Luiz Inácio Lula da Silva, personagem decisiva na criação do Partido dos Trabalhadores (PT), que chegou à presidência da República, cerca de vinte anos depois, nas eleições de 2002.

Dentro da Lei
A Constituição brasileira de 1988, ora em vigor, considera a greve um dispositivo democrático e assegurou ao trabalhador esse direito em seu artigo 9º, que diz:

"É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei."

Este artigo constitucional é regulamentado pela Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, sancionada por José Sarney, então presidente da República. Basicamente, ela procura dar configuração pacífica e civilizada à atividade grevista e estabelecer o Estado como instância mediadora suprema entre patrões e empregados.

Outro ponto importante é que ela define "atividades essenciais", nas quais os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

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