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No final do século 19, futebol era praticado pela elite branca
Roberson de Oliveira*
ESpecial para a Folha
"O futebol é o ideal de uma sociedade perfeita: poucas regras, claras, simples, que garantem a liberdade e a igualdade dentro do campo, com a garantia do espaço para a competência individual." Esta frase do autor peruano Mario Vargas Llosa talvez ajude a compreender um pouco a admiração que este esporte desperta em todo o mundo. Mas nem sempre os critérios da competência e da habilidade foram relevantes para a prática do esporte. Quando o futebol foi introduzido no Brasil, no final do século 19, por Charles Miller, o esporte era praticado pela elite branca da cidade de São Paulo.

A escravidão fora extinta havia poucos anos e os negros não eram aceitos pelos clubes para a prática do esporte. Dessa forma, o futebol manifestava um dos problemas cruciais da transição do Império para a República, isto é, a "integração do negro na sociedade de classes", como bem denominou o sociólogo Florestan Fernandes. O fim da escravidão, do Império, e a generalização das relações de trabalho livre não superaram os vícios aristocráticos da sociedade brasileira.

A abolição, sem a reforma agrária, privou os negros recém-libertos e seus descendentes de uma base material mínima sobre a qual pudessem iniciar uma nova vida. Os inumeráveis preconceitos bloquearam a incorporação dos negros na indústria nascente e no setor de serviços. Desde os momentos iniciais, portanto, o capitalismo no Brasil demonstrava uma incapacidade intrínseca de assimilar o contingente humano que era liberado com a desagregação das formas tradicionais de produção provocada pelo seu próprio desenvolvimento. No decorrer do século 20, a persistência da discriminação e do componente excludente do desenvolvimento econômico brasileiro perpetuaram os obstáculos para a ascensão social dos afro-descendentes.

Assim, se hoje é seguro afirmar que vivemos numa sociedade tipicamente liberal, ela está longe de exibir a singela virtude futebolística referida por Mário Vargas Llosa, a de garantir espaço para o mérito e para a competência individual.
*Roberson de Oliveira é professor e autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD)
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