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Combate às drogas - Legalização da maconha no Uruguai coloca em debate um novo sistema

4.ago.2013 - Cerca de 30 manifestantes participam da Marcha da Maconha, ato denominado "Me Governa, Mujica", de Ipanema até o Leblon, no Rio de Janeiro (RJ), neste domingo (4). O congresso uruguaio aprovou a legalização da maconha no país governado por José Mujica - Ale Silva/Futura Press
4.ago.2013 - Cerca de 30 manifestantes participam da Marcha da Maconha, ato denominado "Me Governa, Mujica", de Ipanema até o Leblon, no Rio de Janeiro (RJ), neste domingo (4). O congresso uruguaio aprovou a legalização da maconha no país governado por José Mujica Imagem: Ale Silva/Futura Press

Andréia Martins

Da Novelo Comunicação

Ronald Reagan, ex-presidente dos Estados Unidos, certa vez declarou que a maconha era “provavelmente a droga mais perigosa da América”. Em dezembro de 2013, para enfrentar o problema da droga, o Uruguai tomou uma decisão polêmica: legalizar a produção, distribuição e venda de maconha e submeter todas essas etapas ao controle do Estado, algo até então inédito.

Direto ao ponto: Ficha-resumo

O que são drogas

Atualmente, para a medicina, droga é toda substância capaz de modificar a função do organismo, resultando em alterações fisiológicas ou de comportamento. Uma substância ingerida, por exemplo, pode contrair as veias e artérias (modificando sua função) e a pessoa sofre um aumento da pressão sanguínea (mudança fisiológica).

Para os médicos, então, são drogas a nicotina dos cigarros, o álcool, a cafeína e alguns medicamentos para emagrecer, por exemplo, além dos produtos ilegais como a maconha, o crack, a cocaína, o ecstasy, entre tantos outros. Mas as drogas, evidentemente, não são todas iguais. As diferenças estão no efeito que provocam, no risco a que expõem o corpo e na dependência que podem provocar.

UOL Educação

A lei proposta pelo presidente José Pepe Mujica foi aprovada no Senado por uma pequena maioria e, segundo ele, visa combater o narcotráfico e reduzir a criminalidade. No Uruguai, um em cada três presos cumpre pena por tráfico de drogas.

A liberação entra em vigor em 2014 e não pune o consumo, mas limita a quantidade e quanto o usuário pode gastar por mês com a droga. Já para plantar, os residentes maiores de 18 anos terão que se cadastrar e poderão cultivar até seis plantas (no Brasil, quem for descoberto plantando um pé pode ser condenado por tráfico de drogas, com pena entre 5 e 15 anos de prisão). Para quem quiser comprar, o produto estará disponível em farmácias, com limite de 40 gramas por usuário. Estrangeiros não podem comprar droga.

No país, com uma população de 3,3 milhões, mais de 18 mil pessoas fumam maconha diariamente e cerca de 184 mil fazem uso da erva pelo menos uma vez por ano, segundo a Junta Nacional de Drogas.

Liberais, mas nem tanto

Embora tenha fama de país liberal, o governo encontrou resistência. Médicos, membros da Igreja Católica e da oposição resistem à ideia. A maioria dos uruguaios também: 63% da população não aprovam a legalização, afirma uma pesquisa. Assim como a ONU, que não concorda com a nova política -- a legalização da droga vai contra a Convenção Única das Nações Unidas sobre Narcóticos, implantada em 1961. Segundo a convenção, o consumo de maconha é permitido apenas para fins medicinais. Vem dela o paradigma proibicionista de combate atual às drogas, da luta contra o "flagelo das drogas", punindo quem as produzisse, vendesse ou consumisse.

E é isso que a lei de Mujica traz de novo: ela quebra o paradigma proibicionista, rompendo com a abordagem moralista que cerca o tema. Assim, o Uruguai se alinha ao que defendem a chamada Comissão Global de Política sobre Drogas, grupo formado pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), César Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México) e pelo ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan, entre outros nomes. A organização recomenda a descriminalização dos usuários de drogas e a implementação de políticas de regulamentação, especialmente no caso da maconha, para enfraquecer o poder econômico do crime organizado.

No Uruguai, a nova lei não quer estimular novos usuários, mas regular a atividade pelo Estado, tirando o poder das mãos dos traficantes para reduzir a violência. Tom Koenigs, do Partido Verde uruguaio, declarou que a descriminalização das drogas levou a uma queda no consumo em outros países, citando Portugal como exemplo. Lá, a posse de todas as drogas foi descriminalizada em 2001 e o consumo entre os jovens caiu de 2,5%, naquele ano, para 1,8%, em 2006.

