Química -
Quem nunca experimentou uma cachaça artesanal numa viagem pelo país? Afinal, fazer cachaça é mesmo muito simples. Até o presidiário Ezequiel, como conta Dráuzio Varella no livro "Estação Carandiru", fazia aguardente dentro da sua própria cela. Suas matérias-primas eram: milho de pipoca (amido), alguns quilos de açúcar (sacarose) e as leveduras das cascas das frutas, que ele adicionava à mistura. Sete dias de fermentação alcoólica -reação que transforma carboidratos (como o amido e a sacarose) em álcool- encarregavam-se do resto.
Ezequiel fazia a cachaça direitinho, mas você deve tomar muito cuidado com as pingas caseiras. Um pouco de sujeira no "alambique" pode ser uma boa moradia para certas leveduras selvagens que, em vez de produzirem etanol (C2H5OH, o álcool das bebidas), formam o perigosíssimo metanol (CH3OH). O nome pode ser parecido, mas os efeitos...
O metanol é incolor e apresenta odor e sabor semelhantes ao do etanol, sendo imperceptível a sua presença nas bebidas. Sua toxicidade é até baixa, mas, no seu processo metabólico, oxidado pela enzima catalase, transforma-se em aldeído fórmico (HCOH) e ácido fórmico (HCOOH). Aí é que começam os problemas.
Como a catalase também está envolvida na química da visão, uma parte do metabolismo ocorre ali. No final das contas, o aldeído acaba inibindo a oxigenação da retina, o que pode levar a uma cegueira permanente.
E não é só isso. Também podem ocorrer: acidose metabólica (devido ao ácido fórmico no sangue), problemas nos rins e no fígado e até a morte.
Um caso diferente de envenenamento por metanol pode ter acontecido na Guerra da Golfo. Milhares de soldados americanos voltaram para casa com sinais leves dessa intoxicação. Mas como isso poderia acontecer? A teoria é a seguinte: refrigerantes "light" eram levados até os soldados por caminhões que viajavam horas debaixo de um sol escaldante. Só que o adoçante aspartame se decompõe com o calor e um dos produtos dessa reação poderia ser o metanol.
E o que faz um médico diante de um caso grave dessa intoxicação? Injeta etanol -o álcool da pinga- na veia! É que o etanol, no corpo humano, oxida-se no lugar do metanol. E o aldeído acético que se forma, em vez de causar cegueira, dá apenas uma bela ressaca que, nesse caso, convenhamos, será extremamente bem-vinda. *Luís Fernando Pereira é professor do curso Intergraus e coordenador de química do sistema Uno/Moderna
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