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Trechos do livro O Processo Franz Kafka Do Banco de Dados da Folha Capítulo 1 Detenção. Conversa com a senhora Grubach. Depois com a senhorita Bürstner Alguém certamente havia caluniado Josef K. pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum. A cozinheira da senhora Grubach, sua locadora, era a pessoa que lhe trazia o café todos os dias por volta de oito horas, mas dessa vez ela não veio. Isso nunca tinha acontecido antes. K. esperou mais um pouquinho, olhou de seu travesseiro a velha senhora que morava em frente e que o observava com uma curiosidade nela inteiramente incomum, mas depois, sentindo estranheza e fome ao mesmo tempo, tocou a campainha. Imediatamente bateram à porta e entrou um homem que ele nunca tinha visto antes naquela casa. Era esbelto e no entanto de constituição sólida, vestia uma roupa preta justa que, como os trajes de viagem, era provida de diversas pregas, bolsos, fivelas, botões e um cinto, razão pela qual parecia particularmente prática, sem que se soubesse ao certo para o que ela servia. - Quem é o senhor? - perguntou K. e logo se sentou meio ereto na cama. Mas o homem passou por cima da pergunta, como se fosse preciso aceitar a sua aparição, e por sua vez simplesmente disse: - O senhor tocou a campainha? - Anna deve me trazer o café da manhã - disse K., tentando, a princípio em silêncio, verificar pela atenção e pelo raciocínio quem era realmente aquele homem. Este no entanto não se submeteu por muito tempo aos olhares de K., voltou-se para a porta, que ele abriu um pouco, a fim de dizer a alguém que evidentemente estava bem atrás dela: - Ele quer que Anna lhe traga o café da manhã. Seguiu-se uma pequena gargalhada no cômodo contíguo; pelo som não era possível ter certeza se se tratava ou não de várias pessoas. Embora com isso o estranho não pudesse ficar sabendo nada além do que já sabia antes, disse a K. no tom de quem transmite uma informação: - É impossível. - Isso seria uma novidade - disse K. saltando da cama e vestindo rapidamente as calças. - Quero ver que gente é essa que está no cômodo vizinho e como a senhora Grubach vai se justificar por esta perturbação. Na verdade logo lhe ocorreu que não precisaria tê-lo dito em voz alta e que assim reconhecia, de uma certa maneira, o direito de fiscalização do estranho, mas isso agora não lhe parecia importante. Foi desse modo porém que o estranho o entendeu, pois disse: - O senhor não prefere permanecer aqui? - Não quero nem permanecer aqui nem ser interpelado pelo senhor enquanto não se apresentar. - Minha intenção era boa - disse o estranho, abrindo então espontaneamente a porta. A sala ao lado, na qual K. entrou mais devagar do que queria, parecia à primeira vista estar exatamente como na noite anterior. Era a sala de estar da senhora Grubach; talvez hoje houvesse um pouco mais de espaço do que habitualmente nesse aposento atulhado de móveis, toalhas, louças e fotografias, coisa que não se percebia logo, tanto mais porque a principal mudança consistia na presença de um homem sentado junto à janela aberta com um livro do qual ele agora levantava os olhos. - O senhor devia ter permanecido no seu quarto! Será que Franz não lhe disse? - Disse, mas o que o senhor quer, afinal? - disse K. e olhou desse novo conhecido para o que se chamava Franz, que tinha ficado em pé na porta, e deste de volta ao primeiro. Pela janela aberta se via outra vez a velha senhora, que com uma curiosidade verdadeiramente senil agora havia passado para a janela que ficava defronte para continuar vendo tudo. - Quero a senhora Grubach - disse K., fazendo um movimento como se estivesse se soltando dos dois homens, os quais entretanto estavam muito distantes dele, e quis seguir em frente. - Não - disse o homem junto à janela, atirando o livro sobre uma mesinha enquanto se erguia. - O senhor não tem permissão para sair. O senhor está detido. - É o que parece - disse K. - Mas por quê? - perguntou então. - Não fomos incumbidos de dizê-lo. Vá para o seu quarto e espere. O procedimento acaba de ser iniciado e o senhor ficara sabendo de tudo no devido tempo. Ultrapasso os limites do meu encargo quando me dirijo com tanta amabilidade ao senhor. Mas espero que ninguém mais ouça, além de Franz, e até ele é amável com o senhor, contra todos os regulamentos. Se continuar tendo tanta sorte como na indicação dos seus guardas, pode ficar confiante. K. desejava sentar-se, mas viu então que não havia outro assento na sala além da cadeira perto da janela. - O senhor ainda vai perceber como tudo isso é verdade - disse Franz, andando ao mesmo tempo que o outro homem em direção a K. Principalmente o último tinha uma estatura bem mais avantajada que a de K. e lhe dava freqüentes tapinhas nos ombros. Os dois examinaram o camisolão de K. e disseram que agora teria de vestir um muito pior, mas que eles zelariam por ele, bem como pelo restante das suas roupas íntimas; se a causa terminasse a seu favor, eles as devolveriam. - É melhor que o senhor deixe as coisas conosco e não no depósito - disseram -, pois no depósito sempre ocorrem desfalques e além disso lá as coisas são vendidas depois de certo tempo, não importa se o respectivo processo terminou ou não. E como demoram os processos desse tipo, principalmente nos últimos tempos! De qualquer modo, o senhor ao final receberia do depósito o produto da venda, mas em primeiro lugar ele já é em si mesmo exíguo, pois na venda o que decide não é o montante da oferta e sim o do suborno, e além do mais, segundo mostra a experiência, essas somas continuam diminuindo à medida que passam de mão em mão e de ano para ano. K. mal prestou atenção nesses discursos; não dava muita importância ao direito, que talvez ainda tivesse, de dispor das suas coisas; para ele era muito mais relevante chegar à clareza sobre sua situação, mas na presença dessas pessoas não podia nem ao menos refletir; sem cessar, a barriga do segundo guarda - de fato só poderiam ser guardas - batia literalmente nele, de um modo amistoso, mas quando erguia os olhos via um rosto ossudo, seco, destoante desse corpo gordo, com o nariz forte virado para o lado, que se entendia por cima dele com o outro guarda. Que tipo de pessoas eram aquelas? Do que elas falavam? A que autoridade pertenciam? K. ainda vivia num Estado de Direito, reinava paz em toda parte, todas as leis estavam em vigor, quem ousava cair de assalto sobre ele em sua casa? Ele tendia a levar as coisas pelo lado mais leve possível, a crer no pior só quando este acontecia, a não tomar nenhuma providência para o futuro, mesmo que tudo fosse ameaça. Aqui porém não parecia acertado; na verdade, tudo podia ser uma brincadeira, uma brincadeira pesada, que os colegas de banco tinham organizado por motivos desconhecidos, talvez porque ele hoje completasse trinta anos de idade; isso naturalmente era possível, talvez ele só precisasse de alguma maneira rir na cara dos guardas para que esses rissem juntos, quem sabe fossem serviçais da esquina, não pareciam diferentes deles - apesar de tudo estava dessa vez formalmente