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Brasileiro ensina como "vencer a batalha" do vestibular com base no código dos samurais

Luciana Quierati

Do UOL, em São Paulo

04/06/2012 06h00Atualizada em 14/06/2012 10h50

O vestibular é uma "guerra" e o vestibulando, um "samurai". O guerreiro quer superar esse desafio - é lógico. Para o professor de artes marciais e médico, Jorge Kishikawa , 48, a melhor maneira de alcançar esse objetivo é seguindo as regras do código de conduta dos samurais, o Bushido.

Para o "sensei", o vestibular é uma das grandes batalhas do samurai moderno ou de todo indivíduo que se disponha a enfrentar a vida com bravura. Talvez a primeira batalha, de uma lista de pelo menos mais quatro: casamento, criação dos filhos, vida profissional e alguma “outra que fica por conta do destino”. Uma doença grave, talvez. Sensei, em japonês, significa "mestre", "professor".

Médico formado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo, o próprio Kishikawa passou por esse teste mais de uma vez em sua vida -- e com sucesso. Antes de optar pela medicina, ele passou  em engenharia na Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) e administração na FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas) e, no ano seguinte, na FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração) para poder conciliar a engenharia durante o dia (o curso é de período integral) e a outra graduação no turno da noite. Somente depois, ele descobriu sua vocação para a área médica.

Disciplina e abnegação

Se o vestibular é uma batalha, o vestibulando sensei, precisa estar ciente de que “está no meio de uma guerra e, durante uma guerra, não há tempo para lazer e tentações mundanas” nas palavras de Kishikawa. Ele é enfático: o segredo é abster-se, abnegar-se e focar apenas nos estudos. Para quem acha o conselho muito severo o conselho, ele argumenta: “é uma vez na vida”.

Depois, quando o vestibular for superado, rotina de diversão, namoros, tudo pode ser retomado. Sim, namoros são terminantemente proibidos durante o período de preparação, na conduta ideal recomendada pelo sensei. “Se quiser passar no vestibular, pare de namorar”, escreveu em seu livro "Shin Hagakure – Pensamentos de um Samurai Moderno", da Editora Conrad.

Kishikawa é curto e grosso: “não conheci até hoje nenhum soldado que tenha levado sua namorada para o front”. E no último parágrafo do capítulo, dá a dica: “pegue sua mochila, suas armas e diga a ela que retornará depois de um ano. Com firmeza”.

Rotina de estudos

Como a maioria dos vestibulandos de hoje, ainda cursava o ensino médio quando ele começou a se aplicar aos estudos visando entrar na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. O pai, nascido no Japão e radicado no Brasil antes de Jorge nascer, era engenheiro eletrônico e, com o passar do tempo, se tornou um executivo da área. Jorge queria ser o mesmo. Sonhava ser executivo da Nissan, conta.

E, para passar no vestibular, estudava onde podia. Não perdia tempo. Sempre era ocasião para “matar testes”, como ele gosta de nominar. O ônibus, seja de casa para a escola ou no caminho inverso, era seu favorito. Às vezes, ficava dando voltas e mais voltas, além do ponto de destino, só para poder prolongar seus estudos ao movimento do coletivo no então já complicado trânsito de São Paulo. Concentração nunca lhe faltou, mas em casa, por um motivo ou outro, talvez algo o pudesse distrair. Então, para aproveitar melhor o dia, o embalo frenético, mas constante do ônibus, lhe era um aliado.

Acordava às 6h, fazia 15 minutos de exercícios e ia para a escola. Na volta, estudava até a hora do jantar. Como um bom samurai, ele treinava de noite e, logo depois, se retirava para dormir. “Não aconselho estudar até altas horas da noite. O guerreiro tem que acordar cedo e dormir cedo”, diz, explicando na sequência: “estudar na calada da noite vai causar desequilíbrio no organismo com o passar do tempo. Nosso organismo não foi feito para isso.”

Antes de decidir

Ao final de um ano, passou na Politécnica e na Fundação Getúlio Vargas. Queria conciliar a engenharia com a administração, mas o primeiro curso era integral e o segundo, diurno. Escolheu a Poli, depois prestou FEA, cujo curso era noturno, e assim ingressou no mundo universitário, estudando de manhã, à tarde e à noite. Só mais adiante é que descobriu que sua vocação mesmo era a medicina.

Kishikawa não se arrepende dos cursos que iniciou e não terminou, mas garante que, se tivesse a cabeça de hoje, teria prestado vestibular um pouco mais tarde. Escolheu engenharia porque tinha o pai como exemplo, quis complementar com administração, mas apenas no desenrolar da academia foi perceber que não era nada disso que queria para a vida.

“Antes do vestibular, o samurai tem que saber se quer entrar na guerra. Não é porque todo mundo vai prestar (vestibular) depois do ensino médio que ele tem que fazer também”, alerta. Embora antecipe que este conselho possa não ser bem visto por pais e professores, ele insiste em que se conceda intervalo de um ano entre a escola e a universidade.

Na pressão por decidir logo, o estudante pode acabar optando por um curso que não lhe traga satisfação. “Tem gente que escolhe fazer odontologia porque sabe que não vai passar em medicina. Errado”, aponta o 7º dan Kyoshi da arte marcial Kendo.

Ele afirma que um ano é um tempo bom para viajar, conhecer gente, outras culturas, trocar ideias, e só então entrar para a “guerra”, com consciência. Porque, a partir daí, o destino está traçado e não terá nada de moleza.

Na contracapa de seu livro “Shin Hagakure – Pensamentos de um Samurai Moderno” – com apresentações de Guido Mantega, na primeira edição (2004), e da Monja Coen, na edição revisada (2010) -, Jorge Kishikawa fez constar o seguinte: “a travessia da vida é difícil. Devemos sempre encarar cada momento como se fosse uma batalha. Numa guerra, falhas ou imperfeições são inconcebíveis. É por isso que o samurai deve encarar cada momento de sua vida como se fosse o último”.