Gil Vicente 1465 ou 1466, talvez em Guimarães, Portugal entre 1536 e 1540, local desconhecido | Ponte entre a Idade Média e a Renascença, a obra de Gil Vicente foi de importância decisiva na criação do teatro ibérico, inclusive porque nos seus diversos autos, escritos em português e castelhano, foi recolhida parte significativa da poesia tradicional de várias nações espanholas. A sátira vicentina toca fundo nas feridas sociais da época e é contrabalançada por um elevado pensamento cristão, expresso em todas as peças: as de inspiração medieval e as de caráter satírico. Os estudiosos apontam exatamente essa bipolaridade como uma das melhores características do autor, que criou um teatro cuja força expressiva foi suficiente para dar vida à chamada Escola Vicentina, de grande influência no século 16 – e que permanece atual até hoje. | Vida e obra | A vida de Gil Vicente é enigmática. Ourives e Mestre da Balança da Casa da Moeda de Lisboa, teria começado a escrever intempestivamente, por ocasião do nascimento do futuro dom João 3º, filho dos reis dom Manuel e dona Isabel. Penetrando na câmara real a fim de, em nome dos servidores do paço, saudar o evento, declama em espanhol o Monólogo do Vaqueiro (ou Auto da Visitação). Causa tão boa impressão que lhe pedem volte a recitar o monólogo nas festas de Natal. Quando chega a data, ele apresenta, contudo, outra peça, de tema semelhante: o Auto pastoril castelhano. Como o êxito não fosse menor, dedica-se, daí por diante, a escrever e representar teatro para entretenimento da realeza e da fidalguia, sem abandonar suas outras funções junto à Corte. O talento especificamente dramático de Gil Vicente permitiu-lhe criar formas teatrais diversas quase só a partir da vida que o rodeava – formas que deslumbraram seus contemporâneos. | Principais obras: Auto da Barca do Inferno, Farsa de Inês Pereira, Auto da Alma e Auto da Natividade. | Características | Segundo António José Saraiva, o enorme sucesso das obras dramáticas de Gil Vicente vem da sua extraordinária vivacidade mimética e do talento para criar aquilo que é especificamente dramático: situações e personagens. Duas grandes forças atuam no teatro vicentino: a paródia (nem sempre satírica), para fazer rir, de vários tipos sociais, em geral estereotipados; e a preocupação didático-religiosa, que se destina a transmitir a doutrina da Igreja Católica, especialmente o mistério da Encarnação e a luta entre o Bem e o Mal. Esses personagens e essas forças estão unidos no Auto da Barca do Inferno, quando vários tipos morais e sociais têm de atravessar numa barca o rio da Morte. O Diabo, a personagem que interpela e faz falar todas as outras, põe à prova os diversos tipos, denunciando-lhes as faltas e a hipocrisia. O que não se | | encontra em Gil Vicente é o conflito íntimo, o drama interior de quem se encontra dividido, tendo de escolher entre dois extremos, pois na obra vicentina não há caracteres individuais, mas apenas tipos de uma só peça, tanto sociais como psicológicos. Seu teatro, no entanto, é denso e variado. Escrevendo para um público exigente, que detinha nas mãos as rédeas do poder, nem por isso Gil Vicente deixou de impor-se como dramaturgo. | Curiosidades | Gil Vicente não foi apenas dramaturgo, mas também organizou, entre 1502 e 1536, espetáculos e festas para a corte portuguesa. Em 1532, Gil Vicente escreveu ao rei dom João 3º uma carta dando conta das críticas que fez publicamente aos frades de Santarém. Segundo o dramaturgo, os frades teriam assustado a população com sermões em que atribuíam um terremoto ocorrido à tolerância das pessoas em relação aos cristãos-novos (judeus convertidos ao catolicismo). | ÍNDICE DE REVISÕES | | |