determinado, desde que viu pela primeira vez o guarda Franz, a não ceder a mínima vantagem que por acaso tivesse diante dessas pessoas. K. atribuía um perigo ínfimo ao fato de que mais tarde pudessem dizer que ele não entendia uma brincadeira, mas sem dúvida se lembrava - sem que de resto tivesse sido hábito seu aprender com a experiência - de alguns casos em si mesmos insignificantes nos quais, ao contrário dos amigos, havia se comportado conscientemente de modo descuidado, sem a mínima sensibilidade para as possíveis conseqüências, sendo assim punido pelo resultado. Isso não deveria acontecer de novo, pelo menos não desta vez; se era uma comédia, então iria participar dela. Ele ainda estava livre. - Com licença - disse e passou às pressas entre os guardas para o seu quarto. - Ele parece ser sensato - ouviu dizerem atrás de si. No quarto abriu abruptamente as gavetas da escrivaninha; nela estava tudo na maior ordem, mas na excitação não conseguiu encontrar de imediato justamente os documentos de identidade que procurava. Achou afinal sua carteira de ciclista e quis ir com ela até os guardas, mas o documento lhe pareceu insignificante demais; continuou procurando até encontrar a certidão de nascimento. Quando voltou à sala ao lado, abriu-se a porta bem em frente e a senhora Grubach fez menção de entrar. Só a viram por um instante, pois mal reconheceu K., ficou evidentemente embaraçada, pediu desculpas, desapareceu e fechou a porta com extremo cuidado. K. ainda teve tempo de dizer: - Entre, entre! Estava então no meio da sala com seus papéis, olhou ainda para a porta, que não se abriu de novo, e só se sobressaltou com um chamado dos guardas, que estavam sentados à mesinha junto à janela aberta e consumiam o café da manhã dele, como agora percebia. - Por que ela não entrou? - perguntou. - Ela não pode fazer isso - disse o guarda grande. - O senhor está detido. - Como posso estar detido? E deste modo? - Lá vem o senhor de novo - disse o guarda, mergulhando um pão com manteiga no potinho de mel. - Não respondemos a perguntas como essa. - Terão de responder - disse K. - Aqui estão os meus documentos de identidade, agora mostrem os seus, sobretudo a ordem de detenção. - Oh, céus! - disse o guarda. - É incrível como o senhor não consegue se submeter à sua situação e parece empenhado em nos irritar inutilmente, a nós, que decerto somos neste momento os mais próximos de todos os seus semelhantes! - É isso mesmo, acredite - disse Franz sem levar à boca a xícara de café que mantinha na mão, mas fitando K. com um olhar longo, provavelmente cheio de sentido, embora incompreensível. K. se envolveu sem querer num diálogo de olhares com Franz, mas depois bateu nos seus papéis e disse: - Aqui estão os meus documentos de identidade. - Que importância eles têm para nós? - bradou então o guarda grande. - O senhor se comporta pior que uma criança. O que quer, afinal? Quer acabar logo com seu longo e maldito processo discutindo conosco, guardas, sobre identidade e ordem de detenção? Somos funcionários subalternos que mal conhecem um documento de identidade e que não têm outra coisa a ver com o seu caso a não ser vigiá-lo dez horas por dia, sendo pagos para isso. É tudo o que somos, mas a despeito disso somos capazes de perceber que as altas autoridades a cujo serviço estamos, antes de determinarem uma detenção como esta, se informam com muita precisão sobre os motivos dela e sobre a pessoa do detido. Aqui não há erro. Nossas autoridades, até onde as conheço, e só conheço seus níveis mais baixos, não buscam a culpa na população, mas, conforme consta na lei, são atraídas pela culpa e precisam nos enviar - a nós, guardas. Esta é a lei. Onde aí haveria erro? - Essa lei eu não conheço - disse K. - Tanto pior para o senhor - disse o guarda. - Ela só existe nas suas cabeças - disse K., querendo de alguma maneira se infiltrar nos pensamentos dos guardas, revertê-los em seu favor ou neles se instalar. Mas o guarda, num tom de rejeição, disse apenas: - O senhor irá senti-la. Franz se intrometeu e disse: - Veja, Willem, ele admite que não conhece a lei e ao mesmo tempo afirma que é inocente. - Você tem toda razão, mas não se pode fazê-lo entender nada - disse o outro. K. não respondeu mais nada; pensou: será que eu preciso me deixar confundir ainda mais pelo palavrório destes subalternos - eles mesmos admitem que o são? Seja como for, falam de coisas que absolutamente não entendem. A segurança deles só é possível por causa da sua estupidez. As poucas palavras que eu trocar com alguma pessoa do meu nível tornarão tudo incomparavelmente mais claro do que as conversas mais longas com estes homens. Andou algumas vezes de cá para lá no espaço livre do aposento, viu do outro lado a velha senhora, que tinha arrastado para a janela um ancião muito mais velho ainda, que ela mantinha enlaçado com o braço. K. precisava pôr um fim ao espetáculo a que se expunha. - Levem-me ao seu superior - disse K. - Assim que ele o desejar, antes não - disse o guarda que tinha sido chamado de Willem. - E agora eu o aconselho a ir para o seu quarto, a se comportar com calma e a esperar o que for disposto a seu respeito. Nós lhe recomendamos não se distrair com pensamentos inúteis, mas se concentrar, pois grandes exigências serão apresentadas ao senhor. Não nos tratou como a nossa boa vontade teria merecido. Esqueceu-se de que, não importa o que formos, diante do senhor somos no mínimo homens livres, e essa superioridade não é pequena. Apesar disso estamos dispostos, caso tenha dinheiro, a lhe trazer um lanche do café aí em frente. Sem responder a essa oferta, K. ficou um instante em silêncio. Se abrisse a porta do quarto vizinho ou mesmo a porta da ante-sala, talvez os dois não ousassem impedi-lo, talvez a solução mais simples de todas fosse levar as coisas ao extremo. Mas talvez eles o agarrassem de fato e, uma vez lançado ao chão, estaria perdida também toda a superioridade que num certo sentido ele agora ainda conservava diante de ambos. Por isso, preferiu a segurança da solução que o curso natural das coisas tinha de trazer e voltou ao seu quarto, sem que fosse pronunciada nenhuma outra palavra da sua parte ou da parte dos guardas. Atirou-se sobre sua cama e pegou da pia uma bela maçã que na noite anterior havia reservado para o café da manhã. Ela era agora sua única refeição matinal, mas de qualquer modo, como se assegurou à primeira grande mordida, muito melhor do que teria sido a do imundo café noturno que poderia ter recebido pela clemência dos guardas. Sentiu-se bem e confiante, estava na verdade perdendo o rumo da manhã no banco, mas graças ao posto relativamente alto que lá ocupava, isso era fácil de desculpar. Deveria apresentar a desculpa real? Pretendia fazê-lo. Se não acreditassem nele, o que nesse caso era compreensível, poderia apresentar como testemunha a senhora Grubach ou então os dois velhos do outro lado da rua, que agora certamente marchavam para a janela da frente. Surpreendia K. - pelo menos do ponto de vista dos guardas isso o surpreendia - que o tivessem metido no quarto e o deixado