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História geral

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Os historiadores se desmancham em elogios sobre a época renascentista. Segundo Agnes Heller, "a um momento estático sucedera um momento dinâmico. O homem novo, o homem moderno, era um homem que ia se fazendo, construindo, e estava consciente disso. Era, precisamente, o homem do renascimento".

Essas idéias se adaptam ao sexo masculino, pois a mulher pouco compartilha desse brilhantismo.
 

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Madona del Parto

Numa primeira visão, a mulher é Maria. Na pintura "Madona del Parto", de Piero della Francesca (à esq.), Nossa Senhora aponta para o ventre onde traz Jesus Cristo, representando também a figura da mulher comum que está prestes a gerar uma nova vida. Porém, trazer em si um filho é um privilégio e um fardo para a mulher.

Na Europa, a mortalidade infantil oscila de 20% a 50%. As crianças são vítimas de peste, diarréia, constipação, tuberculose e inanição. A preocupação com a morte da criança é constante em cada nascimento. Os sobreviventes são amamentados durante 18 a 24 meses, pelas mulheres das camadas inferiores da população.

As mulheres das camadas dominantes não o fazem, pois nesses estratos sociais deseja-se uma taxa de nascimentos mais elevada, para garantir a transmissão da riqueza, conhecimentos e poder. A prática é baseada na crença de que a amamentação tem efeito contraceptivo. O filho da mulher rica é amamentado pela mulher pobre, que recebe o pagamento dobrado de uma doméstica por essa função.
 

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Litta

Quando não tem leite em abundância, nega-o ao próprio filho, ou o acostuma a mamar diretamente nas tetas de uma cabra. Quando não possui tal animal, é capaz de cometer o infanticídio, principalmente se o filho é ilegítimo. Outra alternativa é o abandono, atestado pela existência de asilos de crianças desde o século VIII. Os destinos opostos que assinalam a maternidade também estão presentes na união conjugal. O casamento resulta de um cálculo, servindo como mecanismo de produção, conservação e transmissão da propriedade. Bons casamentos aumentam o patrimônio. A família Donato, de Veneza, contabiliza um saldo positivo de 127.177 ducados, em dois séculos, entre receitas e despesas com dotes.

Na maioria das vezes, os casamentos são decididos pelos pais. Os filhos devem aceitá-los. O contrário produz severas punições. Margery Paston, filha de um lorde inglês, foi isolada e espancada durante meses. Alberti, mercador florentino, aconselha deserdar os rapazes que não casassem até os 25 anos.

O casamento é mercenário. Entretanto, humanistas e religiosos realçam a importância de uma relação de amizade entre os cônjuges. Em 1509, Cornelius Nettesheim, erudito alemão, afirma que, "se o casamento se baseasse no amor e na amizade, e não no dinheiro e no interesse, não haveria mais adultérios nem divórcios".

Amar e obedecer ao marido

Todavia, se a amizade é importante, também é exigida a relação de tipo patriarcal. A mulher deve amar e obedecer ao marido. Um inglês, W. Whately, em 1617, recomenda: "Uma mulher devia sempre reconhecer que o marido é seu superior e seu senhor". Calvino considera a submissão da mulher ao marido como um modelo da sua normal submissão ao próprio Deus. Quanto às desobedientes, frei Querubino, na sua obra "A Regra da Vida Matrimonial", recomenda que na falha das boas maneiras e da persuasão, " a mulher deve ser espancada ruidosamente (não com fúria, mas com amor), para salvação da sua alma".

Na Inglaterra existe a expressão "rule of the thumb" (regra do polegar), referindo-se a uma norma tradicional da lei consuetudinária, pela qual uma mulher só podia ser espancada com um pau cujo diâmetro não ultrapassasse o de um polegar.
 

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As Fiandeiras

Segundo a religião, Deus, ao expulsar Eva do paraíso a condena, e também a todas as suas filhas, a dois castigos: as canseiras de um trabalho sem fim e as dores do parto. Com exceção das mulheres das camadas sociais mais elevadas, mães e filhas executam vários tipos de trabalho.

No campo participam dos trabalhos agrícolas, reúnem o rebanho, tratam do galinheiro, recolhem os ovos, ordenham as vacas, transportam a palha, plantam e preparam o linho e o cânhamo, que depois lavam, batem, fiam e tecem para fazerem as roupas e toalhas; tosquiam as ovelhas, fiam e tecem a lã para fazerem as capas e as mantas; tratam da horta, colhem legumes e ervas para cozinharem. As mulheres da aristocracia também se ocupam dos trabalhos agrícolas, porém no aspecto organizativo, quando os maridos se ausentam, principalmente em caso de guerra. Ricas ou pobres, as mulheres sempre fiam e tecem. Na língua inglesa, solteirona é "spinster", que deriva do verbo fiar, "to spin".

