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Evolução da genética - O gene nosso de cada dia

José Renato Salatiel, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

A empresa recebe o currículo de um candidato e, na internet, verifica que seu genoma apresenta traços de uma tendência para agressividade. O candidato perde a vaga. Em outro ponto da cidade, numa clínica médica, um casal "projeta" seu filho para nascer louro, de olhos azuis e, quando adulto, atingir 1,80 m de altura. "Quem sabe um Brad Pitt", dizem. A poucos quarteirões dali, num hospital público, um paciente recebe droga inibidora dos efeitos do gene do homossexualismo.

Todos estes casos são fictícios, apesar de a ciência genética os tornar bastante plausíveis e mesmo viáveis atualmente. Quais são os limites? Além de questões morais e religiosas que norteiam experiências de engenharia genética - principalmente as que envolvem embriões e clonagem - existe ainda o fato de o genoma não ser um retrato fiel da essência humana, determinando desde condutas sexuais até o caráter.

No último dia 9 de janeiro, nasceu o primeiro bebê britânico selecionado geneticamente para não ter o gene causador do câncer de mama e ovário. Os médicos selecionaram vários embriões com a técnica da fertilização in vitro e implantaram no útero da mãe aquele que não possuía o gene defeituoso.

Os pais são portadores do gene e, provavelmente, teriam um filho com predisposição para desenvolver um tumor. No procedimento, os óvulos foram fertilizados fora do corpo da paciente e somente o embrião sem o gene específico foi implantado no útero.

Na prática, apesar de estar livre da carga genética defeituosa, a criança não está totalmente isenta de desenvolver outros tipos de câncer, e mesmo de mama ou de ovário, devido a fatores externos ou genéticos. Mas, sem a seleção genética, a menina teria até 80% de possibilidade de ter um tumor no futuro, segundo os médicos.

Em breve, os cientistas poderão identificar qualquer uma das 15 mil doenças hereditárias existentes antes de a criança nascer, bastando para isso fazer o mapa genético da família, que descobre traços de genes causadores das doenças. Assim, poderão no futuro erradicar muitos tipos de males. Mas isso é só o começo.



O DNA

Os cientistas James Watson e Francis Crick descobriram a estrutura do DNA (ácido desoxirribonucleico) em 1953. Desde então, o campo da genética passou a fazer parte do cotidiano. Testes de DNA permitem provar o parentesco e descobrir criminosos, produzir alimentos modificados (os chamados transgênicos) e clonar animais, como a famosa ovelha Dolly, em 1997, o primeiro mamífero clonado a partir das células de um macho adulto.

DNA é um código molecular formado por combinações químicas que possuem todas as informações necessárias para gerar um indivíduo e que são passadas de uma geração a outra. É como se fosse um programa inscrito em nossas células que contém os dados que garantem o funcionamento da máquina.

O mapeamento completo do genoma humano possibilita, hoje, além de diagnosticar algumas doenças hereditárias antes mesmo do nascimento, saber se somos portadores de genes responsáveis por uma predisposição à obesidade, depressão e até para o divórcio.

Mas até que ponto as escolhas pessoais são realmente determinadas pelas informações genéticas que o homem traz em seu DNA?



Consumo genético

Em um artigo recentemente publicado no jornal The New York Times (My Genome, My Self, ou "Meu Genoma, meu Eu"), o psicólogo cognitivo Steven Pinker questiona o quanto os genes podem responder pelos hábitos, personalidade e comportamento dos seres humanos.

Pinker teve seu genoma sequenciado e inserido em um banco de dados público na internet pelo Projeto Genoma Pessoal, que possui em seu cadastro 100 mil genomas catalogados.

Outras iniciativas deste tipo inauguraram, diz o autor, a era do consumo genético. O Knome (pronuncia-se know me, "conheça-me" em inglês) é a primeira companhia a vender o sequenciamento completo e análise do genoma por U$ 99.500 (R$ 230 mil). Já a 23andMe (23 se refere ao número de pares de cromossomos que o ser humano possui) oferece uma amostra dos traços característicos, risco de doenças e linhagem por U$ 399 (R$ 921).

De posse destes dados, a medicina pode ficar personalizada - os remédios serão manipulados e prescritos para reagir à bioquímica de um organismo específico. Mas também pode fazer com que empresas cobrem mais caro pelo plano de saúde ou se recusem a dar cobertura, baseadas no mapa genético do cliente (por esta razão, os Estados Unidos aprovaram em 2008 uma lei que impede a discriminação com base em informações genéticas).

As pesquisas, contudo, estão apenas iniciando a identificação de genes responsáveis por habilidades naturais e personalidades. Mas será que os genes podem dizer quem somos?



Roleta

A genética, na verdade, aponta algumas predisposições, que dependem ainda de fatores externos como cultura, família e hábitos pessoais. Se um indivíduo tiver péssimos costumes alimentares e uma tendência para colesterol alto, aumentam as chances de problemas coronários, por exemplo.

Em resumo, os genes respondem ao ambiente. Uma criança muito inteligente não desenvolverá seus talentos se não houver um contexto propício para isso, se, por exemplo, nascer em uma região muito pobre e não tiver acesso à boa educação e carinho dos pais.

Pinker chama atenção ainda para um fato poucas vezes levado em conta: os genes também estão sujeitos a mudanças no interior do organismo. Tudo o que temos são algumas apostas. Diz o cientista:

"Para algumas condições, como a doença de Huntington [mal que ataca o sistema nervoso central], o determinismo genético é simplesmente correto: qualquer um que tenha o gene defeituoso e que viva o tempo suficiente vai desenvolver a doença. Mas, para a maioria dos outros traços característicos, toda sequência de genes será probabilística."

É como se a vida fosse uma grande roleta e os genes fossem os dados. Você pode apresentar, como no caso de Pinker, 12,6% de chances de ter câncer de próstata aos 80 anos, comparado com a estimativa de 17,8% para a maior parte dos homens brancos, e 26,8% de chances de ter diabete tipo 2, enquanto a média é de 21,9%.

Mas são apenas probabilidades, tudo vai depender de como vivemos e de como o genoma evolui.

O melhor exemplo é o caso de gêmeos idênticos, que têm a mesma estrutura genética, convivem com os mesmos familiares, amigos e colegas e, mesmo assim, desenvolvem personalidades próprias. Não são totalmente iguais.



Ética

Os limites da genética são de ordem ética, que motivam debates como o ocorrido no ano passado em torno das pesquisas com células-tronco embrionárias, e da falta de legislação específica. A técnica de seleção genética de embriões, por exemplo, é proibida ou restringida em alguns paises europeus. No Brasil, não há ainda normatização para o método, que está em fase de estudo.

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