ali sozinho, onde sem dúvida tinha dezenas de possibilidades de se matar. Ao mesmo tempo, porém, se perguntou - dessa vez do seu próprio ponto de vista - que motivo poderia ter para fazer isso. Acaso porque os dois estavam sentados na sala ao lado e haviam interceptado o seu café da manhã? Seria tão sem sentido se matar que, mesmo que desejasse fazê-lo, não seria capaz, por causa dessa falta de sentido. Se a limitação intelectual dos guardas não fosse tão manifesta, poderia supor que também eles, em virtude da mesma convicção, não teriam enxergado perigo em deixá-lo só. Se quisessem, poderiam agora observar como se dirigia a um pequeno armário de parede, no qual guardava uma boa aguardente, esvaziava um cálice em substituição ao café da manhã e um segundo para criar coragem, este último só por precaução, no caso improvável de que ele fosse necessário. Nesse momento um chamado da sala vizinha o assustou de tal modo que ele bateu com os dentes no cálice: - O inspetor o está chamando! Foi só o grito que assustou K., esse grito breve, escandido, militar, de que não julgava o guarda Franz de modo algum capaz. A ordem propriamente dita lhe era muito bem-vinda. - Finalmente! - bradou de volta, fechou à chave o armário de parede e foi correndo para o aposento ao lado. Lá estavam os dois guardas, que o acossaram de volta ao seu quarto, como se isso fosse natural. - O que é que o senhor está pensando? - bradaram. - Quer se apresentar ao inspetor de camisolão? Ele vai mandar moê-lo de pancadas, e a nós também. - Deixem-me em paz e vão para o inferno! - exclamou K., que já tinha sido encurralado até o seu guarda-roupa. - Se me pegam de surpresa na cama não podem esperar me ver de traje a rigor. - Não adianta - disseram os guardas, que ficavam completamente calmos, quase tristes, quando K. gritava, e com isso o confundiam ou de algum modo o levavam à reflexão. - Cerimônias ridículas! - resmungou ainda, mas logo ergueu um paletó da cadeira e o susteve um instante com as duas mãos, como se o submetesse ao julgamento dos guardas. Eles sacudiram a cabeça. - Tem de ser um paletó preto - disseram. Diante disso K. jogou o paletó no chão e disse - ele mesmo não sabia em que sentido o estava dizendo: - Mas ainda não é a audiência principal. Os guardas sorriram, mas insistiram: - Tem de ser um paletó preto. - Se com isso eu apresso as coisas, então deve me convir - disse K., e abriu o guarda-roupa, procurou longo tempo entre as diversas roupas, escolheu seu melhor traje negro, um terno que, pelo corte, tinha causado quase sensação entre seus conhecidos, apanhou também uma camisa e começou a se vestir com esmero. No íntimo acreditava ter conseguido apressar as coisas com o fato de que os guardas haviam se esquecido de forçá-lo a tomar banho. Observou-os para ver se por acaso eles iriam se lembrar disso, mas naturalmente nada lhes ocorreu; ao contrário, Willem não se esqueceu de mandar Franz ir ao inspetor com a informação de que K. estava se vestindo. Quando estava completamente vestido, teve de passar pela sala vazia, bem diante de Willem, para o quarto seguinte, cujas portas já estavam abertas de par em par. Esse quarto, como K. sabia muito bem, era habitado desde havia pouco tempo pela senhorita Bürstner, uma datilógrafa que costumava ir trabalhar muito cedo, voltava tarde para casa, e com a qual K. não havia trocado muito mais do que cumprimentos. Agora a mesinha-de-cabeceira tinha sido removida da cama para o meio do quarto como mesa de audiência, e o inspetor estava sentado atrás dela. Tinha cruzado as pernas e colocado um braço sobre o espaldar da cadeira. Num canto do quarto estavam três moços, olhando as fotografias da senhorita Bürstner, fixadas numa esteira pendurada na parede. Do trinco da janela aberta pendia uma blusa branca. Na janela de frente estavam outra vez os dois velhos, mas o grupo fora ampliado, pois atrás deles havia um homem de estatura muito mais alta, com uma camisa aberta no peito, apertando e torcendo com os dedos o cavanhaque ruivo. - Josef K.? - perguntou o inspetor, talvez só para atrair sobre si os olhos distraídos de K. K. assentiu com a cabeça. - Certamente o senhor está muito surpreso com os acontecimentos da manhã de hoje, não é? - perguntou o inspetor e empurrou com as duas mãos os poucos objetos que jaziam sobre a mesinha-de-cabeceira, a vela com os palitos de fósforo, um livro e uma almofada de agulhas de costura, como se fossem esses os objetos de que necessitava para a audiência de instrução. - Sem dúvida - disse K., acometido pelo sentimento de bem-estar por finalmente se achar diante de uma pessoa razoável e de poder falar com ela sobre o seu caso. - Sem dúvida estou surpreso, mas de modo algum muito surpreso. - Não muito surpreso? - perguntou o inspetor, pondo então a vela no centro da mesinha, enquanto agrupava as outras coisas em torno dela. - Talvez o senhor esteja me entendendo mal - apressou-se K. a observar. - O que eu quero dizer - aqui K. se interrompeu e olhou em volta à procura de uma cadeira. - Posso me sentar, não? - perguntou. - Não é costume - respondeu o inspetor. - O que eu quero dizer - disse então K. sem fazer mais pausas - é que, seja como for, estou muito surpreso, mas quando se está há trinta anos no mundo e foi preciso abrir caminho nele sozinho, como é o meu caso, fica-se endurecido diante das surpresas, e elas acabam não sendo levadas tão a sério. Especialmente a de hoje, não. - Por que não especialmente a de hoje? - Não estou querendo dizer que considero tudo uma brincadeira, para tanto os preparativos que foram feitos me parecem abrangentes demais. Teriam de participar dela todos os integrantes da pensão, os senhores todos também, e isso iria além dos limites de uma brincadeira. Portanto, não quero dizer que seja uma brincadeira. - Muito justo - disse o inspetor, verificando quantos palitos havia na caixa de fósforos. - Mas por outro lado - continuou K. e nesse ato se voltou para todos; gostaria inclusive de se dirigir aos três que estavam de costas olhando as fotografias -, por outro lado o caso também não pode ter tanta importância. Tiro essa conclusão do fato de ser acusado e não conseguir descobrir a mínima culpa da qual me pudessem acusar. Isso também é secundário, a questão principal é: por quem sou acusado? Que autoridade conduz o processo? Os senhores são funcionários? Nenhum está de uniforme, caso não se queira chamar de uniforme a roupa que vestem - e aqui se voltou para Franz -, pois ela é antes um traje de viagem. Nessas questões eu exijo clareza e estou convencido de que depois desse esclarecimento vamos poder nos despedir uns dos outros da forma a mais cordial possível. O inspetor bateu a caixa de fósforos na mesa. - O senhor está cometendo um grande engano - disse ele. - Estes senhores aqui e eu somos totalmente secundários no seu caso, na verdade não sabemos quase nada dele. Poderíamos estar com os uniformes mais regulamentares e o seu caso não seria em nada pior. Não posso absolutamente lhe dizer que é acusado, ou melhor: não sei se o é. O senhor está detido, isso é certo, mais eu não