Catálogo de prostitutas

A prostituição também é freqüente. Em 1500, com uma população de 100 mil habitantes, Veneza possui cerca de 12 mil prostitutas. No final do século XVI, essa cidade, famosa também pelas suas liberalidades, permite que as meretrizes exibam publicamente os seios no submundo, junto à ponte do Rialto. Mas até aí existem distinções. Esplêndidos apartamentos acolhem "honradas cortesãs", que são objeto inclusive de um catálogo, editado em 1570, mencionando 215 nomes.

O oposto da prostituição é o convento. Durante o século XV, em Florença, Veneza e Milão, cerca de 13% das mulheres eram monjas. Boa parte delas provinha das camadas altas e médias da população. Um número excessivo de filhas podia ser a ruína de um pai, caso viesse a despender altas somas com os dotes. Nesse caso, Jesus era o genro ideal.

Por outro lado, um número reduzido de mulheres faz surgir no Renascimento um papel alternativo ao de Maria ou ao de Eva. É a amazona, uma mulher-homem perigosamente hábil. Joana D'Arc, a primeira delas, paga caro como comandante militar: é condenada à morte como feiticeira pelo seu papel masculino.
 

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Elisabeth 1ª

Caterina Sforza, após a morte do marido Girolamo, duque de Milão, assume o comando das operações militares. Derrotada, é presa, talvez violentada e conduzida sob prisão a Roma por Cesar Bórgia. As duas maiores exceções foram Catarina de Médicis, viúva de Henrique II, rei da França, regente dos seus dois sucessores, Francisco II e Carlos IX, e Elisabeth Tudor, rainha da Inglaterra.

Entre elas, Elisabeth define melhor o papel da amazona. Nunca se casou. Difamada pelos adversários como lésbica, designava-se como "príncipe", com o corpo de mulher e o coração de um rei. Seus partidários a consideravam virgem viril. Como Joana D'Arc, Elisabeth era considerada (e considerava-se) uma amazona. Em sua época, é profunda a sensação de incômodo provocada por uma virgem armada, uma fêmea racional, uma força emotiva que não podia ser limitada pela ordem natural das coisas.

Joana e Elisabeth na tela

Figuras fortes para qualquer época, Joana e Elisabeth inspiraram uma vasta filmografia, sendo recentemente retratadas mais uma vez, por Luc Besson (1999) e Shekar Kapur (1998), em produções supercaprichadas.
 

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A Joana D'Arc encarnada pela ucraniana Milla Jovovich (na foto ao lado), corresponde ao padrão de beleza que sempre acompanha a idéia de herói. A França, ou o que restava dela, havia sido praticamente derrotada pelos ingleses, na Guerra dos 100 Anos (1337-1453). Em 1420, pelo tratado de Troyes, o rei Carlos VI da França deserdou seu filho, também chamado Carlos, denominado no filme como Delfim, título aplicado exclusivamente ao herdeiro do trono francês, em favor do rei Henrique V da Inglaterra. Mortos os reis signatários do acordo, a guerra poderia recomeçar.

É nesse quadro que surge a donzela Joana, crente na sua missão de fazer coroar o Delfim (John Malkovitch), como rei da França; ele a recebeu na sua corte em Chinon, no dia 6 de março de 1429, ouvindo dela a mensagem da voz do povo afirmando que a realeza não é uma coisa terrestre, que os homens não podem dispor da coroa de acordo com as suas vontades, e só Deus tem o poder de passá-la através de seus anjos, àquele que merece recebê-la, em virtude do seu nascimento; essa voz também dizia que o lugar dos ingleses não é na França, mas para lá do canal da Mancha, onde foram estabelecidos por Deus.

A identificação entre a mística Joana, o pensamento popular e as pretensões do Delfim, produzem um efeito extraordinário; na soma, o discurso é moderno, patriótico, ao contrário dos seus adversários ingleses. Essa conjunção foi a mola propulsora das vitórias da "chefe de guerra", posto criado para Joana pelo Delfim. Carlos VII foi coroado em Reims, em 17 de julho de 1429.
 

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Triunfo da Morte

Depois disso Joana não pára; no auge do seu prestígio queria empurrar os ingleses para a sua ilha, pretensão que não era compartilhada pela coroa. A partir daí torna-se incômoda ao rei da França e aos ingleses. Na película, ao deixar de receber apoio do rei, sua consciência torna-se cada vez mais perturbada, mergulhada em conflitos sobre a incerteza da sua missão, sobretudo se essa deveria ser banhada em sangue; as cenas realistas das batalhas parecem inspiradas em quadros como o Triunfo da Morte de Brueghel. Em 24 de maio de 1430, é presa em Compiègne pelos partidários do duque de Borgonha, que por sua vez a vende aos ingleses.