Críticas

Mesmo que a intenção seja reduzir a criminalidade, a maior disponibilidade da droga no Uruguai preocupa diversos setores. Para políticos da oposição, o fácil acesso pode ser uma porta de entrada para drogas mais pesadas, aumentar a dependência e pode fazer, ainda, com que os traficantes reduzam os preços dessas mesmas drogas, já que eles perderiam o “mercado” da maconha – os locais que com a nova lei passarão a vender a erva não vão cobrar preços mais caros justamente para não competir com o tráfico. Para alguns especialistas em segurança pública, a perda desse mercado pode aumentar a violência e competitividade entre os traficantes.

Já para médicos, o fato de muitos não considerarem a maconha uma droga agressiva bem como a diferença de reação que cada pessoa pode ter ao usá-la, torna a legalização mais preocupante em termos de saúde. Segundo os médicos, o aumento do consumo é um risco, bem como a banalização de outras possíveis consequência do uso. 

A maconha na América do Sul

Na América do Sul, onde a maior produção de maconha vem do Paraguai, nenhum dos países adotou o modelo regulador do Estado proposto pelo Uruguai. Cada país se relaciona de forma diferente sobre descriminar ou legalizar a maconha.

A lei do Regime da Coca e Substâncias Controladas da Bolívia proíbe a produção, o tráfico e o consumo de maconha e pune esses delitos com as mesmas penas de outras drogas. Quem é condenado pelo cultivo da erva fica de um a três anos na prisão. Se o caso for de processamento de maconha, o tempo é de cinco a 15 anos. Por tráfico, a condenação começa em dez anos e vai até 25 anos. O consumo de maconha não dá prisão, mas os usuários "comprovados" são enviados a centros de reabilitação.

No Brasil, houve uma mudança na lei em 2006, que estabelece algumas diferenças entre usuário e traficante. Mas a lei ainda proíbe o consumo em todos os lugares, mesmo privados e o uso é considerado crime, não passível de prisão. As drogas são uma causa comum de condenações com prisão. Do total de detentos nos presídios brasileiros (548 mil), segundo dados deste ano do Ministério da Justiça,  138.198 estão presos por tráfico.

Chile e Colômbia, onde desde 1994 não é crime a posse de até 20 gramas de maconha e de um grama de cocaína, já iniciaram novas discussões sobre a legalização. Na Argentina, desde 2009 o uso em poucas quantidades foi descriminalizado. Por lá, um projeto para descriminalizar a posse e o cultivo pessoal foi apresentado este ano no Congresso.

No Equador, o consumo da maconha e outras drogas como ecstasy e cocaína foram legalizados em quantidades estipuladas pelo governo. O mesmo ocorre no Peru e na Venezuela, onde a maconha não é legalizada, mas o uso pessoal não é considerado crime dentro das quantidades autorizadas, ou seja, 8 e 20 gramas, respectivamente, por pessoa.

Como a nova lei uruguaia começa a vigorar em 2014, ainda não se sabe se essa nova estratégia de enfrentamento, com o Estado controlando e regulando o uso e acesso da droga, poderá dar certo. Se obtiver êxito, pode ser o início de uma nova forma de combater o problema. Do contrário, retornamos ao ponto de partida.

DIRETO AO PONTO

A aprovação no Uruguai de uma lei que, não só descriminaliza a venda, uso e consumo da maconha, mas também coloca nas mãos do Estado a o controle e regulamentação desses processos, algo inédito no mundo, levantou uma discussão: estamos prontos para organizar a venda, uso e consumo da droga? Tal medida não incentivaria novos usuários?

 

 

Em meio às críticas da oposição, da Igreja Católica e da ONU, o governo uruguaio afirmou que o maior objetivo da medida é reduzir a violência e criminalidade que vem do tráfico de drogas, justamente por ser um negócio sem lei, onde vale tudo.

 

 

Para a nova lei, que passa a vigorar em 2014, foram estipuladas regras e quantidades para a comercialização e uso da maconha. Mesmo com o suposto controle da situação, 63% da população se manifestou contra a legalização.

 

 

Os países da América do Sul lidam de forma diferente com essa questão. Embora em muitos a o uso pessoal da maconha seja descriminalizado, em outro ela é expressamente proibida, como outras drogas. Resta ver se essa nova política de enfrentamento das drogas se mostrará mais eficaz e capaz de reduzir ou conter a onda de violência gerada pelo tráfico de drogas.

 

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