sei. Talvez os guardas tenham tagarelado outra coisa, mas aí foi só tagarelice. Mesmo, porém, que eu não responda às suas perguntas, posso entretanto aconselhar o senhor a pensar menos em nós e no que vai acontecer e mais em si mesmo. E não faça tanto alarde do seu sentimento de inocência, isso perturba a impressão não exatamente má que de resto o senhor transmite. Deveria também ser mais reservado ao falar; quase tudo o que disse antes poderia ter sido deduzido do seu comportamento, ainda que tivesse dito apenas algumas palavras; além disso, não foi nada de extremamente favorável ao senhor. K. fitou o inspetor. Estava ali como um escolar recebendo lições de uma pessoa talvez muito mais jovem? Sendo punido por sua franqueza com uma reprimenda? E sobre o motivo da sua detenção e a respeito dos seus mandantes, não ficava sabendo nada? Entrou numa certa agitação, andou de cá para lá, no que ninguém o impediu, empurrou para dentro os punhos da camisa, apalpou o peito, alisou os cabelos, passou pelos três senhores e disse: - Isto não faz sentido. Os três se viraram para ele, fitando-o atenciosamente mas com ar grave. Finalmente K. estacou outra vez diante da mesa do inspetor. - O promotor público Hasterer é meu amigo - disse. - Posso telefonar para ele? - Certamente - disse o inspetor -, mas não sei qual o sentido disso, a não ser que tenha algum assunto particular para tratar com ele. - Qual o sentido? - exclamou K. mais perplexo que irritado. - Quem é o senhor, afinal? Quer um sentido e executa a coisa mais sem sentido que existe? Isso não é de fazer chorar? Primeiro esses senhores me tomam de assalto e agora ficam aí, sentados ou em pé, me fazendo dançar na corda bamba à sua frente. Que sentido teria telefonar a um promotor público, se ao que parece estou detido? Está bem, não vou telefonar. - Mas, por favor, faça isso - disse o inspetor, estendendo a mão para a ante-sala onde estava o aparelho. - Telefone, sim, por favor. - Não, não quero mais - disse K. e foi até a janela. Do outro lado da rua, o grupo ainda estava na janela, mas agora parecia um pouco perturbado no sossego da contemplação pelo fato de K. ter chegado à janela. Os velhos tentaram se levantar, mas o homem atrás deles os tranqüilizou. - E ainda por cima temos espectadores! - bradou K. para o inspetor, apontando-os com o indicador. - Fora daí! - gritou a seguir em direção ao outro lado. Imediatamente os três recuaram alguns passos, os dois velhos até mesmo para trás do homem, que os cobriu com o seu corpo largo e que, a julgar pelos movimentos da boca, disse alguma coisa ininteligível à distância. Mas não desapareceram completamente, parecendo antes esperar o momento em que pudessem se aproximar outra vez da janela sem serem notados. - Que gente mais intrometida e sem consideração! - disse K. ao se voltar para dentro do quarto. Possivelmente o inspetor concordou com ele, conforme K. acreditou perceber com um olhar de soslaio. Mas era igualmente possível que ele não tivesse escutado nada, pois apertava com força uma das mãos sobre a mesa e parecia comparar o comprimento dos dedos. Os dois guardas estavam sentados numa mala envolta numa toalha de enfeite e esfregavam os joelhos. Os três moços haviam colocado as mãos nos quadris e olhavam em torno, sem objetivo. Estava silencioso como em algum escritório esquecido. - Bem, meus senhores - exclamou K., e por um instante lhe pareceu estar carregando todos eles nos ombros -, a julgar pela sua aparência, meu caso poderia estar encerrado. Sou da opinião de que o melhor é não pensar mais sobre a justificativa ou a falta de justificativa do seu comportamento e pôr um fim conciliador ao caso com um aperto de mãos. Se os senhores têm a mesma opinião que eu, então por favor - e se achegou à mesa do inspetor estendendo-lhe a mão. O inspetor levantou os olhos, mordiscou os lábios e fitou a mão estendida de K.; este continuou acreditando que ele iria apertá-la. Mas o inspetor se ergueu, pegou um chapéu duro e redondo que estava sobre a cama da senhorita Bürstner e o colocou cuidadosamente com as duas mãos, como se faz ao experimentar chapéus novos. - Como tudo lhe parece simples! - disse então a K. - Deveríamos pôr um fim conciliador ao caso, é o que estava dizendo? Não, não, realmente isso não é possível. Por outro lado, não quero dizer de modo algum que o senhor deva se desesperar. Não; por quê, aliás? O senhor está apenas detido, nada mais. Eu tinha isso a lhe comunicar, já o fiz e vi também como o senhor o recebeu. Sendo assim, por hoje basta; podemos nos despedir, embora só provisoriamente. Decerto agora o senhor quer ir ao banco, não é? - Ao banco? - perguntou K. - Pensei que estivesse detido. K. fez a pergunta com certa insolência, pois embora o seu aperto de mão não tivesse sido aceito, ele se sentia cada vez mais independente daquelas pessoas, sobretudo a partir do instante em que o inspetor se levantou. Estava jogando com ela. Tinha a intenção, caso devessem ir embora, de correr atrás deles até a entrada do prédio para propor que o prendessem. Por isso repetiu: - Como posso ir ao banco se estou detido? - Ah, sim - disse o inspetor, que já estava perto da porta. - O senhor me entendeu mal. É claro que o senhor está detido, mas isso não deve impedi-lo de exercer sua profissão. Tampouco deve ficar tolhido no seu modo de vida habitual. - Então estar detido não é tão ruim - disse K. e se aproximou do inspetor. - Nunca afirmei o contrário - replicou este. - Mas então nem o anúncio da detenção parece ter sido muito necessário - disse K. aproximando-se mais. Os outros também haviam se aproximado. Agora estavam todos reunidos num estreito espaço junto à porta. - Era meu dever - disse o inspetor. - Um dever estúpido - disse K., inflexível. - Pode ser - respondeu o inspetor. - Mas não vamos perder o nosso tempo com conversas desse tipo. Eu havia presumido que o senhor queria ir ao banco. Já que presta atenção em todas as palavras, eu acrescento: não o estou coagindo a ir ao banco, apenas supus que o senhor quisesse. E para lhe facilitar isso e tornar sua chegada ao banco o mais possível despercebida, coloquei estes três senhores, seus colegas, à sua disposição. - Como? - exclamou K. e olhou os três com espanto. Aqueles três jovens tão indistintos, anêmicos, que ele ainda conservava na memória apenas como um grupo junto às fotografias, eram efetivamente funcionários do seu banco, não colegas - isso era dizer demais e demonstrava uma lacuna na onisciência do inspetor; mas de qualquer modo eram funcionários subalternos do banco. Como é que K. não o tinha notado? Como devia estar absorvido pelo inspetor e pelos guardas para não reconhecer os três! O rígido Rabensteiner de mãos balouçantes, o loiro Kullich de olhos encovados e Kaminer com o seu insuportável sorriso provocado por uma contração crônica dos músculos. - Bom dia - disse K. depois de um breve instante, estendendo a mão aos três que se inclinavam adequadamente. - Não os reconheci de modo algum. Vamos então ao trabalho, não é? Eles acenaram com a cabeça, sorridentes e pressurosos, como se tivessem esperado