Na tela, durante o seu julgamento as autoridades eclesiásticas hesitam diante do mito por ela representado; as acusações de bruxaria e pacto com o demônio são inconsistentes. No processo inquisitorial, o argumento decisivo para a sua condenação é a acusação de "cisma", termo que no vocabulário eclesiástico significava rebelião: Joana recusava-se obstinadamente a se submeter à Igreja, dirigindo-se diretamente à autoridade de Deus; guiada pelas vozes, mantinha-se fiel a elas.

Finalmente, excomungada pelos inquisidores, é entregue à justiça de Rouen que a manda queimar em 30 de maio de 1431, com apenas 19 anos de idade. Destaque-se o fato de que na realidade a Inquisição ou a Igreja não condenam ninguém à morte, mas sim excomungam; daí o indivíduo, afastado da comunidade cristã, é condenado à morte pelas autoridades civis.

A Elizabeth I ou Isabel I, vivida por Cate Blanchett (à esquerda), não é camponesa. Filha de Henrique VIII com a segunda esposa Ana Bolena, foi herdeira presuntiva do trono até a morte de sua irmã consangüínea Maria a Sanguinária, a Bloody Mary, filha de Catarina de Aragão, casada com Felipe II, rei da Espanha, com o qual não teve filhos. Enquanto princesa, o filme exibe uma sensual e nada virgem Elizabeth, curtindo uma "dolce vita" com Robert Dudley, conde de Leicester (Joseph Fiennes), numa visão até generosa do apetite sexual herdado do pai, que ostentou seis esposas e uma lista de amantes.

Com a morte de Maria, em 1558, a maioria da corte aceita Elizabeth como rainha. Inicialmente, seu ministro e conselheiro lorde Burghley (Richard Attenborough), busca induzi-la ao casamento, que no caso de uma rainha definiria a posição diplomática e futuras possíveis alianças.

Na película, impossibilitada de amar na plenitude e com a única perspectiva de um consorte indesejado, o que se destaca nas atitudes homossexuais do duque de Anjou (Vincent Cassel), e na repulsa a Felipe II (George Yiasoumi), viúvo de sua irmã Maria, decide adotar a postura de virgem, aproveitando que a religião anglicana mantivera a hierarquia sacerdotal e a crença nos santos, tendo a própria rainha como chefe para as questões políticas.

Lord Burghley é por ela aposentado e Walsingham (Nick Shalmann) ascende como o maquiavélico principal conselheiro; no filme, há o corte dos cabelos como símbolo da mudança de uma personalidade feminina para uma assexuada, acompanhada pelo Requiem de Mozart. A cena, embora de uma fotografia maravilhosa, seria mais histórica com as músicas do trovador John Dowland, o predileto de Elizabeth, o qual não deve ter apenas cantado seus versos para a rainha. Mozart compôs o Requiem no final do século XVIII, um tanto quanto distante da segunda metade do século XVI em que se passa a história.

Amor ao poder

Na realidade Elizabeth amava o poder acima dos homens, coisa difícil de entender para os simples mortais que nunca o tiveram. Ela aplicava o termo conveniência para designar qualquer meio para preservar a paz. Tinha de sobra a virtú requerida por Maquiavel em "O Príncipe". Foi uma verdadeira equilibrista na política cuja cena era compartilhada por Inglaterra, França, Holanda e Espanha.

A Holanda e a Inglaterra entraram em guerra contra a Espanha; a primeira pela independência e a segunda pela rejeição do catolicismo e adoção do anglicanismo, que afastava definitivamente as pretensões de Felipe II de realizar uma aliança com os ingleses. Elizabeth não queria uma vitória total da Espanha na Holanda, para não fortalecer demais os espanhóis, nem uma derrota completa da Espanha contra os holandeses, para não ampliar o crescente poderio francês.

Se todas se enfraquecessem, a Inglaterra se sobressairia. Não é por acaso que os ingleses chegaram ao domínio dos mares e na seqüência atingiram a Revolução Industrial. A gestação da "Rainha dos Mares" começa com Elizabeth.

Além da Elizabeth de Shekar Kapur, houve uma deliciosa presença da personagem, ainda em 1998, na fantasiosa comédia romântica "Shakespeare Apaixonado", ganhadora do Oscar de melhor filme, em 1999, onde aparece mais velha, vivida por Judy Dench que rouba a cena no final do filme da mesma maneira como Sean Connery fez no Robin Hood protagonizado por Kevin Costner, como Ricardo Coração de Leão.

Tirando a capa que tinha como disfarce, a rainha que acabara de assistir "Romeu e Julieta", de Shakespeare, surge para perdoar a presença feminina de lady Viola De Lesseps (Gwineth Paltrow) num papel teatral, fato então proibido na Inglaterra para as mulheres. Diante da confusão criada, ironicamente declara: "Sei o que é ser mulher num ofício de homem". E sabia mesmo!

Fotos: arquivos de museus e divulgação
 

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