por isso o tempo todo, só que, quando K. esqueceu o chapéu, que havia ficado no quarto, eles correram juntos, um atrás do outro, para apanhá-lo, do que se podia deduzir um certo embaraço. K. ficou parado e pelas duas portas abertas os acompanhou com o olhar; naturalmente, o último era o indiferente Rabensteiner, que apenas tomou impulso para um trote elegante. Kaminer entregou o chapéu e K. teve de dizer explicitamente a si mesmo, como aliás era quase sempre necessário no banco, que o sorriso de Kaminer não era deliberado, que ele nem mesmo podia sorrir intencionalmente. Na ante-sala a senhora Grubach, que não parecia em absoluto estar com a consciência culpada, abriu ao grupo todo a porta do apartamento e, como tantas vezes antes, K. baixou os olhos para o cinto do avental dela, que fazia um sulco desnecessariamente fundo no seu ventre volumoso. Lá embaixo K. se decidiu, com o relógio na mão, a tomar um carro, para não aumentar sem necessidade o atraso que já era de meia hora. Kaminer correu até a esquina para pegar o carro, os outros dois ficaram visivelmente tentando distrair K., quando de repente Kullich apontou para a entrada do prédio em frente, na qual surgiu o homem alto de cavanhaque ruivo, que, no primeiro momento, um pouco embaraçado com o fato de agora se mostrar de corpo inteiro, recuou até a parede e se encostou nela. Certamente os velhos ainda estavam na escada. K. se irritou com Kullich por ele ter chamado a atenção sobre o homem que já tinha visto pessoalmente antes e que até mesmo havia esperado. - Não olhe para lá! - prorrompeu ele, sem perceber como chamava a atenção esse modo de falar com homens adultos. Mas nenhuma explicação foi necessária, pois nesse momento chegou o carro, eles se sentaram e o automóvel partiu. K. se lembrou, então, de que não tinha notado de maneira alguma a partida do inspetor e dos guardas, o inspetor lhe havia ocultado os três funcionários e estes por sua vez o inspetor. Isso não demonstrava muita presença de espírito e K. se propôs a observar as coisas com mais acuidade nesse aspecto. Não obstante, ainda se virou involuntariamente e se debruçou sobre a janela traseira do automóvel para, se possível, ainda ver o inspetor e os guardas. Mas logo voltou à posição anterior e se inclinou confortavelmente no canto do carro sem fazer nenhuma tentativa de procurar alguém. Embora não parecesse, justamente agora precisava de uma palavra de encorajamento, mas aqueles senhores pareciam fatigados, Rabensteiner estava sentado à direita olhando para fora, Kullich à esquerda e Kaminer ficara à disposição com o seu ricto, do qual o senso de humanidade infelizmente impedia de zombar. Naquela primavera K., que ficava em geral até as nove horas no escritório, tinha o hábito, à noite, depois do trabalho, quando ainda era possível, de dar um pequeno passeio a pé, sozinho ou na companhia de funcionários, indo depois a uma cervejaria, onde comumente ficava sentado até as onze horas numa mesa reservada, junto com pessoas de mais idade. Havia também exceções a essa distribuição do tempo, quando por exemplo era convidado pelo diretor do banco, que valorizava muito sua capacidade de trabalho e confiabilidade, a um passeio de automóvel ou a um jantar na sua mansão. Além disso, K. ia uma vez por semana à casa de uma jovem chamada Elsa, que durante a noite trabalhava até altas horas da madrugada como garçonete numa cantina, e durante o dia só recebia visitas na cama. Nessa noite, porém - o dia tinha passado rápido, entre o serviço mais assíduo e muitos parabéns lisonjeiros e amáveis pelo seu aniversário -, K. resolveu ir imediatamente para casa. Em todas as pequenas pausas do trabalho daquele dia tinha pensado nisso; sem saber exatamente por que, lhe parecia que os incidentes da manhã tinham causado uma grande desordem em toda a casa da senhora Grubach, e que justamente ele era a pessoa necessária para restabelecer a ordem. Mas uma vez restabelecida essa ordem, desaparecia qualquer vestígio daqueles incidentes e tudo retomava o antigo curso. Sobretudo dos três funcionários não havia nada a temer, eles tinham mergulhado outra vez no grande corpo de funcionários do banco e não se notava nenhuma mudança no seu comportamento. K. os havia chamado com freqüência, sozinhos ou em grupo, ao seu escritório, sem outro objetivo senão o de observá-los e todas as vezes pudera despachá-los satisfeito. Quando chegou diante do prédio onde morava, às nove e meia da noite, encontrou na entrada um rapaz que estava ali com as pernas apartadas uma da outra, fumando um cachimbo. - Quem é o senhor? - perguntou K. imediatamente, aproximando seu rosto do rapaz, pois não se enxergava muita coisa na semi-escuridão do vestíbulo. - Sou o filho do zelador, meu senhor - respondeu o jovem, tirando o cachimbo da boca e abrindo passagem. - Filho do zelador? - perguntou K. e bateu a bengala com impaciência no chão. - O senhor deseja alguma coisa? Devo ir buscar meu pai? - Não, não - disse K., e na sua voz havia algo de indulgente, como se o rapaz tivesse feito algum mal, que ele porém perdoava. - Está tudo bem - disse depois e continuou andando, mas antes de subir a escada ainda se virou mais uma vez. Poderia ter ido direto ao seu quarto, mas como desejava falar com a senhora Grubach, bateu logo à sua porta. Ela estava sentada costurando uma meia numa mesa sobre a qual havia ainda uma pilha de meias velhas. K. se desculpou, com ar distraído, por vir tão tarde, mas a senhora Grubach foi muito amável e não quis ouvir nenhuma desculpa; para ele, ela estava sempre à disposição, ele sabia muito bem que era seu melhor e mais dileto inquilino. K. olhou em volta na sala, estava tudo outra vez exatamente como antes, a louça do café da manhã, que tinha ficado hoje cedo junto à janela em cima da mesinha, já fora removida. "Mãos femininas realizam muita coisa em silêncio", pensou; ele talvez tivesse quebrado a louça ali mesmo, sem de fato conseguir levá-la embora. Olhou para a senhora Grubach com uma certa gratidão. - Por que está trabalhando até tão tarde? - perguntou. Estavam agora sentados à mesa, e de tempos em tempos K. mergulhava a mão nas meias. - Há muito trabalho - disse ela. - Durante o dia fico à disposição dos inquilinos; se quero pôr minhas coisas em ordem, só me restam as noites. - Hoje eu certamente lhe dei trabalho extra, não? - Como assim? - perguntou ela, ficando um pouco mais agitada, o trabalho pousado no colo. - Quero me referir aos homens que estiveram hoje cedo aqui. - Ah, sim - disse ela e voltou à tranqüilidade. - Isso não me deu nenhum trabalho especial. K. observou em silêncio como ela recomeçava a costurar as meias. "Ela parece ficar admirada de que eu fale sobre o assunto", pensou, "parece não achar isso certo. Tanto mais importante que eu o faça. Só com uma velha senhora é que posso falar a esse respeito." - Sem dúvida que deu trabalho - disse depois. - Mas não vai acontecer de novo. - Não, não pode acontecer de novo - disse ela como reforço, sorrindo quase melancolicamente para K. - A senhora está falando sério? - perguntou K. - Sim - disse ela mais baixo -, mas acima de tudo o senhor não deve levar isso muito a sério. O que não acontece neste mundo? Já que conversa comigo com tanta confiança, senhor K., posso confessar que escutei um pouco atrás da porta e que os dois guardas também me contaram alguma coisa. Trata-se da sua felicidade e isso me fala realmente ao coração, mais do que talvez me caiba, pois sou apenas sua locadora. Bem, ouvi alguma coisa, mas não posso afirmar que foi algo especialmente ruim. Não. De fato o senhor está detido, mas não como um ladrão é detido. Quando se é detido como um ladrão, então é ruim, mas este tipo de detenção...A mim me parece algo de sábio, desculpe-me se estou dizendo uma tolice, a impressão que eu tenho é de algo sábio, que não entendo, mas que também não é preciso entender. - O que disse não é nenhuma tolice, senhora Grubach, eu também sou, pelo menos em parte, da sua opinião, só que julgo tudo isso com mais severidade ainda que a senhora, e não o considero como algo sábio, mas sim como algo que não é nada, absolutamente nada. Fui atropelado, essa é a verdade. Se logo depois de acordar eu tivesse me levantado e, sem me deixar confundir pela ausência de Anna, tivesse me dirigido à senhora, sem levar em conta ninguém que aparecesse no meu caminho, se dessa vez tivesse tomado o café da manhã excepcionalmente na cozinha e mandado a senhora buscar minhas roupas no quarto, em suma, se eu tivesse agido com sensatez, então nada mais teria acontecido, tudo o que ainda estava para acontecer teria sido logo sufocado. Mas estamos tão pouco preparados! No banco, por exemplo, estou preparado, lá seria impossível me acontecer uma coisa dessas, lá eu tenho meu próprio auxiliar, na mesa à minha frente ficam o telefone geral e o telefone interno, chegam continuamente pessoas, clientes e funcionários, mas além disso, e mais importante que tudo, lá estou sempre em contato com o meu trabalho, por isso mesmo alerta; seria sinceramente um prazer me defrontar com uma coisa assim lá. Bem, já passou, e na verdade eu não queria mais falar sobre isso, só queria ouvir o seu julgamento, o julgamento de uma mulher sensata, e estou muito contente com o fato de estarmos de acordo. Agora a senhora precisa me dar a mão, pois um acordo como esse tem de ser reforçado por um aperto de mãos. "Será que ela vai me dar a mão? O inspetor não me deu", pensou enquanto observava a mulher de um modo diferente do anterior, perscrutando-a. Ela se levantou porque ele também se levantara, estava um pouco embaraçada por não ter compreendido tudo o que K. dissera. Mas, por causa desse embaraço, disse uma coisa que não queria, e que também estava fora de lugar: - Não se aflija tanto, senhor K. - disse ela com lágrimas na voz e esquecendo, naturalmente, o aperto de mão. - Eu não sabia que estava me afligindo - disse K. repentinamente fatigado e percebendo a inutilidade de todas as mostras de assentimento daquela mulher. Na porta ele ainda perguntou: - A senhorita Bürstner está em casa? - Não - disse a senhora Grubach, e ao dar essa informação seca sorriu com uma simpatia razoável e tardia. - Ela está no teatro. Quer alguma coisa dela? Devo dar-lhe algum recado? - Oh, eu só queria trocar algumas palavras com ela. - Infelizmente não sei quando ela chega; quando vai ao teatro, em geral volta tarde. - Não tem nenhuma importância - disse K. e logo voltou a cabeça baixa em direção à porta para sair. - Eu só queria pedir a ela desculpas por ter recorrido hoje ao seu quarto. - Não é necessário, senhor K., o senhor é consciencioso demais, a senhorita Bürstner não sabe de nada, está fora de casa desde cedo, além disso já foi posto tudo em ordem, veja o senhor mesmo. E abriu a porta que dava para o quarto da senhorita Bürstner. - Obrigado, eu acredito na senhora - disse K., mas depois foi até a porta aberta. A lua brilhava silenciosamente no quarto escuro. Até onde era possível ver, estava tudo realmente no lugar, nem mesmo a blusa pendia mais do trinco da janela. As almofadas da cama pareciam sensivelmente altas e estavam em parte iluminadas pelo luar. - Muitas vezes ela chega tarde em casa - disse K. olhando para a senhora Grubach como se ela fosse responsável por isso. - Os jovens são assim mesmo! - disse a senhora Grubach se desculpando. - Sem dúvida, sem dúvida - disse K. -, mas isso pode ir longe demais. - Pode, sim - disse a senhora Grubach. - Como o senhor tem razão! Talvez até neste caso. É claro que não quero caluniar a senhorita Bürstner, ela é uma moça muito boa, simpática, amável, ordeira, pontual, trabalhadora, eu valorizo muito tudo isso, mas uma coisa é verdade, ela devia ser mais altiva e recatada. Este mês eu já a vi duas vezes em ruas distantes e sempre com um homem diferente. É muito penoso para mim, Deus é testemunha de que só ao senhor eu conto isso, mas não me vai ser possível deixar de falar pessoalmente com ela a esse respeito. Aliás, não é a única coisa que a torna suspeita aos meus olhos. - A senhora está indo por um caminho inteiramente errado - disse K. furioso e quase incapaz de escondê-lo. - Aliás, é óbvio que a senhora também entendeu mal minha observação sobre a senhorita Bürstner, não foi isso que eu quis dizer. Honestamente advirto-a até de falar qualquer coisa à senhorita Bürstner, a senhora está completamente enganada, conheço bem a senhorita Bürstner, nada do que a senhora afirma é verdade. Aliás, talvez eu esteja indo longe demais, não quero impedi-la de dizer o que quiser a ela. Boa noite. - Senhor K. - disse a senhora Grubach numa súplica e correu atrás de K. até a porta do seu quarto, que ele já tinha aberto -, eu ainda não quero de maneira alguma falar com ela, naturalmente vou continuar a observá-la, só ao senhor eu confiei o que sabia. Afinal, é do interesse de todo inquilino que se procure conservar limpa a pensão, e não foi outro o meu empenho. - Limpeza! - ainda exclamou K. pela fresta da porta. - Se quer conservar limpa a pensão, precisa primeiro me despejar. Fechou em seguida a porta, sem prestar mais atenção nas leves batidas que soavam. Em contrapartida decidiu, já que não tinha vontade alguma de dormir, continuar desperto e aproveitar a oportunidade para verificar quando a senhorita Bürstner chegava. Talvez então fosse possível, por mais inconveniente que pudesse ser, ainda trocar umas palavras com ela. Quando estava à janela e fechava os olhos de cansaço, pensou por um instante até em castigar a senhora Grubach, convencendo a senhorita Bürstner a se mudar de pensão ao mesmo tempo que ele. Mas isso logo lhe pareceu horrivelmente exagerado e chegou a suspeitar de que queria trocar de casa em virtude dos incidentes da manhã. Nada seria mais insensato e sobretudo mais inútil e mais desprezível. Quando ficou enfadado de olhar para a rua vazia deitou-se no canapé, depois de ter deixado um pouco aberta a porta para a ante-sala a fim de poder enxergar dali quem quer que entrasse na casa. Ficou deitado tranqüilamente até cerca de onze horas, fumando um charuto. Mas a partir desse momento não suportou mais ficar lá e andou um pouco até a ante-sala, como se com isso pudesse apressar a chegada da senhorita Bürstner: não desejava nada de especial em relação a ela, nem mesmo conseguia se lembrar da sua aparência, mas queria falar com ela e o irritava que, com sua chegada tardia, ela ainda trouxesse ao fecho daquele dia intranqüilidade e desordem. Ela também era culpada por ele hoje não ter jantado nem ter feito a Elsa a visita programada para aquele dia. De qualquer modo ainda podia realizar as duas coisas indo até o local onde Elsa trabalhava. Ainda pretendia fazê-lo mais tarde, depois da conversa com a senhorita Bürstner. Passava de onze e meia quando ouviu alguém na escada. Entregue aos seus pensamentos, andando ruidosamente de cá para lá na ante-sala, como se fosse seu próprio quarto, K. se refugiou atrás da porta. Era a senhorita Bürstner que tinha chegado. Tremendo de frio, ela apertava um xale de seda em volta dos ombros estreitos enquanto trancava a porta. No instante seguinte ela devia entrar em seu quarto, no qual ele obviamente não tinha permissão para se introduzir à meia-noite; precisava portanto se dirigir a ela naquele momento, mas por infelicidade havia se esquecido de acender a luz do quarto, de modo que, se surgisse da escuridão, iria parecer um ataque de surpresa ou pelo menos causar muito susto nela. No seu desamparo, e sem ter tempo a perder, K. sussurrou pela fresta da porta: - Senhorita Bürstner! Soava como uma súplica, não como um chamado. - Há alguém aqui? - perguntou ela olhando em redor com os olhos arregalados. - Sou eu - disse K. e avançou um passo. - Ah, é o senhor K.! - disse ela sorrindo. - Boa noite - e lhe estendeu a mão. - Eu queria lhe dizer uma coisa, permite que o faça agora? - Agora? - perguntou a senhorita Bürstner. - Precisa ser agora? É um pouco estranho, não? - Eu a estou esperando desde as nove horas. - Bem, eu estava no teatro, não sabia de nada. - A razão pela qual quero lhe falar só se apresentou hoje. - Ah, bom. Em princípio não tenho nada contra, a não ser que estou morta de cansaço. Venha então ao meu quarto por uns minutos. Aqui não podemos absolutamente conversar, vamos acordar todo mundo e isso seria mais desagradável para nós do que para as pessoas. Espere até que eu acenda a luz do meu quarto, depois desligue a luz daqui. K. fez isso e ficou esperando até que a senhorita Bürstner o chamasse outra vez em voz baixa do seu quarto. - Sente-se - disse ela apontando para o divã; ela mesma ficou junto à cabeceira da cama apesar do cansaço de que tinha falado; não tirou nem o pequeno chapéu enfeitado com uma profusão de flores. - O que o senhor queria? Estou realmente curiosa. Cruzou ligeiramente as pernas. - Talvez a senhorita ache - começou K. - que não era uma coisa tão urgente para ser dita agora, mas... - Nunca ouço os preâmbulos - disse a senhorita Bürstner. - Isso facilita minha tarefa - disse K. - Hoje cedo seu quarto, de certo modo por culpa minha, foi um pouco desarrumado, estranhos fizeram isso contra a minha vontade, mas como disse, por culpa minha; quero pedir desculpas por isso. - Meu quarto? - perguntou a senhorita Bürstner e ao invés do quarto examinou K. com o olhar. - Isso mesmo - disse K. e ambos se olharam pela primeira vez nos olhos. - O modo como aconteceu não vale a pena ser relatado. - Mas é isso o que realmente interessa - disse a senhorita Bürstner. - Não - disse K. - Bem - disse a senhorita Bürstner -, não quero me intrometer em segredos, se o senhor insiste que não interessa, então não vou objetar nada. As desculpas que pede, eu as dou com prazer, principalmente porque não consigo achar nenhum vestígio de desordem. Com as mãos espalmadas fundo sobre os quadris, deu uma volta pelo quarto. Ficou parada junto à esteira com as fotografias. - Mas veja isso! - exclamou. - De fato minhas fotos estão bem desarrumadas. Que coisa feia! Alguém portanto esteve sem autorização no meu quarto. K. assentiu com a cabeça e em silêncio amaldiçoou o funcionário Kaminer, que nunca conseguia domar sua vivacidade oca e sem sentido. - É estranho - disse a senhorita Bürstner - que eu seja forçada a lhe proibir uma coisa que o senhor mesmo devia se proibir de fazer, ou seja, de entrar no meu quarto na minha ausência. - Mas eu já lhe expliquei, senhorita Bürstner - disse K. aproximando-se também das fotografias - que não fui eu que mexi nas suas fotografias; já que não acredita em mim tenho de confessar, então, que a comissão de inquérito trouxe consigo três funcionários do banco - um dos quais eu vou pôr na rua na próxima oportunidade - que provavelmente mexeram nas fotos. Sim, esteve aqui uma comissão de inquérito - acrescentou, uma vez que ela o observava com um olhar de interrogação. - Por sua causa? - perguntou a senhorita Bürstner. - Sim - respondeu K. - Não! - exclamou a senhorita Bürstner rindo. - Verdade - disse K. - Acredita então que sou inocente? - Bem, inocente... - disse ela. - Não quero emitir já um julgamento que talvez implique conseqüências tão sérias, ainda não o conheço, mas para que lhe atirem nas costas, tão rápido, uma comissão de inquérito, é preciso que seja um verdadeiro delinqüente. Mas visto que está livre - pelo menos concluo da sua calma que o senhor não fugiu da prisão, não pode ter cometido um delito tão sério assim. - Certo - disse K. -, mas a comissão de inquérito pode ter reconhecido que sou inocente ou então que não sou tão culpado como se supôs. - Sem dúvida pode ser isso - disse a senhorita Bürstner muito atenta. - Está vendo? - disse K. - Não tem muita experiência em questões judiciais. - Não, não tenho - disse a senhorita Bürstner -, e já o lamentei muitas vezes, pois gostaria de saber tudo e são justamente as questões judiciais as que mais me interessam. O tribunal tem uma força de atração singular, não é? Mas com certeza vou aprimorar meus conhecimentos nesse aspecto, pois no mês que vem entro como auxiliar num escritório de advocacia. - Isso é muito bom - disse K. - Poderá então me ajudar um pouco no meu processo. - Talvez seja possível - disse a senhorita Bürstner. - Por que não? Gosto de usar meus conhecimentos. - Também estou falando sério - disse K. -, ou pelo menos com a metade da sua seriedade. A questão é muito mesquinha para chamar um advogado, mas bem que eu poderia precisar de um conselheiro. - Mas se devo ser esse conselheiro, teria de saber do que se trata - disse a senhorita Bürstner. - Justamente aí é que está a dificuldade - disse K. - Nem mesmo eu sei. - Então esteve brincando comigo - disse a senhorita Bürstner, extremamente decepcionada. - Era inteiramente desnecessário escolher esta hora da noite para isso. E se afastou do local das fotografias, onde haviam ficado juntos tanto tempo. - Mas não - disse K. -, não estou fazendo nenhuma brincadeira. Será que não quer acreditar em mim? Já lhe disse o que sei. Até mais do que sei, pois não era uma comissão de inquérito, só a chamo assim porque não conheço outro nome para isso. Nada foi investigado, fui apenas detido, embora por uma comissão. A senhorita Bürstner riu outra vez, já sentada no divã. - Como foi, então? - perguntou. - Horrível - disse K., mas nesse momento não pensava nisso, estava completamente cativado pela visão da senhorita Bürstner, que apoiava o rosto numa das mãos, o cotovelo pousado sobre a almofada do divã, enquanto a outra mão alisava lentamente os quadris. - É muito vago - disse ela. - O que é muito vago? - perguntou K. e em seguida se lembrou. - Devo lhe mostrar como foi? Queria fazer algum movimento, mas não ir embora. - Já estou cansada - disse a senhorita Bürstner. - Chegou tarde demais em casa - disse K. - Então é assim que as coisas terminam: com censuras dirigidas a mim! É até merecido, pois não devia ter deixado o senhor entrar. Necessário também não era, como ficou demonstrado. - Era necessário, só agora é que vai ver - disse K. - Posso arrastar sua mesinha-de-cabeceira da cama para cá? - Que idéia é essa? - disse a senhorita Bürstner. - É claro que não pode. - Então não posso lhe mostrar - disse K. agitado, como se com isso lhe causasse um dano incalculável. - Bem, se precisa puxar a mesinha para fazer sua exposição, então por favor - disse a senhorita Bürstner, acrescentando, um instante depois, com a voz mais fraca: - Estou tão cansada que permito mais do que convém. K. colocou a mesinha no meio do quarto, sentando-se atrás dela. - Precisa ter em mente a distribuição certa das pessoas, é muito interessante. Eu sou o inspetor, lá na mala estão sentados dois guardas, perto das fotos estão os três jovens. Do trinco da janela pende, o que só menciono de passagem, uma blusa branca. E então começa. Ah, sim, ia esquecendo de mim. A pessoa mais importante, ou seja, eu, está em pé diante da mesinha. O inspetor sentado aqui muito confortavelmente, as pernas cruzadas, o braço pendente sobre o espaldar da cadeira, um grosseirão sem igual. E então realmente começa. O inspetor chama como se tivesse de me acordar, ele grita mesmo; infelizmente se eu quiser fazê-la compreender, tenho também de gritar, aliás é só o meu nome que ele grita. A senhorita Bürstner, que escutava rindo, pôs o indicador na boca para impedir K. de gritar, mas era tarde demais. K. estava muito dentro do papel e gritava devagar: "Josef K.!", aliás não tão alto como tinha ameaçado, mas de um modo tal que o chamado, depois de subitamente emitido, parecia se espalhar aos poucos pelo quarto. Nesse momento bateram algumas vezes na porta da sala vizinha, batidas fortes, breves e regulares. A senhorita Bürstner empalideceu e colocou a mão no coração. K. levou um susto particularmente forte porque durante um instante ficou completamente impossibilitado de pensar em outra coisa a não ser nos incidentes da manhã e na moça para quem ele os representava. Mal havia se recomposto, saltou até a senhorita Bürstner e pegou a mão dela. - Não tema nada - sussurrou ele -, vou pôr tudo em ordem. Mas quem pode ser? Aqui ao lado fica apenas a sala de estar, onde ninguém dorme. - Dorme, sim - cochichou a senhorita Bürstner no ouvido de K. - Desde ontem dorme aqui um sobrinho da senhora Grubach, um capitão. No momento não há nenhum outro quarto vago. Eu também me esqueci disso. Por que precisava gritar desse modo? Estou aborrecida com o que aconteceu. - Não há motivo - disse K. beijando-lhe a testa enquanto ela afundava outra vez na almofada. - Fora, fora! - disse ela, endireitando-se de novo com rapidez. - Vá embora, vá embora, o que está querendo, ele está escutando junto à porta, está ouvindo tudo. Como o senhor me atormenta! - Não vou antes que esteja um pouco mais calma - disse K. - Venha para o outro canto do quarto, ali ele não nos pode ouvir. Ela se deixou conduzir para lá. - Parece não estar vendo que é uma coisa desagradável, mas de modo algum um perigo. Sabe como a senhora Grubach - que é quem decide neste caso, sobretudo porque o capitão é sobrinho dela - simplesmente me venera e acredita sem restrições no que eu digo. Além disso, ela depende de mim, pois eu lhe emprestei uma soma considerável. Aceito qualquer das suas propostas de explicação para o fato de estarmos juntos, uma vez que ela corresponda pelo menos um pouco ao objetivo, e me comprometo a fazer com que a senhora Grubach acredite nessa explicação não só diante das pessoas, mas também real e sinceramente. Nisso não precisa absolutamente me poupar. Se quiser que se espalhe a notícia de que eu a ataquei, a senhora Grubach será instruída nesse sentido e acreditará nisso sem perder a confiança em mim, tal o apego que tem à minha pessoa. A senhorita Bürstner olhou para o chão em silêncio e um pouco recolhida em si mesma. - Por que a senhora Grubach não acreditaria que eu a ataquei? - acrescentou K. Via diante de si o cabelo dela, ruivo, repartido ao meio, afofado baixo, preso com firmeza. Julgava que ela voltaria a olhar para ele, mas sem mudar de posição ela disse: - Perdoe-me, fiquei assustada com a batida repentina e não com as conseqüências que a presença do capitão poderia ter. Estava tão silencioso depois do seu grito e nesse momento bateram na porta, foi por isso que levei um susto tão grande, eu estava sentada perto da porta, bateram quase ao meu lado. Agradeço as suas propostas, mas não as aceito. Sei assumir a responsabilidade por tudo o que acontece no meu quarto, diante de quem for. Fico admirada por não perceber a ofensa que há contra mim nas suas propostas, naturalmente ao lado das boas intenções, que sem dúvida eu reconheço. Mas agora vá embora, me deixe sozinha, preciso disso agora mais do que antes. Os poucos minutos que pediu se tornaram meia hora ou mais. K. pegou-a pela mão e depois pelo pulso. - Mas está brava comigo? - perguntou. Ela alisou a mão dele e respondeu: - Não, não, nunca fico brava com ninguém. Ele procurou agarrar outra vez seu pulso, dessa vez ela o permitiu e assim o levou até a porta. Ele estava firmemente decidido a ir embora. Mas diante da porta, como se não tivesse esperado encontrar ali uma porta, estacou; a senhorita Bürstner aproveitou esse momento para se soltar, abrir a porta, se esgueirar para a ante-sala e de lá dizer a K. em voz baixa: - Agora venha, por favor. Veja - e apontou para a porta do capitão, debaixo da qual saía uma réstia de luz -, ele acendeu a luz e se entretém conosco. - Já vou - disse K.; correu para a frente, agarrou-a, beijou-a na boca e depois no rosto inteiro, como um animal sedento que passa a língua sobre a fonte de água finalmente encontrada. Beijou-a por fim no pescoço, bem na garganta, e deixou os lábios ficarem ali longo tempo. Um ruído vindo do aposento do capitão fez com que ele erguesse os olhos. - Agora vou embora - disse, querendo chamar a senhorita Bürstner pelo primeiro nome, mas não o conhecia. Ela acenou com a cabeça, cansada; já meio voltada para trás, cedeu a mão para que ele a beijasse, como se não se apercebesse disso, e caminhou curvada para o seu quarto. Pouco depois K. estava deitado na cama. Adormeceu logo em seguida, antes de pegar no sono ainda pensou um pouquinho no seu comportamento, estava satisfeito com ele, mas se admirou por não estar mais satisfeito ainda; por causa do capitão, preocupava-se seriamente com a senhorita Bürstner. Veja também: |
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